Discurso durante a 48ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

IMPORTANCIA DO DEBATE SOBRE O PROJETO DE LEI DE AUTORIA DO SENADOR LUCIO ALCANTARA, QUE DISPÕE SOBRE A REPRODUÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • IMPORTANCIA DO DEBATE SOBRE O PROJETO DE LEI DE AUTORIA DO SENADOR LUCIO ALCANTARA, QUE DISPÕE SOBRE A REPRODUÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/2001 - Página 8353
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, OMISSÃO, RESPONSABILIDADE, IMPORTANCIA, REPRODUÇÃO HUMANA, ETICA, EVOLUÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA, GENETICA.
  • COMENTARIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, LUCIO ALCANTARA, SENADOR, ASSISTENCIA, REPRODUÇÃO, MULHER CASADA, AUSENCIA, INCLUSÃO, DEBATE, PROGRESSO, CIENCIAS, CLONE, GENETICA.
  • CONVITE, SENADOR, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), PRESENÇA, CIENTISTA, IMPORTANCIA, AMPLIAÇÃO, DEBATE, REPRODUÇÃO HUMANA.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aproveito o dia de hoje para relembrar ao Senado Federal e a todos os Senadores que, logo mais, após a Ordem do Dia, iniciaremos uma etapa decisiva de debate na Casa, a respeito do projeto intitulado Reprodução Medicamente Assistida.

Julgo ser um dos momentos mais importantes da vida do Parlamento o debate que vamos travar sobre esse assunto.

Lamento que a grande maioria da Casa não esteja atenta à importância e à grande responsabilidade que tem na condução dessa matéria legislativa. Matéria que tramita desde 1993 dentro do Congresso Nacional, que passou inicialmente pela Câmara dos Deputados e, em 1997, foi apresentado na forma de um outro projeto de lei naquela Casa. Em 1999, surgiu como um projeto de autoria do eminente Senador Lúcio Alcântara, cuja relatoria foi do Senador Roberto Requião.

Acredito que o projeto seja de extraordinária importância para o Congresso Nacional e para a sociedade brasileira, em função de que, atualmente, o homem está envolvido num processo de manuseio que, até há poucos anos - eu diria, até há poucos meses -, seria considerado um mistério; um manuseio cuja conseqüência seria exatamente o DNA.

O projeto de reprodução assistida não é, simplesmente, nos dias de hoje, uma composição do espermatozóide com o óvulo, redundando num embrião, mas, sim, o manuseio de uma estrutura genética, parte do DNA humano. E, hoje, sem uma legislação em vigor, sem uma determinação clara, do ponto de vista moral, do ponto de vista ético, do ponto de vista jurídico, do ponto de vista cultural, sem um debate amplo e profundo sobre o tema, o Brasil se arvora o direito de ser o País mais avançado em matéria de reprodução assistida.

A revista Veja, na última semana, no seu último exemplar, trouxe um trabalho jornalístico extraordinário, da jornalista Gabriela Buitor Carelli, que, em mais de seis páginas, aborda o assunto.

Eu diria que é assustador o testemunho que pude ter - e acredito que grande parte da comunidade científica brasileira também - sobre essa matéria, apresentada pela revista Veja.

Estamos aqui promovendo um debate no Senado Federal sobre os transgênicos, por exemplo, onde já existe um outro sobre moratória. Há um receio instalado na comunidade brasileira, tanto científica quanto econômica, e também na população de uma maneira geral, em relação aos transgênicos.

A matéria da revista apontou que o Brasil já produziu os seus transgênicos humanos; já produziu os seus híbridos; já faz a permuta de DNA de um embrião para outro; já faz o transplante de citoplasma, sem considerar, de maneira judiciosa, de maneira rigidamente científica, que pode estar alterando a estrutura gênica, que pode estar mexendo na estrutura genética sem prever as conseqüências.

Portanto, o que será desse projeto, que acompanha e fica no entorno do chamado projeto genoma, daqui a 10, 20, 30 ou 40 anos? Qual a responsabilidade medida hoje pela comunidade científica que atua na área de reprodução assistida, em relação à conseqüência desse manuseio com material humano, naquilo que é a essência da nossa vida, que são exatamente o nosso código genético e o DNA?

A responsabilidade do Brasil com relação a essa matéria é profunda. Posso até dizer que o Governo brasileiro tem sido omisso em relação ao debate da reprodução assistida. Os países, de um modo geral, tratam dessa matéria desde 1963.

Nos Estados Unidos, alguns Estados apresentaram manifestações de legislação ou de condução da matéria sobre reprodução assistida. Em 1985, o tema foi assunto no congresso nacional americano e passou três anos sendo debatido por uma comissão, para poder ser elucidado como um projeto de lei, que, mesmo assim, teve as suas limitações. Em 1984, o Brasil apresentou à sociedade o primeiro bebê de proveta e, até hoje, não tem uma legislação que estabeleça regras, normas bem claras a respeito do assunto. Estamos ainda à mercê de uma decisão, de uma norma técnica do Conselho Federal de Medicina, chamada 1.358, de 1993, que estabelece algumas regras e algumas decisões obre o tema.

