Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

SOLICITAÇÃO DE APOIO A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL DE SUA AUTORIA, QUE ALTERA A LEGISLAÇÃO TRIBUTARIA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, VISANDO DESCENTRALIZAR RECURSOS DE ARRECADAÇÃO DO IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS) DAS GRANDES CIDADES PARA O INTERIOR.

Autor
Ricardo Santos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo Ferreira Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRIBUTOS.:
  • SOLICITAÇÃO DE APOIO A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL DE SUA AUTORIA, QUE ALTERA A LEGISLAÇÃO TRIBUTARIA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, VISANDO DESCENTRALIZAR RECURSOS DE ARRECADAÇÃO DO IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS) DAS GRANDES CIDADES PARA O INTERIOR.
Aparteantes
Gerson Camata.
Publicação
Publicação no DSF de 27/04/2001 - Página 7339
Assunto
Outros > TRIBUTOS.
Indexação
  • ANALISE, ALTERAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, RECEITA TRIBUTARIA, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS, POSTERIORIDADE, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COMENTARIO, PROCESSO, DESCENTRALIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, MANUTENÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL.
  • CRITICA, CRITERIOS, DISTRIBUIÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), FAVORECIMENTO, MUNICIPIOS, SUPERIORIDADE, RENDA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), PRIORIDADE, CRITERIOS, NUMERO, POPULAÇÃO, FLEXIBILIDADE, ATENDIMENTO, DIVERSIDADE, REGIÃO, BRASIL, FAVORECIMENTO, MUNICIPIOS, INTERIOR, SOLICITAÇÃO, APOIO, SENADOR.

O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, passada mais de uma década da promulgação da Constituição brasileira de 1988, as conseqüências das mudanças no regime fiscal do País trouxeram, do ponto de vista tributário, a diminuição da participação na receita global da União, que era de 71% antes da Constituição de 1988, para 68% nos dias atuais. Os Estados, que antes ficavam com 26% do bolo tributário global aumentaram sua participação para cerca de 27% atualmente. Quanto aos municípios, sua participação - que era de 3% - subiu para 5% e manteve-se nesse patamar, por terem compensado a redução das transferências do FPM e do ICMS com o aumento da arrecadação própria.

Com relação à redistribuição da receita global dos tributos, é importante mencionar os seguintes aspectos:

-     Nos anos mais recentes, principalmente, a instituição de novos impostos federais sob a forma de contribuições, a exemplo da CPMF e da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido, foi responsável por manter a posição relativa da União na receita global em determinados patamares. Sem as contribuições que não são partilhadas com Estados e Municípios - a exemplo de Imposto de Renda e IPI -, o Governo Federal teria, com a reforma fiscal da Constituição de 1988, parcela significativamente menor da receita;

-     A desoneração do ICMS nas exportações e os incentivos concedidos pelos Estados em decorrência da guerra fiscal não permitiram que os mesmos se sustentassem em níveis relativos mais elevados da receita global de tributos, que chegou a atingir 30% no período subseqüente à vigência da nova Constituição.

A tese, muitas vezes repetida, de que a descentralização de receitas não foi acompanhada de uma descentralização concomitante de encargos não está bem fundamentada.

Segundo artigo de José Roberto Rodrigues Afonso e Érika Amorim Araújo, técnicos do BNDES, publicado em Cadernos Adenauer, nº 4, do ano 2000, “houve um processo silencioso de assunção de encargos, mal planejados, é verdade, mas de fundamental importância para consolidar a descentralização fiscal”. Para os autores, a queda do volume e da qualidade dos serviços prestados pelo Governo Central só não provocou uma crise social de maiores proporções porque foi parcialmente atenuada pelo aumento das ações estaduais e municipais, principalmente em educação, saúde, habitação, infra-estrutura e mesmo segurança pública.

Uma questão fundamental nessa discussão é que a descentralização fiscal - em especial a redistribuição das receitas - tende a favorecer Estados e Municípios de forte base econômica.

Para Fernando Resende, do IPEA, o cerne da questão está na dificuldade em conciliar a descentralização de receitas e encargos com a necessidade de compensar as desigualdades entre as grandes regiões do País e os desequilíbrios observados dentro das mesmas.

De fato, a elevada desigualdade na distribuição regional e municipal da renda, incluindo as receitas públicas, gera problemas sociais de difícil solução no próprio âmbito local e acaba estimulando migrações populacionais no sentido dos principais centros urbanos - processo este que se encontra na base do crescimento desordenado das grandes cidades e na expansão dos bolsões de pobreza das regiões metropolitanas, principalmente. Nesse sentido, concentração econômica e riqueza convivem - nos grandes centros - lado a lado com aglomerados populacionais de baixíssimo nível de renda, cenário do Brasil urbano dos dias atuais.

