Discurso durante a 44ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTA DE S.EXA. PUBLICADA NA REVISTA ISTOE, INTITULADA "PT COM ACM E CONSTRANGEDOR".

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO.:
  • TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTA DE S.EXA. PUBLICADA NA REVISTA ISTOE, INTITULADA "PT COM ACM E CONSTRANGEDOR".
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2001 - Página 7923
Assunto
Outros > SENADO.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, POLITICA, MOTIVO, DESENVOLVIMENTO, DEMOCRACIA, DIVULGAÇÃO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ENTREVISTA, ORADOR, CONFLITO, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, JADER BARBALHO, SENADOR, PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS - PE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, foi publicada, na revista ISTOÉ de 21 de março do corrente, entrevista em que analisávamos o atual estado de coisas, não só no que diz respeito à instituição do Senado, mas também numa perspectiva mais longa no que diz respeito à evolução da política brasileira até o cenário com que hoje nos deparamos.

A crise de agora não se reduz, como alguns querem fazer crer, à exposição da "face real" da classe política brasileira, análise que sugere serem nossas instituições e representantes intrínseca e irremediavelmente ruins: estamos condenados à fraude. A crise de hoje é o resultado de um processo histórico de mudanças e certamente só ocorre porque as instituições democráticas, entre elas a livre associação, a liberdade de expressão, a pluralidade da mídia e mecanismos parlamentares de investigação e controle estão em pleno funcionamento. A crise demonstra a derrocada de um Estado privatizado, patrimonialista e mantenedor de privilégios para as elites, enquanto se inicia a construção de uma nova ordem institucional, mais pública e, portanto, mais democrática.

A análise publicada não é somente uma opinião pessoal, mas expressa uma posição partidária. Em vista de sua importância e para que se conheçam as idéias por nós propugnadas, solicito sua transcrição nos Anais do Senado Federal.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ROBERTO FREIRE EM SEU PRONUNCIAMENTO.

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"PT com ACM é constrangedor"

Revista ISTOÉ - Entrevista em 18.02.2001

Andrei Meireles e Isabela Abdala

            O senador Roberto Freire (PPS-PE) tem verdadeira ojeriza à expressão "mar de lama", lugar-comum que tão bem define o momento atual da política brasileira. Apesar de defender a apuração de todas as denúncias e apoiar as CPIs propostas nos últimos meses, Freire acredita que a expressão contribui para análises simplistas de que a briga dos senadores Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Jader Barbalho (PMDB-PA) é fruto de uma guerra pessoal na disputa pelo poder. O senador vai além: vê uma verdadeira fratura no pacto da elite que vinha dominando o País. E é com uma forte dose de otimismo que acredita no surgimento de um novo Estado brasileiro a partir das próximas eleições em 2002. Na criação desse novo pacto de liderança no País, Freire acha essencial que o PPS e o PT estejam juntos. Mas o que ele não consegue engolir é a "aliança" do PT com o senador Antônio Carlos Magalhães em torno de um inimigo comum: o governo Fernando Henrique. "Numa sessão do Congresso, o PT teceu loas a ACM. Foi uma cena constrangedora e o PT da Bahia que se lixe." Freire se antecipa ao debate e volta a fazer campanha a favor do parlamentarismo a partir de 2006. Na sua visão, o novo regime teria melhores condições de enfrentar situações de crise como a atual. "No parlamentarismo, do jeito que está hoje, o Congresso já teria sido dissolvido e teriam sido convocadas novas eleições."

ISTOÉ - Como o sr. explica essa guerra que está acontecendo na política brasileira?

Roberto Freire - Não quero ver essa briga Antônio Carlos e Jader como mera questão de falta de empatia pessoal ou falta de espaço no governo Fernando Henrique. Eles tiveram espaço durante seis anos. Perderam agora? Antônio Carlos deixou de ser bom agora, passou a ser desagradável no fim do governo? Por que isso está acontecendo? Não é por questão menor. Eles podem até não estar percebendo, mas é o fim do Estado que eles representam e do qual se nutriram. Isso não aconteceria se não tivéssemos um processo sucessório e a perspectiva de se ter um outro Estado. O que estamos vendo é uma crise muito mais profunda do que disputas dentro da base do governo. É uma fratura concreta de um pacto da elite que há muito tempo vinha dominando o País. Só agora estamos encerrando a transição do velho regime no Brasil. Estamos começando a fazer agora o que não conseguimos fazer quando da superação da ditadura.

ISTOÉ - Como assim?

Freire - Esse pacto chegou ao fim porque o governo Fernando Henrique Cardoso foi paradoxal. Ao mesmo tempo que tinha na base essa elite mais tradicional, encerrou o ciclo do Estado brasileiro nacional desenvolvimentista, ou o Estado da era Vargas. Não vamos ver a era Vargas como algo que não mereça nossos elogios, ela foi fundamental para o País. O paradoxo do governo é promover com uma base conservadora uma transformação do Estado. É uma ruptura evidente. Daí a crise.

ISTOÉ - Como ACM e Jader entram nisso?