Entregamos, uma decisão tão complexa, que envolve o ser humano, na sua essência, no seu código genético, a uma norma que está rotulada de moralmente incorreta, porque é apresentada pelo Conselho Federal de Medicina, amparada, em tese, na estrutura jurídica nacional; amparada em todo o componente moral, religioso e ético do Brasil. Ficamos à mercê de uma conseqüência imprevisível.

Vale lembrar que o Brasil é o País mais avançado do Mundo em termos de pesquisa em reprodução assistida. Sem medirmos de modo algum as conseqüências, estamos tornando híbrida a composição de um embrião, realizando o transplante de citoplasma e, com modificações genéticas, transformando uma célula da pele humana em um óvulo pronto para ser viabilizado na reprodução e formação do embrião.

Voltando um pouco na História, lembrar-nos-emos do Tribunal de Nuremberg, que nos mostrou o nazismo utilizando a pesquisa humana de maneira desvairada, inconseqüente e irresponsável, com todas as transgressões morais e éticas, e levou à cassação de profissionais de saúde.

O Brasil está mexendo no que há de mais sagrado na vida - o genoma, o gen humano, a estrutura do DNA - de uma maneira precipitada, movido por razões econômicas. No País, já estão estabelecidas cento e trinta clínicas que manuseiam óvulos e espermatozóides, e, conseqüentemente, interferem no DNA humano. O Poder Público ficou à parte, deixando essa situação à margem de um debate prioritário, e só conheceremos suas conseqüências daqui a vinte, trinta ou quarenta anos. Espero, sinceramente, que o preço dessa atitude possa ser revertido de maneira imediata e que o Congresso Nacional saiba conferir a celeridade devida, oportuna e imediata que a gravidade do assunto merece.

Para expor a situação que vivemos, compararei os projetos de lei apresentados no Congresso Nacional.

Em 1993, a reprodução assistida tinha como público alvo mulheres ou casais inférteis; a clonagem ainda não era mencionada; o consentimento para se proceder à reprodução assistida necessitava de autorização da mulher e do cônjuge; a transferência era de no máximo quatro embriões por tentativa; o descarte de embriões era proibido; a redução embrionária era proibida; a pesquisa com embriões era proibida; a doação de embriões ficava em sigilo e a comercialização era proibida.

Em 1997, o público alvo eram mulheres ou casais inférteis; a clonagem era proibida; o consentimento era somente da mulher; a transferência de embriões era de no máximo quatro por tentativa; o descarte de embriões era permitido após cinco anos; a redução embrionária era permitida em caso de risco de vida da gestante; a doação ficava em sigilo e a comercialização era proibida.

Em 1999, com o projeto do Senador Lúcio Alcântara, o público alvo era a mulher casada em idade reprodutiva; a clonagem não era mencionada; havia a necessidade de autorização da mulher e do cônjuge; a transferência de embriões era de no máximo três por tentativa; o descarte de embriões era proibido; a redução embrionária era permitida em caso de risco de vida da gestante, apenas, e a pesquisa com embriões não era mencionada. A doação era estabelecida com a possibilidade de quebra de sigilo e a comercialização era proibida.

Sr. Presidente, no País há oito milhões de pessoas com dificuldades de reprodução natural que podem ter acesso a essas técnicas e já nasceram sete mil crianças pelo método artificial. Há vinte mil embriões congelados e não temos lei para dizer o que se fazer com eles. Existem pesquisas com embriões, instaladas à revelia da lei, de hibridização de DNA para criação de transgênicos humanos. Óvulos artificiais estão sendo criados e o descongelamento dessas células está sendo usado, embora se saiba, cientificamente, que esse processo causa lesões irreversíveis que inviabilizam a implantação dos óvulos no útero materno. Então, estamos brincando de Deus.

A comunidade brasileira que trabalha no setor, de uma maneira geral, não conseguiu leis que a amparem e as autoridades científicas envolvidas nas pesquisas não têm uma norma legal que as proteja. Ao mesmo tempo, alguns aproveitam e fazem a brincadeira de Deus: querem mexer na essência da vida; estão manipulando o DNA humano. Com isso, diminuiu-se o número de adoções. Somente nos orfanatos do Estado de São Paulo, não bastasse a rejeição natural que sofrem as crianças com mais de quatro anos de idade, houve uma redução de 20% nos processos de adoção.

Trata-se de uma situação absolutamente delicada e grave que será debatida na Comissão de Assuntos Sociais, com a presença de pensadores de renome do campo da bioética, como a Drª Eliane de Azevedo, da Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia; a Drª Débora Diniz, Doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília; diversos outros pensadores de origem religiosa e acadêmica que representam as pessoas envolvidas com a reprodução humana, e o Conselho Federal de Medicina, o único que teve a ousadia de assumir uma posição imediata de responsabilidade sobre o assunto. No entanto, no Congresso Nacional ainda não encontramos clareza e sensibilidade para a importância e a emergência desse projeto de lei.

