Pronunciamento de Maria do Carmo Alves em 07/05/2001
Discurso durante a 47ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
POSICIONAMENTO CONTRARIO A MEDIDA PROVISORIA 2.145, DE 2001, QUE EXTINGUE A SUDAM E A SUDENE.
- Autor
- Maria do Carmo Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
- Nome completo: Maria do Carmo do Nascimento Alves
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
- POSICIONAMENTO CONTRARIO A MEDIDA PROVISORIA 2.145, DE 2001, QUE EXTINGUE A SUDAM E A SUDENE.
- Publicação
- Publicação no DSF de 08/05/2001 - Página 8259
- Assunto
- Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
- Indexação
-
- NECESSIDADE, SENADO, DESAPROVAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EXTINÇÃO, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DA AMAZONIA (SUDAM), SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE).
- ERRO, DIVULGAÇÃO, DADOS, CORRUPÇÃO, INCOMPETENCIA, MINISTERIO, INTEGRAÇÃO, REALIZAÇÃO, REAVALIAÇÃO, ANUNCIO, INFERIORIDADE, FRAUDE, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE).
- DEMONSTRAÇÃO, ATUAÇÃO, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE), DESENVOLVIMENTO, REGIÃO NORDESTE, TRANSFORMAÇÃO, AGENCIA, AUSENCIA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho mais uma vez a este plenário para tratar de um assunto extremamente grave. Refiro-me à Medida Provisória nº 2.145, de 21/05/01, pela qual a Presidência da República pretende extinguir a Sudene e a Sudam.
Esta funesta Medida Provisória, Sr. Presidente, está inserida em um tema que tem sido recorrente na essência de vários pronunciamentos que tanto eu como outros Senadores têm feito nesta Casa: a imensa gravidade de nossas desigualdades regionais. Assim foi, por exemplo, na série de discursos que já fiz e outros que ouvi, demonstrando em detalhes que a questão do atraso relativo do Nordeste em relação ao Centro-Sul industrializado não se deve a causas climáticas, como se procura fazer crer a Nação brasileira, mas a um alijamento ostensivo que a Região tem sofrido, ao longo dos últimos 150 anos, do centro das prioridades econômicas do Governo brasileiro.
Nesse período, através de sucessivos dirigentes, desde o nosso piedoso Imperador, passando pelos sucessivos presidentes e ditadores que se alternaram no poder, salvo honrosas exceções, faltou decisão e, sobretudo, vontade política para se criarem as condições necessárias ao desenvolvimento harmônico das diferentes regiões brasileiras, como ocorreu nos Estados Unidos, modelo, aliás, preferido pela sofisticada tecnocracia brasileira.
O Nordeste percorreu as posições extremas de ser a mais rica, até meados do século XIX, para se transformar na mais pobre região brasileira. No que diz respeito à nossa questão climática, já tive a oportunidade de demonstrar e de ouvir dos meus Pares que o clima de inúmeras regiões áridas e semi-áridas do mundo sofreu surpreendente transformação por meio de ações objetivas, aliás, muitas delas simples, e, hoje, são as maiores produtoras de alimento do mundo.
Sobre as secas, portanto, sabe-se em minúcias os meios técnicos de superá-las e torná-las aliadas do homem, que pode aprender a conviver normalmente com elas. O fato de utilizarmos no século XXI as deploráveis frentes de emergência do mesmo modo como os nossos ancestrais do Brasil Colônia e do Brasil Império faziam, mais do que uma vergonha para o Governo brasileiro, que dá uma prova de incompetência inaceitável, é um desrespeito à dignidade do sertanejo nordestino.
O que falta mesmo, Sr. Presidente, é o Presidente da República querer agir, e, em poucos anos, as secas, como fator de miséria e opróbrio para o nosso povo, desapareceriam do cenário nacional.
Sr. Presidente, a medida provisória que se propõe extinguir alguns dos diferenciais do Norte-Nordeste é funesta, uma afronta. Como nordestina e por conhecer melhor a realidade da Sudene, vou ater-me diretamente a sua problemática, embora entendendo que muitos argumentos são válidos para as duas regiões menos desenvolvidas do País.
Primeiro, vale uma rápida visão sobre o papel que a Sudene vem desempenhando para o Nordeste brasileiro. O órgão foi criado no governo do visionário Presidente Juscelino Kubitschek e teve mais do que o seu primeiro superintendente, seu verdadeiro ideólogo, o notável economista Celso Furtado. Completou 41 anos no semestre passado com uma excepcional folha de serviços prestados à região, não obstante o seu enfraquecimento nos últimos anos, por conta dos notórios preconceitos da área econômica do Governo Federal.
Ainda hoje, Sr. Presidente, 27% do total recolhido pelos Estados nordestinos, oriundos do ICMS, e 57% do IPI se originam de empresas que contaram com financiamento do Finor para sua implantação.
Em quatro décadas, a Sudene aprovou 3.058 projetos, gerando 459.307 empregos diretos e 1,4 milhão de empregos indiretos. Hoje estão em fase de implantação 227 projetos que deverão gerar 80,5 mil empregos diretos.
