Discurso durante a 43ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

ELOGIOS AO POSICIONAMENTO DO GOVERNO BRASILEIRO, MANIFESTADO EM QUEBEC, CANADA, RELATIVO A FORMAÇÃO DA AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS - ALCA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR. POLITICA EXTERNA.:
  • ELOGIOS AO POSICIONAMENTO DO GOVERNO BRASILEIRO, MANIFESTADO EM QUEBEC, CANADA, RELATIVO A FORMAÇÃO DA AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS - ALCA.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/2001 - Página 7621
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, ELOGIO, POSIÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REPRESENTAÇÃO, INTERESSE, BRASIL, PRORROGAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
  • ANALISE, CRITICA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), POLITICA, IMPEDIMENTO, CONCORRENCIA, AUMENTO, TARIFA ADUANEIRA, RESTRIÇÃO, PRODUTO NACIONAL.
  • ELOGIO, RUBENS BARBOSA, EMBAIXADOR, ANALISE, PROTECIONISMO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), LIMITAÇÃO, CONCORRENCIA, PRODUTO NACIONAL, PREJUIZO, BRASIL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero me reportar à intervenção do Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, por ocasião da Reunião de Quebec, para discutir a formação dessa Associação de Livre Comércio das Américas.

Penso que o Presidente, sem deixar de reconhecer a importância de incrementar o livre comércio entre os países das Américas, colocou em termos bem claros a posição brasileira. Todos vemos como uma iniciativa importante esse aumento do fluxo de comércio internacional entre os países, desde que isso possa significar a possibilidade de aumento de vendas por parte dos países mais pobres ou dos países em desenvolvimento. É muito difícil para nós aceitarmos a formação da Alca sem que tenhamos garantia de que será possível vendermos mais nos mercados dos países mais ricos.

Li, um dia desses, na imprensa, um dado que impressiona: os países desenvolvidos, os países ricos gastam cerca de US$100 bilhões por ano com medidas protecionistas dos seus produtos e dos seus mercados.

O Embaixador Rubens Barbosa fez um estudo muito interessante e profundo - o qual tive a oportunidade de manusear -, em que demonstra as várias modalidades de medidas protecionistas utilizadas pelo Governo americano. O Governo dos Estados Unidos adota uma série de práticas que, no fundo, protegem o seu mercado, dificultando, portanto, o acesso ao mercado americano não só dos produtos brasileiros como dos produtos de outros países.

Há barreiras tarifárias. São tarifas muito elevadas para alguns produtos com os quais o Brasil tem poder de competição - os produtos agrícolas, como o suco de laranja, alguns produtos industrializados, como os calçados, ou mesmo os produtos siderúrgicos, como o aço brasileiro -, que limitam muito o nosso acesso àquele mercado. Além disso, há as chamadas barreiras não-tarifárias, onde se insere um conjunto de medidas que dificultam também o acesso de produtos de outros países ao mercado americano.

Há, inclusive, leis específicas que estabelecem reserva de mercado em determinados segmentos, em que só as empresas americanas podem se desenvolver e trabalhar, o que é uma medida protecionista clara. Há as compras governamentais, por exemplo, também dirigidas a empresas americanas. No caso brasileiro, pela emenda constitucional, abrimos a navegação de cabotagem para empresas internacionais, enquanto nos Estados Unidos existe uma legislação rigorosa para a navegação.

Enfim, existe uma série de medidas protecionistas, muito bem explicitadas no louvável trabalho do Embaixador Rubens Barbosa, no qual se analisam minuciosamente as barreiras tarifárias impostas pelo Governo americano sobre determinados produtos, com o intuito de inviabilizar a entrada desses produtos nos Estados Unidos. Além desse instrumento de elevação das tarifas de importação, em alguns casos o protecionismo se dá por leis específicas, que reservam aquelas atividades exclusivamente a empresas americanas. Há também os casos em que se utilizam outros tipos de artifícios, relacionados ao meio ambiente e ao trabalho infantil. Como exemplo, cito as exigências feitas com relação à exportação do camarão brasileiro para os Estados Unidos, relacionadas ao tamanho da malha utilizada na pesca. Os americanos analisam se essa malha permite ou não que os filhotes de tartaruga escapem, ou seja, eles exigem que os filhotes não sejam retidos na rede, isso quando o Brasil tem um dos programas mais avançados de proteção à tartaruga marinha - o Projeto Tamar -, muitas vezes comentado não só no Senado, mas também na imprensa. E, até que se prove tudo isso, essas exigências burocráticas constituem obstáculos a esse mercado.

Dessa forma, como podemos aderir, de repente e sem críticas, a essa Área de Livre Comércio das Américas que se está propondo?