Um dos fatores que contribui para essa disparidade - o principal objeto de nosso pronunciamento - são os critérios de distribuição do ICMS, definidos no art. nº 158, inciso IV, da Constituição Federal, que, em sua essência, privilegiam os municípios de maior densidade econômica.

Tramita no Congresso um número expressivo de propostas de emendas à Constituição tratando da questão da repartição das receitas do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias naquilo que diz respeito à quota parte municipal.

Isso reflete um certo desconforto e inconformismo com a norma que atualmente regula a distribuição desses recursos que, em última instância, tem origem na ênfase excessiva atribuída ao valor fiscal adicionado, como elemento determinante na apuração da receita do ICMS em cada município.

O valor adicionado - como conceito econômico - guarda estreita correlação com o valor da transformação industrial e da produção de serviços de cada município. Isto implica que os municípios de maior expressão econômica, por serem pólos industriais e de serviços, acabam concentrando, de acordo com os critérios fixados na Constituição, a maior parcela do “bolo” do ICMS, em detrimento dos municípios que têm sua base econômica concentrada na produção de matérias-primas do setor primário, como, por exemplo, agricultura, mineração, indústria extrativa vegetal, principalmente.

Além do mais, há outras razões para se questionar o elevado peso relativo do critério do valor adicionado na distribuição do ICMS aos municípios, conforme hoje está inscrito na Constituição Federal.

Em primeiro lugar, o valor adicionado, que reflete o valor global das riquezas produzidas em uma determinada região, está cada vez mais se afastando da densidade demográfica dos municípios, sendo mais afetado pelo volume do capital produtivo das empresas industriais de grande porte ou pela sede fiscal das grandes empresas comerciais e de serviços.

Em segundo lugar, as inovações tecnológicas no comércio, com o uso da informática e da Internet, estão criando oportunidades de negócios em estruturas pequenas ou mesmo “virtuais”, atendendo diretamente os consumidores, gerando pouco ou nenhum valor adicionado para os respectivos municípios.

Em terceiro lugar, a expansão da economia informal cria ocupações, mas pouca influência tem na expansão da renda visível em termos de mercado e, portanto, no valor adicionado agregado pelo município.

Por esses motivos, apresentamos à análise desta Casa o Projeto de Emenda Constitucional n.º 39/2000, com o qual pretendemos corrigir essa distorção através da redução do peso relativo do critério do valor adicionado na determinação do índice de participação do município na cota-parte do ICMS. Essa participação seria reduzida de um mínimo de 75%, atualmente vigente na Constituição, para um piso inferior de 50%. Concomitantemente, amplia-se para até 50% a parcela a ser distribuída de acordo com os critérios da legislação estadual, incorporando-se, em maior proporção, variáveis tais como população, área do município, número de propriedades agrícolas existentes no município, valor da produção agrícola do município, observando-se apenas a participação, obrigatória, dentre esses critérios, da variável “população residente” na determinação do índice de participação, que passaria a responder por 40%, no mínimo, da parcela de distribuição que atualmente é delegada à lei estadual.

Cabe, ainda, destacar que nossa proposta é flexível e permite contemplar situações diferenciadas de cada Estado, que passaria a ter maior grau de liberdade no estabelecimento de sua distribuição do ICMS.

No caso do Espírito Santo, por exemplo, hoje, aproximadamente 50% do “bolo” total do ICMS gerado no Estado é distribuído para os municípios da área metropolitana da Grande Vitória. Isso traz, como conseqüência, uma grande concentração de receita pública nos municípios da área metropolitana, em detrimento dos municípios do interior, que têm sua base econômica essencialmente fundada na agricultura, especialmente no café. Isso acarreta uma pressão muito grande no sentido de estimular migrações do interior do Espírito Santo para os principais centros urbanos, principalmente para a área metropolitana. Evidentemente, os municípios que possuem maior capacidade de investimento e fornecimento de serviços têm maior poder de atração de empresas, de novas atividades econômicas, de novos postos de trabalho, de melhorar serviços públicos na área de educação e saúde e, portanto, com isso, apresentam uma capacidade muito maior de atração de população.

Nesta nossa proposta de emenda constitucional, segundo simulação que fizemos, para o caso específico do Espírito Santo, dos 78 municípios existentes, 72 ganhariam. Ou seja, a esmagadora maioria dos municípios teria um incremento de receita do ICMS, diminuindo sensivelmente o grau de concentração que, hoje, observa-se na distribuição do “bolo” do ICMS da quota-parte municipal no Estado do Espírito Santo.