Além desses benefícios óbvios, não se pode deixar de ressaltar que a Sudene representou para a região um grande choque de modernidade, seja para a área empresarial e, seguramente, para o setor público, contribuindo para incentivar neles o uso de modernas técnicas de planejamento e avançadas noções management. Não se pode negar que os economistas e administradores nordestinos que se formaram nessas últimas décadas tiveram nítida influência das teses desenvolvidas por aquele órgão, que se transformou em verdadeira ícone no desenvolvimento regional.
Há que se registrar que, apesar de não ser de sua responsabilidade exclusiva, são evidentes os reflexos da sua ação para a formação dos índices de crescimento econômico da região, que, surpreendentemente, vêm se colocando pouco acima do crescimento do País como um todo desde a década de 70. Haja vista que, no período, a participação do PIB nacional do Nordeste passou de 13% para 16%. Não se trata de um avanço extraordinário, mas significativo pelas circunstâncias em que ocorreram. São dados que causam até surpresa ao se constatar o alijamento que as prioridades nordestinas vêm merecendo secularmente, no bojo do macroplanejamento econômico nacional.
Outro dado relevante, Sr. Presidente, é que o sistema produtivo nordestino gera atualmente o quarto maior PIB da América Latina, estimado em R$173,90 milhões. Seu PIB só é superado pelos PIBs do México, da Argentina e do próprio Brasil
Estou certa de que o núcleo desse avanço ocorreu em face da fibra indomável do homem nordestino, em particular da notória capacidade de adaptação do seu trabalhador, que causa espanto aos Estados que o receberam como imigrante, além da tenacidade do empresário da região.
Sr. Presidente, na verdade, quem nasce no Nordeste até mesmo para sobreviver tem que ser treinado a trabalhar nas condições mais adversas, no olho do furacão das crises permanentes que se repetem na região. E, como se sabe, paradoxalmente, os maiores avanços do ser humano ocorrem exatamente nas crises. Não obstante essas considerações, toda a elite pensante do Nordeste tem certeza de que parte desse mérito cabe à Sudene, pela filosofia desenvolvimentista que ela impregnou na região.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já vejo uma questão a ser abordada pelos críticos de grande parte da intelligentzia do Centro-Sul, entrincheirada na maioria dos seus poderosos órgãos de divulgação: e a que custo tudo isso foi conquistado? Poucas vezes uma medida presidencial foi unanimemente apoiada por eles, como o recente anúncio da extinção da Sudene. Quase todos repetiam que finalmente a sangria de um saco sem fundo, por onde se exauriam os subsídios nacionais, fora estancada.
Será que isso é verdade? Absolutamente, não. A começar pela suposta montanha de recursos que se alega que a Sudene teria absorvido ao longo dos últimos 26 anos de sua existência. Na realidade, foram apenas RS15,98 bilhões, ou numa moeda mais a gosto da nossa tecnocracia encastelada nos Ministérios da Fazenda e do Planejamento: apenas US$7,27 bilhões aplicados ao longo dos 41 anos de vida da Sudene! Quantia desprezível na cabeça daqueles gentis senhores que, no espaço de apenas dois anos, gastaram US$22 bilhões para recuperar bancos falidos por meio do Proer.
Enquanto pelo critério de bancos de desenvolvimento internacionais é aceitável uma inadimplência de até 2% na aplicação dos créditos a longo prazo, apenas 1,7% do total aplicado nos projetos incentivados pela Sudene foram perdidos.
Cabe aqui perguntar-se: e o famoso rombo dos R$2 bilhões anunciados pelo Ministério da Integração Nacional como descoberto nas recentes aplicações da Sudene, maior inclusive do que os desvios da Sudam? O mínimo que se pode afirmar é que tudo se resume a uma alarmante incapacidade de examinar dados estatísticos ou a uma retumbante má-fé com o órgão, para justificar a sua extinção.
Enquanto foram dissecados pela imprensa nacional os nomes dos supostos fraudadores da Sudam e detalhado o esquema como agiam, por que não fizeram o mesmo com a Sudene? Simplesmente porque o alegado rombo do órgão não existe, pelo menos nada parecido com as alarmantes cifras apresentadas.
O que houve é que a própria Diretoria da Sudene informou os dados ao Ministério da Integração Nacional e foram por este distorcidos. Mais do que isso, distribuídos maldosamente para a imprensa nacional, em mais uma armação contra o Nordeste.
De fato, ao longo de 41 anos de Sudene, dos 3.058 projetos aprovados, 653 projetos foram excluídos pelas mais variadas razões. A maioria, pela constatação da auditoria de não haverem cumprido normas administrativas determinadas pela Sudene. Isto é, não foi identificado corrupção nesses casos, mas quebra de normas burocráticas. Tanto é que, dos 653 projetos cancelados, 141 não receberam nenhum centavo do órgão. Os 512 projetos restantes receberam, somados, R$1,4 bilhão, que não foram necessariamente desviados.