O Governo Federal deveria assumir a responsabilidade até mesmo daquilo que não gostaríamos de defender de maneira alguma, que é a medida provisória. Enquanto essa matéria não é levada adiante, poderíamos estabelecer uma espécie de pacto para limitar as ações das empresas que trabalham com pesquisa que envolva material humano, a fim de que pudéssemos ter a devida conseqüência na hora do aproveitamento desse projeto de lei que tramita no Senado Federal. Ele já passou na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde teve o mérito de ser discutido pelos Senadores Roberto Requião, Roberto Freire e Lúcio Alcântara, mas penso que ainda não alcançamos, no Parlamento e na sociedade brasileira, a profundidade que o debate da matéria exige, e cujo resultado, espero sinceramente, seja um basta à ousadia inconseqüente de alguns setores da ciência brasileira e a retomada do caminho sereno e firme da bioética, que deve ser o alicerce de condução desse processo.

Não podemos imaginar que o Brasil ouse ter uma legislação sobre a matéria, que não foi apresentada de maneira inconseqüente, mais avançada do que a americana, a espanhola, a do Reino Unido, a da França, a da Austrália, a do Canadá ou a de diversos países que adotaram uma postura extremamente cautelosa em relação à matéria. Se não tomarmos o devido cuidado, teremos uma legislação excessiva ou desnecessária.

Existe um setor da Academia de Ciências Brasileira que está voltada para um investimento que tem gerado bilhões de reais. Se pensássemos que por trás de toda a movimentação científica da matéria está localizado apenas o interesse pela vida, por dar aos pais que têm problemas de fertilidade o direito a um filho, estaríamos muito tranqüilos, mas, infelizmente, as opiniões são muito distintas. O próprio responsável pelo primeiro bebê de proveta, Dr. Peter Greenaway*, afirma que, infelizmente, o trabalho com reprodução de seres humanos transforma a vida em um negócio. Não podemos deixar que a nossa sociedade pague o preço de ver transformada em negócio a busca de pais e mães que não puderam, ao longo dos anos, ter acesso a um filho.

É atípico que o investimento científico na matéria seja feito, quase que na totalidade, pela iniciativa privada, pois a regra, no Brasil, é que ele seja realizado pela iniciativa pública. Apenas há pouco tempo algumas universidades brasileiras e hospitais públicos têm investido na abertura desse canal para a população de baixa renda.

Assim, a matéria é de alta complexidade, extremamente delicada do ponto de vista ético, moral, cultural, jurídico e religioso. Portanto, Sr. Presidente, espero que haja a devida responsabilidade e sensibilidade dos Srs. Senadores, para que nós a possamos conduzir da maneira mais oportuna, mais proveitosa e ágil para atendermos as gerações futuras.

Hoje pela manhã, em um debate com a Drª Maria Eliane de Azevedo, autora do livro intitulado Direito de Vir a Ser Após o Nascimento, já com publicação internacional, ela dizia que chegamos a um ponto, devido à tecnologia, em que uma criança pode ser, ao mesmo tempo, por causa da reprodução artificial, filha de cinco pais. Isso é muito grave! Que conseqüências psicossociais haverá para a criança por ter que conviver com essa nova realidade?

Comentam que a primeira criança de proveta, no Brasil, pagou um alto preço, pelo preconceito e pela instabilidade como foi tratada quando do acesso à escola ou até mesmo a sua comunidade.

Sr. Presidente, o Brasil, de fato, precisa estar atento a esse problema, além de ter a mais absoluta responsabilidade com o seu conteúdo. As autoridades governamentais não podem conduzir essa matéria como têm feito, fazendo vista grossa. Não podemos deixar com o Conselho Federal de Medicina apenas, como uma entidade isolada, a responsabilidade por todo o arcabouço moral, cultural, ético e jurídico que a matéria envolve. Temos de distinguir as unidades de reprodução humana localizadas em hospitais, em serviços de saúde, que têm como interesse apenas ajudar casais para que possam ver um dia um filho nascer. Não podemos misturar os que têm interesse econômico apenas com os que têm interesse científico e bioético.

Sr. Presidente, faço ao Plenário do Senado Federal um apelo e solicito aos meus colegas que não percam a audiência pública a ser realizada hoje, na Comissão de Assuntos Sociais. A audiência está dividida em duas etapas: a de hoje e a de daqui a alguns dias, a ser dirigida pelo Senador Romeu Tuma.

Nobres Pares, acredito ser essa a grande oportunidade para não deixarmos passar como um assunto a mais da Ordem do Dia, como um assunto a mais do processo legislativo um tema que pode comprometer o futuro do nosso País de maneira tão assustadora.

Sr. Presidente, esse tema envolve a essência da vida. Devem portanto, ser impedidas as pessoas que queiram continuar a brincar de deuses. Nosso procedimento deve estabelecer regras de bioética claras.

Muito obrigado.

 

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SEGUEM DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO, QUE SERÃO PUBLICADOS, A PEDIDO DO ORADOR, NOS TERMOS DO ART. 210, DO REGIMENTO INTERNO DO SENADO FEDERAL.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/2001 - Página 8353