Discurso durante a 39ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A DISPARIDADE REGIONAL NA DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS PARA A POLITICA EDUCACIONAL E CIENTIFICA NO PAIS.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A DISPARIDADE REGIONAL NA DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS PARA A POLITICA EDUCACIONAL E CIENTIFICA NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2001 - Página 6937
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, DISPARIDADE, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS, EDUCAÇÃO, REGIÃO, BRASIL, FAVORECIMENTO, REGIÃO SUDESTE.
  • NECESSIDADE, INCENTIVO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, APROVEITAMENTO, CARACTERISTICA, REGIÃO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, PROGRAMA, FOMENTO, COOPERAÇÃO, CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO E TECNOLOGICO (CNPQ), COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NIVEL SUPERIOR (CAPES), FINANCIADORA DE ESTUDOS E PROJETOS (FINEP), OBJETIVO, REFORÇO, CURSO DE POS-GRADUAÇÃO, REGIÃO, CARENCIA, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, na era da economia globalizada, a ciência e o conhecimento disputam, acirradamente, a hegemonia discursiva na competição política por um mundo nacionalmente melhor e mais justo. No concerto das nações, ciência e conhecimento se convertem em recursos inestimavelmente valiosos para a aquisição de um posicionamento de prestígio e de poder por parte de uma sociedade nacionalmente constituída. O Brasil, que luta por um espaço mais expressivo dentro de uma nova ordem internacional que se impõe, não se furta a repensar sua política educacional e científica, de modo a garantir a efetivação de um projeto nacional de auto-sustentação econômica e, por que não em conhecimento e tecnologia.

Contudo, para a viabilização de tão ambiciosa proposta, cabe às autoridades brasileiras tomarem consciência do extremo grau de disparidade regional que cerca a distribuição de recursos, visando à produção de conhecimentos no País. De acordo com a política científica vigente, tal distribuição segue critérios rigorosamente estabelecidos pela contribuição regional no Produto Interno Bruto, bem como pela densidade demográfica. Isso eqüivale dizer, numa leitura mais pragmática, que as regiões que mais contribuem para a formação de ativos economicamente contabilizados são contempladas com injeções ainda mais generosas de recursos, para a manutenção de uma estrutura nacionalmente desigual e perversa de ciência e educação.

O Ministério da Educação reconhece as anomalias do sistema atual e declara que a Região Sudeste, disparadamente, absorve o maior volume de verbas do Orçamento, acompanhando os critérios viciadamente marcados de população e PIB. Para se ter uma leve idéia do quadro presente, os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que já reúnem 11 universidades públicas, possuem nada menos que 42 das 72 universidades particulares e comunitárias vinculadas ao Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, conforme números divulgados pelo próprio Ministério.

Mais que isso, o mesmo documento do MEC revela que, dos quase três milhões de matrículas realizadas em 1998 nos diversos cursos de graduação pelo País afora, o Centro-Oeste colaborou com apenas 8% do total, contrastando drasticamente com o índice verificado no Sudeste, que chega a quase 55%. Isso se não considerarmos que, no Nordeste, a participação se restringe a apenas 4% do total, fração essa que revela, por si, o descalabro do desequilíbrio regional. Agora, se levarmos em consideração as matrículas feitas junto às instituições particulares, que hoje já correspondem a quase 63% do total, a distribuição inter-regional se configura também concentradora, favorecendo um hiato brutal entre a menor taxa, no Nordeste, e a maior, no Sudeste.

Quanto a pós-graduação, Sr. Presidente, a concentração no Sudeste se repete, seja em número de programas disponíveis, seja em número de alunos matriculados. Enquanto o Centro-Oeste ostenta irrisória taxa de 1,2% de alunos carimbados com o título de doutor, o Sudeste domina a produção nacional com a marca de 90%. Isso se verifica com mais ênfase nas áreas de engenharia, saúde e agrárias. Do ponto de vista do número de programas oferecidos, o quadro não se altera, privilegiando o Sudeste, que conta com quase 75% da totalidade nacional, ao passo que o Centro-Oeste mal chega nos 3%.

Contudo, vale a pena frisar que, em contraste com o que se opera na graduação, os cursos de mestrados e doutorados são praticamente canais educacionais de exclusivo controle dos estabelecimentos públicos do País. O Erário administra no Sudeste do País quase 75% dos programas de doutorado nacionalmente oferecidos. O mesmo Erário se dispõe a investir em menos de 3% dos programas de doutorado no Centro-Oeste. Nessa linha, as disparidades somente tendem a perpetuar-se indefinidamente.

Acontece que, há tempos, o Estado brasileiro vem desacelerando sua política de incentivo à criação de novas escolas de ensino superior com recursos exclusivamente públicos. Se, de um lado, tal política tem favorecido o interesse da iniciativa privada na exploração do setor educacional, de outro, tem mais uma vez contribuído para a reprodução de modelo concentrador historicamente experimentado no Brasil. Pois, como negócio, a educação superior exerce fascínio espetacular nos grandes centros metropolitanos, onde os filhos da classe média podem, com certa margem de flexibilidade, responder aos altos custos do investimento.

O próprio professor Alberto Carvalho da Silva, em recente artigo publicado no livro Universidade: Panorama e Perspectivas, ressaltou que a desaceleração na oferta de ensino superior público tem particular impacto no Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, porque, “além de contribuírem com 89,7% dos programas de mestrado e 90,8% dos de doutorado, as instituições públicas são, de longe, as principais responsáveis pela atividade em pesquisa científica e tecnológica no País”. Mais que isso, o setor público cobre quase 90% de todos os programas nacionais de auxílio à pesquisa, quase 100% dos 208 projetos aprovados no Pronex (Programa de Apoio a Núcleos de Excelência), mais de 90% do total de bolsas aprovadas pelo CNPq e pela Capes.

Ora, diante desse impasse, o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia se vê pressionado a planejar políticas mais ousadas de educação e pesquisa, já que seu papel se destina a apresentar soluções para o desenvolvimento do País. Seja por razões de ordem econômica, seja por razões de ordem social e ecológica, tal projeto de desenvolvimento deve necessariamente abranger todas as regiões, o que significa um rompimento drástico com práticas de concentração aplicadas até o momento.

Isso certamente imprimiria um tom mais democrático e justo à situação vivenciada no presente. Um presente que não se cansa de evidenciar o descompasso entre os níveis de produtividade em ciência e tecnologia das regiões brasileiras.

Senão, vejamos: tomando o Centro-Oeste e o Sudeste como pólos opostos da estrutura vigente, constatamos que, enquanto o Sudeste responde por quase 70% dos artigos científicos publicados no Brasil e no exterior, o Centro-Oeste não consegue atingir a marca dos 4%. Tal desproporção se estende por todas as demais áreas comparativas, como as relativas ao número de livros editados, dissertações de mestrado e doutorado defendidas, trabalhos em anais e reuniões científicas, publicações em revistas especializadas e, por fim, em matérias relacionadas a desenvolvimento tecnológico e inovação.

Apesar de a maioria dos Estados da Federação ter previsto a criação de fundações de amparo a pesquisa em suas Constituições, a implantação das mesmas tem sofrido processos muito distintos de operacionalização. Os fundos destinados a abastecer as fundações de pesquisa terminaram, em grande parte dos Estados, sendo desviados para outras funções. Desse modo, o problema mais grave apontado por especialistas tem consistido na transferência de recursos em níveis abaixo daqueles fixados nas Constituições estaduais, o que torna o planejamento na área mais difícil e inseguro.

Talvez, se tivéssemos seguindo o fluxo previsto de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico, hoje não estaríamos em situação de incômoda dependência em relação à dominação de conhecimentos os mais triviais. Não foi por acaso que, há bem pouco tempo, empresários do setor de DVDs (Diginal Versatile Disc) proclamaram a necessidade de uma regionalização da produção, com o propósito de baratear custos e preços finais. Para tanto, é preciso que haja mão-de-obra bem regionalizada, bem preparada diante do desafio tecnológico. Nesse sentido, se para o resto do mundo a regionalização produtiva começa a ganhar adeptos entre as megaempresas, certamente a adoção de mentalidade análoga em território brasileiro não seria em absoluto descabida. Infelizmente, não tem sido essa a tônica hegemônica na ideologia brasileira de produção e de desenvolvimento.

Em contrapartida, o que tem proporcionado algum alento ao triste quadro apresentado são os programas de fomento e cooperação que o CNPq e a Capes têm promovido junto às regiões menos favorecidas, seja econômica, seja tecnologicamente. Um dos casos mais ilustrativos foram os convênios celebrados com a CNPq, Capes e Finep, visando o fortalecimento dos programas de pós-graduação no Norte e no Nordeste.

Na verdade, o Fórum Nacional das Fundações, Fundos e Entidades de Amparo à Pesquisa (Forspeq) chegou a propor um Plano Nacional de Fortalecimento das Fundações de Pesquisa, no qual se previa o surgimento do Sistema Nacional de Inovação destinado a transformar ciência e tecnologia no epicentro das políticas sustentáveis de desenvolvimento econômico e social do País. Como eixo filosófico, o plano adotou o lema da promoção do desenvolvimento harmônico de uma política nacional de ciência e tecnologia que contemplasse as convergências das ações na três esferas de Governo, juntamente com setores representativos da sociedade civil.

No fundo da questão, o Sistema Nacional de Inovação almeja uma integração produtiva entre Governo, academia, iniciativa privada e setor político. Para tanto, faz-se necessário que o desempenho acadêmico adquira um nível excelente de qualidade científica. Como bem enfatiza o professor Alberto Carvalho da Silva, “uma economia moderna e diversificada tem que estar científica e tecnicamente equipada para enfrentar desafios em frentes múltiplas, essa competência requer a participação dos diferentes ramos da atividade científica, com continuidade e com um planejamento que não pode estar subordinado a prioridades e perspectivas de aplicação imediata”.

            Cumpre esclarecer que, quando as fundações e seus fundos foram criados, não se imaginava que as regiões viessem a alcançar um grau de desenvolvimento científico uniformizado. Desse pensamento purista não se estava contaminado. No entanto, se pretendia, sim, que cada região ou Estado da Federação viesse a cumprir metas bem realistas e pragmáticas dentro do Sistema de Ciência e Tecnologia. Dentre as metas, destacavam-se a formação de profissionais competentes a serviço da sociedade, a identificação de oportunidades que colaborassem para o desenvolvimento da região, além do incentivo à adaptação do conhecimentos produzidos alhures às condições e objetivos locais.

Por isso mesmo, não nos devemos furtar à meta prioritária de reduzir as desigualdades regionais no campo da ciência e do conhecimento mediante a elevação do nível em todas as regiões. Devemos descartar de vez a política que favorece a condução de recursos para uns poucos, em detrimento de vários outros. Devemos, para tanto, fortalecer o sistema de fundações e fundos estaduais de amparo à pesquisa, que devem estar bem articulados com as esferas dirigentes do Governo Federal.

Para concluir, resgato as sábias palavras do Professor Ennio Candotti, ex-presidente da SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que, em recente artigo, enfatizou a necessidade de o País se mobilizar na direção de garantir uma política de instalação de infra-estrutura para a pesquisa em todo o País. Segundo as palavras do próprio professor: “O bom senso o recomenda e a eqüidade também. Precisamos de Centros Tecnológicos bem aparelhados com equipamentos, técnicos e pesquisadores nas mais diversas regiões do resto do País..., para que as desigualdades sociais do País sejam equacionadas e encontrem solução”. Diante de tão grave advertência, não há nada a acrescentar senão fazer minhas as palavras do Professor Candotti.

Sr. Presidente, compete a todos nós Senadores que representamos as diversas regiões do País lutar para que o ensino, sobretudo o ensino em ciência e tecnologia, seja regionalizado, aproveitando as particularidades de cada região do nosso País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2001 - Página 6937