Freire - Os dois grandes protagonistas de todo esse episódio constrangedor, de denúncias das nossas vísceras meio podres, se tornaram potências econômicas em face das benesses concedidas pelo Estado. São ambos detentores de canais de comunicação, de instrumentos de mídia, que lhes dão não só influência como riqueza. É evidente que isso foi fruto de um Estado clientelista e de uma prática política fisiológica.

            ISTOÉ - O sr. está dizendo que essa elite política está se acabando?

Freire - No conceito gramsciano crise é o novo que ainda não se implantou e o velho que ainda não morreu. Discordo de que está tudo uma desgraceira. Estamos vendo luz no fim do túnel. A impunidade começa a não ser mais absoluta com prisões de criminosos de colarinho-branco, prisões de quem era da estrutura do poder, no caso até do Judiciário. Temos hoje um papel importante do Ministério Público, com uma decisiva atuação na gestão da coisa pública. Estamos vivendo crises que em outros momentos nos levariam à beira do abismo, do retrocesso, do golpe. E estamos superando isso. Esse processo é educativo. Esses são aspectos importantes na superação desse pacto da elite tradicional. Estamos começando um outro Estado.

ISTOÉ - ACM tem dito que pode vir a apoiar Ciro Gomes, mas que o sr. é um obstáculo, como se fosse algo pessoal da sua parte.

Freire - Eu não tenho nenhum problema pessoal com o senhor Antônio Carlos Magalhães. Há que se admitir que ele tem uma capacidade política sem limites, os limites são seus interesses. Fernando Henrique criou o ovo da serpente porque entregou a ele um posto-chave na República. E está hoje pagando, não sei se muito ou pouco. Antônio Carlos nunca foi oposição a governo federal algum. No governo Juscelino foi da banda de música da UDN. Quando veio o golpe, ele logo depois foi beneficiado e recebeu o poder de mando na Bahia. Pouco antes do fim da ditadura, tem aquele famoso "tapa" no brigadeiro (no final do governo Figueiredo, em 1984, ACM fez um discurso agressivo contra o ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Mattos), a preparação para a saída. Daí se integra na aliança democrática com Tancredo. Passa todo o governo Sarney e integra-se a Collor sem nenhuma dor de consciência. Um pouco antes do impeachment ele faz a passagem. No governo Itamar ele tentou se aproximar, talvez tenha sido um pequeno intervalo onde teve que fazer uma ligeira oposição. Não muito, porque não é do seu feitio. No livro A 25ª hora, os ratos abandonam o navio quando ele está afundando. O Antônio Carlos é um deles. Adesista mesmo você expulsa, bota para fora, mas ele espera acalmar e volta, insiste. Eu não posso imaginar que o adesismo não vá ocorrer. Mas ele que procure outra freguesia, ele não tem serventia no PPS nem ao nosso candidato.

ISTOÉ - Dá para fazer uma aliança em nome da ética com o senador ACM?

Freire - Não. Claro que não. Mas que ética? Eu vi alguns falando que o problema brasileiro é a corrupção e falta de ética. Eu quero dizer que não é, como a saúva não era o problema da agricultura brasileira. Embora a saúva criasse problema para a agricultura assim como a corrupção e a falta de ética criam problemas para a democracia do País. O grande problema brasileiro é a desigualdade, a injustiça, a perversidade na distribuição da renda.

ISTOÉ - Mas, se ficarmos no campo da ética, o senador Antônio Carlos pode representar a ética?

Freire - Eu acho que está se perdendo muito tempo desse país com Antônio Carlos Magalhães. Ele não merece esse tempo todo. Tem coisa muito mais séria neste país que está precisando ser discutida. O grande problema é a injustiça. Fazendo uma ponte histórica com o passado, na década de 50, o seu Carlos Lacerda dizia que o problema do Brasil era o mar de lama que existia no governo Getúlio Vargas. Num determinado momento nós perdemos a capacidade de dizer que aquilo não era o problema e num oposicionismo vulgar partimos junto com Lacerda para isolar Getúlio Vargas. E, depois do suicídio de Getúlio, nós comunistas levamos porrada no meio da rua e nossos jornais acabaram sendo empastelados pelo grave equívoco que estávamos cometendo. Eu não estou fazendo nenhuma comparação entre o governo Getúlio e o governo Fernando Henrique, mas sim a compreensão da oposição. Lacerda era brilhante e diziam que pelo menos era um homem honesto. Hoje não se pode dizer o mesmo de Antônio Carlos e muito menos dizer que é brilhante como Lacerda. Esse udenismo revivido tem tudo para ser uma farsa. Não é possível que a esquerda caia no mesmo erro.

ISTOÉ - A postura do PT nesse momento é um erro histórico?

Freire - Numa sessão do Congresso, o PT teceu loas a ACM. Foi uma cena constrangedora e o PT da Bahia que se lixe. Eles defendem nesse momento uma posição de carga total contra Fernando Henrique Cardoso, aproveitando o que o Antônio Carlos disse e denunciou. Isso não foi explicitado apenas agora. Vamos nos lembrar a postura que o PT teve naquela questão do combate à pobreza, sem nenhum espírito crítico. Claro que todos nós somos a favor do combate à pobreza. Mas o governo transfornou a proposta numa coisa melhor, em política compensatória, que é muito melhor do que a assistencialista, patrocinada por Antônio Carlos. Como o PT tem dificuldades de unificar suas várias tendências, uma unidade fácil é a oposição. Essa unidade era fácil na ditadura. O problema é que transportar isso para um regime democrático fica meio complicado. Na ditadura você precisa derrubar o governo, num governo democrático existem alguns momentos em que há até cooperação.

