Discurso durante a 40ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CRITICAS A NÃO ADESÃO DOS ESTADOS UNIDOS AS NORMAS CONTIDAS NO PROTOCOLO DE KYOTO, DESTINADAS A REDUZIR A EMISSÃO NA ATMOSFERA DE DIOXIDO DE CARBONO E OUTROS GASES PREJUDICIAIS AO MEIO AMBIENTE.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA EXTERNA.:
  • CRITICAS A NÃO ADESÃO DOS ESTADOS UNIDOS AS NORMAS CONTIDAS NO PROTOCOLO DE KYOTO, DESTINADAS A REDUZIR A EMISSÃO NA ATMOSFERA DE DIOXIDO DE CARBONO E OUTROS GASES PREJUDICIAIS AO MEIO AMBIENTE.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/2001 - Página 7127
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • PROTESTO, DECISÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AUSENCIA, ADESÃO, ACORDO INTERNACIONAL, REDUÇÃO, EMISSÃO, GAS CARBONICO.
  • REGISTRO, MOÇÃO DE CENSURA, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, PRESIDENCIA, ORADOR, DESTINATARIO, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ASSUNTO, RECUSA, ASSINATURA, ACORDO INTERNACIONAL, CONTROLE, EMISSÃO, GAS, ALEGAÇÕES, PREJUIZO, ECONOMIA.
  • ANALISE, POLITICA INTERNACIONAL, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, ESPECIFICAÇÃO, RESPONSABILIDADE, PAIS INDUSTRIALIZADO.
  • REPUDIO, PAIS INDUSTRIALIZADO, TENTATIVA, CONTROLE, REGIÃO AMAZONICA, RECURSOS NATURAIS, TERCEIRO MUNDO, CONTRADIÇÃO, OMISSÃO, REDUÇÃO, POLUIÇÃO, EXPECTATIVA, NEGOCIAÇÃO, DIPLOMACIA, AMBITO INTERNACIONAL.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a meio caminho entre a perplexidade e a indignação, a opinião pública mundial foi colhida pela decisão do governo dos Estados Unidos de não endossar a regulamentação das normas contidas no Protocolo de Kyoto, destinadas a reduzir a emissão, na atmosfera, de dióxido de carbono e de outros gases igualmente prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente.

No último dia 4 de abril, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, a cuja Presidência tive a honra de ser recentemente conduzido, esboçou moção dirigida às autoridades competentes do Governo Federal norte-americano, por intermédio de Embaixada dos Estados Unidos, expressando nossa preocupação e nosso protesto, diante não apenas das declarações da Casa Branca, mas também - e talvez até principalmente - da resolução, aprovada pelo inquietante placar de 95 a 0, no Senado daquele país, de se recusar a examinar o tratado, por considerá-lo prejudicial à economia da maior potência planetária.

Sem dúvida, estamos às voltas com uma ironia da História: o Presidente George W. Bush sanciona esse retrocesso no encaminhamento de uma solução mundial para o gravíssimo problema do efeito estufa, menos de uma década depois de seu pai ter assinado a Convenção sobre Mudança Climática, durante a Conferência Rio-92, a qual funcionou como pedra de toque do processo que desembocou em Kyoto, em 1997. Neste último episódio, outra importante autoridade americana, o ex-Vice-Presidente Al Gore, teve papel de relevo, cabendo-lhe o mérito de ter sido uma das primeiras figuras de projeção mundial a chamar atenção da humanidade para os perigos do aquecimento global.

Uma ligeira recapitulação do noticiário internacional serve para nos lembrar que o processo de negociação já havia entrado em “zona de turbulência”, desde a mais recente rodada de conversações sobre a implementação de Kyoto, realizada em Haia, em novembro último.

De lá para cá, o futuro do protocolo afigurou-se mais nebuloso e problemático, em razão dos contraditórios “sinais” emitidos por Washington. Isso porque, se, de um lado, o Sr. George W. Bush tenta deixar claro que sua oposição a Kyoto não está aberta à negociação, de outro, sua funcionária Christie Whitman, Diretora da Agência de Proteção Ambiental (a poderosa EPA), declara, em tom bem mais conciliatório, que a “mudança climática global é uma questão séria que o Governo tem o compromisso de tratar em estreita cooperação com nossos amigos e aliados”.

Se esta declaração da mais alta autoridade ambiental norte-americana for algo mais que “palavras ao vento”, como dizia Thomas Hobbes, então o Governo dos Estados Unidos fará bem começando por admitir o óbvio ululante: que sua nação é, de longe, a maior poluidora do Planeta; que cada americano despeja na atmosfera 5,4 toneladas de CO2 por ano; que a convenção do Rio consagrou o princípio de “responsabilidades comuns, mas diferentes” perante a questão, de acordo com o estágio de desenvolvimento socioeconômico de cada país; que mesmo gigantes multinacionais responsáveis por graves impactos ambientais, tais como a Shell, a DuPont e a British Petroleum, vêm-se mostrando gradativamente mais acomodatícias às premissas de Kyoto; que, finalmente, os Estados Unidos não podem desertar do dever, para com os seus cidadãos e o conjunto da humanidade, de empenhar seu incontrastável peso político, econômico e estratégico no cumprimento das metas determinando uma redução de até cinco por cento das emissões gasosas registradas pelos países industriais no ano-base de 1990 até 2008 ou, o mais tardar, 2012.

A bem da verdade, já se percebe que algumas dessas nações do Norte desenvolvido começam a enxergar na reversão americana uma conveniente desculpa para se eximirem dessas mesmas metas. Com efeito, apenas o Reino Unido e a República Federal da Alemanha podem se considerar próximas dos alvos de Kyoto: o primeiro, em razão da rápida conversão do carvão ao gás em seu sistema de produção de energia elétrica; e a segunda, graças ao sumário fechamento de boa parte das indústrias poluidoras de sua antiga porção comunista.

Cabe, mais do que nunca, a indagação: que moral terão esses “donos do mundo” para continuar cobrando do caboclo amazônico, do lenhador indonésio, ou do camponês africano um fim às agressões que os povos periféricos infligem a seus respectivos patrimônios florestais, tangidos pela pobreza, pela necessidade, pelo desamparo, enfim, pela falta de perspectivas e alternativas?

A questão é séria e urgente, e sua dramaticidade se viu realçada com a divulgação dos cálculos de abalizada equipe científica do Instituto Tecnológico de Massachussets (MIT), coordenada pelo Dr. Henry Jacoby, segundo quem o aumento mediano de temperatura que o mundo pode esperar, na hipótese de nada vir a ser feito, é de dois e meio graus centígrados até o fim deste século. A crer em outros especialistas igualmente conceituados, isso corresponderá a uma elevação do nível médio do mar de até 90 centímetros, no mesmo período. Não é difícil imaginar as gravíssimas conseqüências de tudo isso para a sobrevivência do Planeta.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo dos Estados Unidos que, para se ajustarem aos compromissos de Kyoto, precisarão cortar 300 milhões de toneladas do dióxido de carbono que hoje jogam na atmosfera, agora alegam que o cumprimento do protocolo ameaça emperrar a locomotiva econômica americana justo no momento em que parece estar entrando em ritmo recessivo. Fontes acadêmicas não-governamentais reputadamente sérias, como o Dr. David Victor, membro do Conselho de Relações Exteriores de Nova York, instituto que há mais de sete décadas publica a famosa revista Foreign Affairs, apontam que um possível naufrágio do tratado sobre aquecimento global teria causas bem mais complexas que a simples deserção de Washington, devendo ser debitado, na realidade, à rigidez de seu esquema de metas e prazos em relação aos custos que as indústrias enfrentariam para eles se ajustarem.

Ora, a diplomacia existe para exaurir conflitos, escoimar arestas e harmonizar diferenças até a consecução de um compromisso negociado. Em meados de julho, a cidade de Bonn abrigará mais uma rodada do processo de Kyoto. Vamos esperar que até lá, a burocracia americana unifique sua mensagem, que a Casa Branca e o Capitólio ponderem a respeito das manifestações dos seus parceiros internacionais e, sobretudo, das pressões da opinião pública doméstica, flexibilizando sua rígida posição do momento.

Apesar de minhas preocupações, decerto compartilhada pelo conjunto dos Senadores, sou otimista quanto às chances de a comunidade internacional chegar à próxima “Cúpula da Terra”, programada para setembro de 2002, em Joanesburgo, com um consenso operacional capaz de reduzir os riscos do efeito estufa.

Até lá, tenho a convicção de que o Senado da República, detentor de relevantes incumbências constitucionais no debate, na formulação, na consulta e na fiscalização da política externa brasileira, deverá seguir fazendo frente comum com o Poder Executivo na defesa do avanço das negociações sobre as mudanças climáticas mundiais.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/2001 - Página 7127