            E o Presidente Fernando Henrique Cardoso estabeleceu ali uns três marcos bem claros, como por exemplo a questão das barreiras não-tarifárias - exigências que não são propriamente de tarifas, mas relacionam-se ao meio ambiente, ao trabalho infantil e outros tipos de restrições - e a das barreiras propriamente tarifárias - tarifas elevadas impostas aos produtos que têm chance de competir com os produtos americanos, estabelecimento de quotas de importação e leis específicas de proteção a tais produtos.

Além disso, existe uma confusão entre a Lei de Defesa Comercial e o Código de Defesa do Consumidor: é possível que um produto de boa qualidade chegue nos Estados Unidos e seja vendido por um preço mais baixo do que o do produto nacional, mas, com base na Lei de Defesa Comercial, os americanos não deixam o produto entrar, prejudicando até o próprio consumidor, que poderia ter acesso a uma mercadoria de igual qualidade por um preço menor. Então, confunde-se a Lei de Defesa Comercial com a Lei da Livre Concorrência.

Srs. Senadores, a lei que trata do dumping também precisa ser revista. Como se chega a esse conceito? Com fundamento em que elementos, em que estrutura de custos pode se alegar o dumping de certos produtos, vedando-se sua entrada no mercado americano?

Então, creio que o Presidente da República foi feliz, porque não negou a importância da iniciativa de se formar a Área de Livre Comércio das Américas. Sua Excelência exaltou a possibilidade de termos mais comércio, e não menos comércio, desde que tenhamos acesso aos grandes mercados - ao mercado americano, ao mercado canadense -, pela qualidade e preço de nossos produtos. E pede realmente a definição prévia desses pontos mencionados aqui rapidamente, para que o Brasil possa, então, encarar essa possibilidade de aderir à formação da Alca.

Não podemos aceitar isso como uma atitude voluntarista do governo americano, que também tem suas dificuldades. Tanto é que, até agora, o Presidente dos Estados Unidos não obteve do Congresso americano o fast track, ou seja, plenos poderes para negociar a Alca, o que evidentemente tira qualquer chance de discussão objetiva do problema, pois não podemos fazer um acordo que amanhã terá de ser revisto pelo Congresso americano.

Portanto, Sr. Presidente, sem negar a importância da Alca e a própria atitude de cooperação do Governo brasileiro, acredito que o Presidente da República estabeleceu pontos dos quais não podemos abrir mão. Os Estados Unidos precisam rever esses pontos, que envolvem, em grande medida, os produtos agrícolas. Sabemos dos elevados subsídios daquele País aos seus produtores de soja e de tantos outros produtos. Sem uma revisão, não é possível levarmos a sério a possibilidade de formação da Alca - e é evidente que o raciocínio vale também para a União Européia, onde também enfrentamos dificuldades para o ingresso dos nossos produtos agrícolas. Com relação ao frango, por exemplo, não conseguimos vendê-lo no mercado americano, quando o Brasil é um grande exportador para os mercados europeu, asiático e do Oriente Médio.

Logo, tais questões devem ser discutidas com maturidade e senso de responsabilidade, com vistas à defesa da nossa economia. Só tem sentido a criação da Alca se esta representar um instrumento de dinamização das nossas atividades econômicas, de aumento do nosso comércio internacional. O Brasil fez um esforço fantástico para se ajustar à nova realidade mundial. Éramos uma economia fechada, autárquica, na qual os produtos estrangeiros praticamente não penetravam, salvo se não tivessem similar brasileiro. Abrimos as nossas fronteiras, os produtos entraram com tarifas baixas, em alguns casos arruinaram setores industriais do País, que estão se levantando a duras penas - como, por exemplo, o setor têxtil e o setor de brinquedos -, mas não tivemos a contrapartida, que era o ingresso de nossos produtos nos grandes mercados consumidores do mundo.

Então, estamos numa posição cautelosa. Não negamos a importância da Alca, queremos discuti-la, já estabelecemos a data de 2005 para sua implantação. Contudo, antes se faz necessária uma mudança de postura dos americanos, que representam realmente o grande mercado ao qual todos querem ter acesso, ao qual todos os fabricantes desejam vender seus produtos.

Sr. Presidente, a minha intervenção era para dizer da precisão com que o Presidente Fernando Henrique explicitou a questão da Alca na reunião de Quebec. Do ponto de vista do Governo brasileiro, penso que Sua Excelência foi feliz na maneira como defendeu a nossa posição e como estabeleceu os pontos a serem revistos pelos americanos, para que tenhamos uma discussão séria e produtiva sobre a formação desse grande mercado único, que movimentará bilhões de dólares e poderá representar um instrumento de aproximação entre os povos e de progresso para todos esses países.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/2001 - Página 7621