ISTOÉ - Mas essa continua sendo a postura do PT, não?

Freire - A gente conseguiu pelo menos apresentar na Comissão de Ética um aditivo para apurar a questão do decoro. O PT estava com posições refratárias, mas conseguimos fazer isso juntos. Agora a Comissão de Ética está apurando. E não é a transcrição da ISTOÉ que vai justificar uma possível cassação. A única coisa que vai justificar é se ficar comprovado que houve violação. Se ele negar e não se comprovar, apenas podemos constatar que tivemos um leviano na presidência, que joga com coisas dessas.

ISTOÉ - No episódio da conversa de ACM com os procuradores o sr. divergiu do PT.

Freire - Nesse episódio o que é de fundamental importância é o fato de ele ter dito que conhecia os votos de uma votação secreta. Naquela conversa claramente admitiu-se que houve a possibilidade de ele conhecer quem tinha votado no Luiz Estevão. Seu assessor fala que aquilo pode dar elementos para que o ex-senador Luiz Estevão possa anular a sua cassação. O simples fato de existir aquilo, audível ou inaudível, é elemento suficiente para se ter a representação por atentado ao decoro. Se for verdade a violação de uma votação secreta, isso não é só falta violenta de decoro, é até um crime. Que fique bem claro que o PPS é contra voto secreto de parlamentar. Mas enquanto tiver, tem que ser respeitado e a sua violação é inadmissível. A idéia da representação não era para aliviar o governo Fernando Henrique Cardoso. Mas o PT naquele momento, com uma visão canhestra, achou que tudo que fosse contra Antônio Carlos era para beneficiar FHC.

ISTOÉ - O sr. apóia essas CPIs que estão sendo propostas?

Freire - Todas. Mas eu não fico imaginando que o governo está adotando uma postura absurda. Eu gostaria que a gente tivesse governos que convivessem com isso. Um governo honesto convive muito melhor. Esse governo permitiu uma série de relações e hoje paga por elas. A relação fisiológica com o Congresso é uma delas. E não é o Congresso que faz a fisiologia, o Congresso exige. Quem faz a fisiologia é o Executivo, que tem a chave do cofre e nomeia.

ISTOÉ - O PT acusa vocês de certo governismo, não?

Freire - O José Dirceu veio com essa acusação de governismo do PPS, que é totalmente infundada, porque sabe que agora somos protagonistas da sucessão presidencial e temos um candidato tão forte quanto o deles. Não foi pouca a porrada que levamos. Isso desde quando eu fui líder do governo Itamar e era considerado um traidor. Mas isso não implica que você não tenha o PT e o PPS no mesmo campo da esquerda brasileira. Qualquer projeto para esse país, para ser contemporâneo e ter a capacidade de formular outro pacto de liderança, o PPS e o PT têm que estar juntos, sob pena de naufragarmos nesse processo. Não vou deixar de apontar as nossas divergências. Criticar o governo é forma de organizar alternativa para derrotar a centro-direita que está no poder. Agora eu não vou pedir à direita nem a quem está no governo que me diga como vou combater a pobreza. Não se combate a pobreza nem com a proposta de Antônio Carlos Magalhães, que era um retrocesso, um assistencialismo da pior espécie.

ISTOÉ - O sr. tem defendido o parlamentarismo...

Freire - Se fosse no parlamentarismo, do jeito que está hoje, o Congresso já teria sido dissolvido e teriam sido convocadas novas eleições. O parlamentarismo é exatamente o antídoto a isso. A não ser que você ache que o melhor é não ter Parlamento. E eu não quero admitir isso em hipótese alguma. Um sistema parlamentarista já teria resolvido essa crise com a queda do gabinete, no caso dos ministros, e num último momento, se fosse muito grave, como é grave essa crise, dissolução do Congresso e convocação de novas eleições. A crise do parlamentarismo se resolve com mais democracia, a crise do presidencialismo é o risco de golpe, retrocessos. Prestamos homenagem a Mário Covas com a proposta de implantação em 2006. Para ninguém achar que é casuísmo, até porque não iria fazer casuísmo comigo mesmo, já que temos chances de eleger o presidente da República.

ISTOÉ - O que o presidente diz disso?

Freire - O presidente fica aceitando patrocínio de reforma política de Jorge Bornhausen e Marco Maciel. Um deles foi um dos escribas do Pacote de Abril. Ou seja, não tem nenhum compromisso com a democracia. O seu Marco Maciel foi um dos autores da Constituinte do Riacho Fundo. Que isso? A proposta que estão fazendo não é nada democrática. É para manter a estrutura que aí está, engessar, não é a favor da democracia.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2001 - Página 7923