Uma outra inovação importante que incluímos na nossa proposta é a definição de um período de transição de 5 anos para aplicação dos novos critérios propostos, assegurando um ajustamento gradual até atingir plenamente o novo índice de participação, atenuando os efeitos de queda de receita nos casos em que isso se verificar - o que poderá, ainda, ser minimizado por um esforço de crescimento da receita tributária própria e da expansão da base tributária do município que vier a perder receita, por meio da indução de novas atividades econômicas.

Acreditamos que essa proposta de emenda constitucional atende a duas condições essenciais para melhor disciplinar o estabelecimento da cota-parte do município: a primeira refere-se ao fato de que a diversidade das realidades regionais em nosso País, como já exposto, exige uma maior interferência do poder local na busca de uma solução para um problema tão complexo.

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Gerson Camata.

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Senador Ricardo Santos, quero ser um dos signatários da proposta que V. Exª apresenta. Penso que o importante é que se diga o seguinte: chega de a União se intrometer em como o Estado deve distribuir a sua receita - esse, creio, é o defeito básico. Mas como estamos partindo daí, a União, agora, deve corrigir o que fez de errado. Essa é uma decisão soberana das assembléias legislativas. Estamos caminhando em direção a um processo de esvaziamento do interior do Brasil. Isso acontece no Espírito Santo e, tenho certeza, no Brasil. Estamos enchendo, inchando as capitais, aumentando a miséria, o sofrimento daqueles que perderam a oportunidade de viver no interior, uma vez que, segundo o processo em vigor, arrecada-se no interior e aplica-se na capital, na região metropolitana. E veja V. Exª que não é um fenômeno que se dá somente no Brasil. Há pouco tempo, aqui esteve um deputado alemão - um barão, de nome, se não me engano, Von Hollen Baün - que nos disse numa conversa informal aqui no Senado, que, na Alemanha, ocorre isso. Disse que a família dele, uma família nobre, antiga, é tradicional na criação de porcos. Disse também que os parlamentares que se elegem na Alemanha ou são médicos, ou são professores, sempre de área urbana. A área agrícola foi ficando sem representantes, o que dificultou muito essa atividade na Alemanha. A família dele passou a criar porcos nos Estados Unidos para exportar para a Alemanha -- uma consumidora tradicional, com aqueles pratos alemães à base de carne de porco --, pois saía mais barato, porque nos Estados Unidos havia uma consciência ruralista um pouco mais acentuada do que a Alemanha. Então, a emenda que V. Exª se propõe a apresentar começa a corrigir esse problema, fazendo com que o interior, ao invés de arrecadar e mandar para as capitais, tenha uma participação mais equilibrada nesses recursos. Além disso, que tenha melhoria em suas condições urbanas de higiene, saneamento e que as pessoas possam lá viver e trabalhar. Em alguns países, existe até um movimento de volta ao interior. As pessoas passam até a ganhar menos, a fim de viverem com mais tranqüilidade no interior de seus países. Cumprimento V. Exª pela emenda que se propõe a apresentar, pois ela tem um pé no presente e outro no futuro do Brasil. Por isso, desejo ser um dos signatários da emenda. V. Exª pensa com grande clarividência no que poderá acontecer com o Estado do Espírito Santo se a emenda não for aprovada, a toque de caixa, no Congresso Nacional.

O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES) - Agradeço com muita satisfação o aparte e a opinião qualificada do Senador Gerson Camata, que é um crítico desta situação de concentração de receita e renda, principalmente no Estado do Espírito Santo, onde vivemos. S. Exª, quando Governador, procurou corrigir a situação por meio de investimentos nos Municípios do interior do Estado. Com certeza, foi o Governo do Estado que mais se preocupou em investir em infra-estrutura econômica e social, em estradas e em eletrificação rural, com o objetivo de corrigir a imensa distorção que a distribuição de recursos do ICMS traz para o interior do Brasil. Portanto, com muito prazer, agrego esse aparte que V. Exª traz ao meu pronunciamento.

Essa proposta já está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e apelamos que tramite o mais rapidamente possível, com o fim de mudarmos esse quadro que hoje afeta a esmagadora maioria dos Municípios brasileiros. Muito obrigado, Senador Gerson Camata.

Por fim, Srs. Senadores, destacamos que a segunda pré-condição essencial à melhor disciplina para o estabelecimento da quota-parte do ICMS seria considerar a variável população residente, indicador reconhecidamente importante na determinação da demanda de bens e serviços públicos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/04/2001 - Página 7339