Por exemplo, dentre esses cancelados estão empresas idôneas do padrão da Telecomunicações de Sergipe S.A., Dow Química S.A. e Nitroclor Produtos Químicos S. A. (hoje Griffing Brasil Ltda.), que preferiram concluir seus projetos usando recursos próprios, encontrando-se em plena operação produzindo riquezas e gerando empregos. Não houve, portanto, desvio de recursos.
O que se constata realmente é que rigorosas auditorias para averiguar irregularidades no vasto total de projetos financiados pela Sudene só identificaram irregularidades - como desonestidade, corrupção, roubo - em 53 projetos, ou seja, o equivalente aos já comentados 1,7% de recursos perdidos, bem diferente das espantosas cifras anunciadas.
A realidade de todo esse lamentável episódio é um deplorável misto de incompetência e inegável má-fé para com o Nordeste, que poderá nos causar um dano irreparável.
Na justificativa do seu ato desastroso, o Presidente Fernando Henrique Cardoso afirma candidamente que o Nordeste não sofrerá danos com a transformação da Sudene em “agência de desenvolvimento”. Diz Sua Excelência, sempre assessorado pelo Ministro Fernando Bezerra - incrível como um nordestino no poder serve de instrumento para provocar tantos males aos seus conterrâneos - , que não haverá perdas, pois, segundo ele, as verbas dos incentivos fiscais serão compensadas por “verbas orçamentárias”. Ao fazer essa afirmação e recusando-me a crer que um homem da envergadura intelectual do Presidente ignore regras tão elementares, convenço-me de que Sua Excelência afirma uma leviandade. Primeiro, porque ele sabe da diferença de recursos provenientes de renúncia fiscal, que teoricamente não podem ser alterados, e verbas orçamentárias, cujos critérios podem ser mudados a qualquer momento, se não no seu, mas provavelmente no próximo Governo.
Porém, o mais importante de tudo, Srªs e Srs. Senadores, é que a existência da renúncia fiscal concedida pelo Finor e pelo Finam era o principal apelo diferencial pelo qual as empresas eram atraídas para se instalarem no Norte-Nordeste. A partir de agora, qual a razão por que os empresários nacionais e internacionais venham para o Norte-Nordeste, longe dos principais mercados de consumo do País?
Evidentemente, eles preferirão instalar suas empresas em Ribeirão Preto, em Campinas ou em Curitiba, onde se situa a grande massa consumidora do País, a melhor infra-estrutura portuária, rodoviária, educacional e a totalidade dos centros de pesquisa de ponta do País - quase 100% do mercado bancário e a mão-de-obra mais treinada.
Talvez, no fundo, seja mesmo a intenção do Governo e todo o alentado latim usado na sua justificativa oficial não seja mais do que um arcabouço ornamental para esconder o verdadeiro objetivo: agravar o fosso de desenvolvimento que separa o Nordeste do Centro-Sul industrializado.
Compete-me assinalar que, quando faço essa crítica à atitude no mínimo equivocada do Presidente da República - que mereceu rasgados elogios da maioria da imprensa do Centro-Sul -, longe de mim a idéia de gerar conflitos inter-regionais, até porque sou testemunha pelo fato de conhecer de perto os nobres sentimentos de generosidade e hospitalidade da valorosa gente sulista em geral, que reconhece a importância da mão-de-obra e do talento do imigrante nordestino, para a implantação do seu desenvolvimento. Refiro-me apenas a uma visão preconceituosa que uma influente minoria da intelligentzia do Sul-Sudeste, que seguramente influencia nosso Presidente, tem sobre o papel das regiões pobres para o futuro do desenvolvimento socioeconômico do País, teimando em ignorar os riscos geopolíticos que advirão se a atual desigualdade regional brasileira, a maior do mundo moderno, se agravar ainda mais.
Em recente entrevista concedida às páginas amarelas da revista Veja, um dos grandes estadistas da segunda metade do século passado, o insuspeito ex-Chanceler alemão Helmult Shmidt afirmou uma verdade óbvia, desafortunadamente tão desprezada pela egoísta elite brasileira: o Brasil nunca alcançará padrões de país desenvolvido se não corrigir a brutal desigualdade entre suas regiões pobres e ricas. Esse é certamente o maior problema da Nação brasileira.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Senadores, por tudo isso trago ao conhecimento deste Plenário as considerações dos erros crassos dos dados apresentados que justificaram a edição da desastrosa medida provisória e dos males que ela provocará ao País. Proponho, portanto, a este Plenário que o Senado da República assuma uma postura à altura da sua responsabilidade ante a Nação: simplesmente a derrubemos com o nosso voto, obrigando ao Executivo apresentar uma proposta responsável e conseqüente. Pelas suas implicações funestas, entendo que esse deverá ser um posicionamento suprapartidário, com justas razões para unir todos os meus Pares desta augusta Casa. E de modo indiscutível, dever inalienável dos Senadores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigada.