Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ANALISE DA SITUAÇÃO DO SENADO FEDERAL EM RELAÇÃO A OPINIÃO PUBLICA BRASILEIRA.

Autor
Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO.:
  • ANALISE DA SITUAÇÃO DO SENADO FEDERAL EM RELAÇÃO A OPINIÃO PUBLICA BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/2001 - Página 8903
Assunto
Outros > SENADO.
Indexação
  • APREENSÃO, AUMENTO, CORRUPÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, VIOLAÇÃO, VOTAÇÃO SECRETA, EFEITO, CRESCIMENTO, REPUDIO, POPULAÇÃO, SENADO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, SENADO, REPRESENTAÇÃO, SOCIEDADE, DEFESA, DEMOCRACIA.
  • PEDIDO, TRANSCRIÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTUDO, SITUAÇÃO, SENADO, COMENTARIO, RELEVANCIA, CONGRESSO NACIONAL, DEFESA, INTERESSE, POPULAÇÃO.

O SR. GERALDO MELO (Bloco/PSDB - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, inicialmente, agradeço a V. Exª a gentileza e a cortesia com que me permitiu permutar com V. Exª, que, pela ordem de inscrição, seria o orador que deveria ocupar a tribuna neste momento. Muito obrigado a V. Exª.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de tratar do assunto que me trouxe à tribuna, farei um breve registro. Antes da eleição da atual Mesa que dirige os trabalhos desta Casa, quando estavam turbulentas as relações entre o Brasil e o Canadá, apresentei um requerimento de informações dirigido ao Sr. Ministro da Defesa. Aquele requerimento foi despachado pela Mesa, com base em um parecer do Senador Carlos Patrocínio, que era o 2º Secretário da Mesa anterior. Infelizmente, até esta data, decorridos alguns meses, o requerimento de informações que elaborei não foi encaminhado pela Mesa do Senado ao Sr. Ministro da Defesa.

Acredito que não há o menor sentido que se faça um requerimento a um Ministro de Estado - e S. Exª dispunha de 30 dias para responder a uma indagação do Senado Federal - e a Mesa do Senado Federal leve quatro meses para encaminhá-lo ao destino. Faço este registro certo de que foi uma desatenção em meio a esses tempos conturbados. Apenas faço um apelo a V. Exª e aos demais integrantes da Mesa, para que o meu requerimento seja encaminhado e que os demais requerimentos tenham um curso menos lento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho de fato à tribuna, nesta tarde, como Senador e como brasileiro. Começo por narrar algo que nem deveria contar. Na semana passada, no sábado pela manhã, encontrava-me em Natal, em minha casa, em frente da qual passava um carro de som, um desses veículos com alto-falantes que integram o movimento que se faz em nome da moralização do País. E o que diziam? Qual era o alvo? O alvo era o Senado Federal, e o locutor, pago para isso, dizia: “Estou passando agora em frente à casa do Senador Geraldo Melo”. E misturava o Senador Geraldo Melo com toda essa temática que aí está, para terminar por apelar aos brasileiros que joguem para fora do Senado os Senadores que envergonham o País.

Não sei que tipo de vergonha eu pessoalmente posso ter causado ao País. Se é por conta dos problemas de violação de painel, não violei painel algum. Não estou aqui - como sei que V. Exªs também não estão, Senadores Bello Parga, Eduardo Siqueira Campos, Jefferson Péres, Alberto Silva, José Coelho - por caminhos tortuosos. E isso se aplica tanto ao Senador Antonio Carlos Magalhães quanto a V. Exª, Senador Antonio Carlos Valadares, e ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

O que me preocupa não é o desconforto que possa causar a mim, pois a minha pessoa é suficientemente desimportante dentro da massa de 160 milhões de brasileiros. O que me preocupa é o que isso significa na atitude que cresce em nosso País em relação ao Congresso Nacional. Estamos vivendo um momento amargo desta Casa, do Congresso Nacional e, por causa disso, da democracia brasileira.

Não acredito em democracia sem Congresso. Por isso, trouxe - e penso que vale a pena requerer a V. Exª que mande transcrever como parte deste discurso - o artigo notável de Roberto Pompeu de Toledo, publicado na última edição da revista Veja, chamado “Razões para amar o Congresso”.

Vou-me permitir ler apenas um trecho:

Quando não há Parlamento para absorver os conflitos, que ocorre? Há duas hipóteses. A primeira é uma ditadura - e então não ocorre nada, embora desse nada possa advir silêncio tão aterrador quanto a maior das barulheiras. Os conflitos são abafados. As dissidências são resolvidas nas câmaras de tortura. A segunda hipótese consiste, quando não há força capaz de impor-se ditatorialmente às outras, no mútuo trucidamento. É o que ocorre nas guerras entre quadrilhas de traficantes. Como lhes falta Parlamento para negociar, votar ou buscar consensos, entra em ação a metralhadora.

Segundo magistralmente ensina Roberto Pompeu de Toledo, o Parlamento é a instituição que a sociedade, ao longo dos séculos, criou, para exatamente substituir o conflito da rua, o conflito armado, a guerra entre grupos de opiniões diferentes, que passa a travar-se num recinto fechado, entre representantes de correntes diferentes. Entretanto, a importância do Parlamento não dá a nenhum de nós o direito de desobedecer à norma que, afinal de contas, emana do próprio Parlamento. Isso não dá a nenhum de nós legitimidade e autoridade para ferir normal alguma. Isso não dá a nenhum de nós, pela posição privilegiada que o povo nos concedeu - sendo nós apenas 81 entre 160 milhões -, o direito a lidar com o bem comum, com a coisa pública, sem os escrúpulos necessários, sem os cuidados indispensáveis, porque devemos, além do mais, reconhecer que estamos trabalhando no palco, na vitrine, e que, se representamos o povo, precisamos ser parecidos com ele nas suas virtudes e nos seus defeitos.

Agora, vejam o que acontece? O que acontece, neste instante, é que, se quisermos ter franqueza, lealdade uns com os outros e com o País, haveremos de reconhecer que o encadeamento de circunstâncias, de interpretações, de fatos, de desvios de comportamento, de erros mais graves ou menos graves, não importa, o encadeamento de tudo isso esvaziou, de repente, a autoridade desta Casa, dentro do Congresso Nacional e fora dele, ao ponto - é preciso confessarmos isso lealmente - de qualquer um de nós descobrir um olhar de soslaio, de desconfiança, de crítica silenciosa, no elevador, na rua, na esquina, no café, quando alguém se refere a nós como Senadores, um título que nos honra. A mim esse título honra. Eu me sinto honrado de ser Senador, mas é preciso que a sociedade também reconheça que isso é algo que merece ser honrado.

O que me preocupa, Srªs e Srs. Senadores, é que, hoje, se olharmos bem, este País não tem Senado. É triste reconhecermos isso. Mas o Senado que a sociedade brasileira precisa que exista, neste momento, não está disponível. Que culpa tem cada um de nós? Alguma teremos, alguma haveremos de ter. Mas há uma culpa que não podemos continuar a ter. O Senado brasileiro é uma instituição essencial ao nosso País e à nossa sociedade. É preciso que nós e vocês que estão em casa, que eventualmente me vêem e que me escutam neste momento, acreditemos nisso e saibamos por que esta Casa é essencial ao Brasil.

Senador Tião Viana, considero meio ridículo citar a si próprio, mas vou repetir um trecho de um discurso que tive a honra de proferir em um dos momentos mais altos do exercício do meu mandato, quando esta Casa me mandou a Paris, para representá-la em uma reunião de Presidentes de todos os Senados do mundo. E tive a oportunidade e a emoção de falar pelo Brasil na Tribuna do Senado da França.

Entre outras coisas, eu dizia ali que “o papel da instituição parlamentar no mundo que se está criando deve incorporar não apenas a força das reivindicações que expressam as tensões internas no seio da população e que chegam aos parlamentos com o vigor das suas urgências, mas também o equilíbrio de uma instância moderadora que impeça que se tornem imperativas e compulsórias soluções que às vezes se precipitam em face de circunstâncias e de pressões momentâneas”.

É preciso haver, no Parlamento, a Casa que seja o eco dessas pressões e a Casa que seja capaz de compreendê-las, acalmá-las, acariciá-las e inseri-las na História.

Ainda dizia eu naquela oportunidade que “o Senado brasileiro foi um dos mais importantes instrumentos da grande obra política que conseguimos realizar ao longo desses quase duzentos anos de nossa vida como país independente: a obra política que assegurou a nossa unidade territorial, a nossa unidade lingüística, a nossa unidade como Nação. Somos um país de mais de 8 milhões de quilômetros quadrados de terras contínuas, com uma população superior a 160 milhões de habitantes, de composição multirracial, que falam a mesma língua, sem problemas de fronteiras, definidas e aceitas por todos os países vizinhos desde o reconhecimento diplomático universal, sem movimentos separatistas, sem desafios à nossa integridade”.

Que papel desempenhou o Senado na construção dessa realidade que é um patrimônio do povo brasileiro? Se nós olharmos como funciona e como funcionou ao longo da história esta Casa, instalada dois anos depois da Proclamação da Independência do Brasil, verificaremos que ela teve o papel de equilibrar os desequilíbrios. Como funciona isso? O Estado de São Paulo, por exemplo, responde por aproximadamente 50% da renda nacional e concentra em seu território algo em torno de 40% da população do Brasil. O Estado de São Paulo tem, por isso mesmo, uma representação popular na Câmara dos Deputados de quase 80 Parlamentares. Onze Estados brasileiros, entretanto, têm, na Câmara Federal, apenas oito Deputados. Como poderíamos garantir não só o respeito aos interesses legítimos de São Paulo, mas também a defesa de mecanismos que sejam capazes de assegurar também o respeito e a defesa dos interesses de Estados que têm apenas oito Deputados? Será que isso se conseguiria se não existisse uma Casa como esta, na qual São Paulo, Rio Grande do Norte, Piauí, Acre, Amapá, Tocantins têm cada um três Senadores? É nesta Casa que o equilíbrio dessas diferenças se estabelece.

Pois bem, senhores, sou dos que acreditam que é essencial ao Brasil a preservação das conquistas que a História nos permitiu realizar, a preservação também do Senado Federal.

De uma coisa temos que estar conscientes: aqui já não estão Rui, Afonso Arinos, Valadares, Tancredo Neves; estamos nós. Certo ou errado, foi assim que o tempo ceifou as vidas de uns e o povo os substituiu por nós. Pois bem, essa instituição tão importante da sociedade brasileira está hoje entregue à guarda dos oitenta e um Senadores que nós somos.

Acredito, senhores, que é nosso dever, sangrando, sofrendo, enfrentando tensões amargas, é nosso dever, enfrentando incompreensões, injustiças, pressões, cabidas, descabidas, é nosso dever devolver um Senado ao Brasil.

O que vim fazer nesta tribuna foi um apelo apenas, um apelo que não sei se vai conseguir emocionar, comover, tocar a alma de ninguém, mas vim apenas deixar, Srs. Senadores, que explodisse nesta tribuna um grito que a minha consciência não consegue mais sufocar. Está na hora de agirmos à altura dos acontecimentos que estamos vivendo, com a serenidade que o nosso papel exige de nós, com a coragem necessária, com a altivez, com a independência, mas à altura das exigências da nossa História. Se vamos conseguir fazer isso, Deus há de nos ajudar que consigamos!

Se algo posso pedir, em nome daqueles que hoje vociferam nas ruas, num misto de decepção e de indignação, em nome daqueles que exageram, que generalizam, que jogam a todos no mesmo patamar, se alguma coisa posso pedir é que ponhamos mãos à obra. Vamos viver os dias difíceis - que já estamos vivendo - e vamos, por favor, dar-nos as mãos para devolver ao Brasil o Senado que o País precisa ter.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR GERALDO MELO EM SEU PRONUNCIAMENTO

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/2001 - Página 8903