Discurso durante a 50ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

MANOBRAS DO PALACIO DO PLANALTO VISANDO A RETIRADA DE ASSINATURAS DE PARLAMENTARES, APOSTAS AO REQUERIMENTO DA CPI DA CORRUPÇÃO. (COMO LIDER)

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO.:
  • MANOBRAS DO PALACIO DO PLANALTO VISANDO A RETIRADA DE ASSINATURAS DE PARLAMENTARES, APOSTAS AO REQUERIMENTO DA CPI DA CORRUPÇÃO. (COMO LIDER)
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/2001 - Página 9091
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), COMENTARIO, COMPORTAMENTO, GOVERNO, LOBBY, CONGRESSISTA, RETIRADA, ASSINATURA, REQUERIMENTO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO, PREJUIZO, IMPEDIMENTO, REALIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO, PAIS.
  • SOLICITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, CUMPRIMENTO, OBRIGAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, EXECUTIVO, VIABILIDADE, IMPLANTAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as manchetes dos jornais do dia de hoje, com certeza, têm um silêncio que doem aos nossos ouvidos.

Quem tem acompanhado algumas matérias que têm sido feitas pela Folha de S.Paulo, por outros jornais, pelo Correio Braziliense, dando conta do balcão de negócios que está sendo montado no Congresso Nacional, para impedir a chamada CPI da Corrupção, e o profundo silêncio à eloqüência muda dos Líderes do Governo, por certo, fica profundamente angustiado. Porque ou efetivamente é verdade o que está sendo apresentado nos jornais e, sendo verdade, é um profundo desafio ao Congresso Nacional - nós nos sentiremos todos prevaricando, porque, se assim fosse, era tal crime de corrupção estabelecer um balcão de negócios com o Congresso Nacional, para impedir que um instrumento da Constituição, um instrumento da ordem jurídica vigente seja viabilizado -, ou não haveria nenhuma outra explicação esse silêncio que dói aos ouvidos pela Liderança do Governo.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, estamos vivendo um momento muito interessante no Brasil, claro que doloroso, pessoalmente, às vezes. Num momento em que o Congresso Nacional, de fato, apresenta-se para a sociedade como aquele velho termo que Padre Antônio Vieira dizia, como um covil dos ladrões tolerados, com a estrutura de corrupção montada dentro do Palácio do Planalto, tudo isso nos angustia profundamente. Angustia a todos que entendem a importância das instituições para a construção do Estado Democrático de Direito.

Todos nós que pensamos na revolução socialista pensamos até em extinção da própria estrutura da política, mas isso não vamos ver. Com isso, efetivamente, não teremos condição, enquanto estruturas anatomofisiológicas, de enxergar, de conviver. Estaremos, com certeza, lutando, hoje, mas sabemos a importância das instituições democráticas para a construção do Estado Democrático de Direito.

Acredito que todos nós temos recebido centenas de e-mails relacionados ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. É claro que eu, como membro do Conselho de Ética, não tratarei disso, até porque o art. 29, § 1º, é muito claro, impõe sigilo e discrição, sob pena de afastamento aos membros do Conselho. Mas, em relação à Comissão Parlamentar de Inquérito, é de fundamental importância que estabeleçamos os mecanismos necessários para fazer isso.

Ontem, numa audiência na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, li um pequeno trecho e passo a lê-lo hoje para trabalhar com todos nesta Casa. É um pequeno trecho de um diálogo entre um pirata e um imperador. Acho que é exatamente isso que atravessa mentes e corações neste País, que é o sentimento da impunidade, é o sentimento de que o pequeno, se roubar o pão para alimentar seu filho, não sabe se amanhecerá vivo. É o sentimento, hoje, da impunidade no País.

E tem um diálogo muito interessante, entre um pirata e um imperador, Alexandre Magno, que diz:

Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: Basta, Senhor, que eu porque roubo em uma barca sou ladrão, e vós porque roubais em uma armada sois Imperador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres.

            E dizia ainda, seguindo o texto de Santo Agostinho:

O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao Inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera, os quais, debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento, distingue muito bem S. Basílio Magno.

            Todos eles são santos, Senador Ademir Andrade. Não há nenhuma personalidade política.

Não são só ladrões, diz o Santo [S. Basílio Magno], os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os Reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das Províncias, ou a administração das Cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam Cidades e Reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam. Diógenes, que tudo via, com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e Ministros de Justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: Lá vão os ladrões grandes enforcar os pequenos. Ditosa Grécia, que tinha tal Pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera justiça as mesmas afrontas. Quantas vezes se viu em Roma ir a enforcar um ladrão por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um Cônsul ou Ditador por ter roubado uma Província! E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes? De um chamado Seronato disse com discreta contraposição Sidônio Apolinar: Seronato está sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos, e em os fazer. Isto não era zelo de justiça, senão inveja. Queria tirar os ladrões do mundo, para roubar ele só.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este momento que vivemos é extremamente importante para a nação brasileira. Nem vou cansá-los com a conjugação do verbo rapio. Pe. Antônio Vieira faz aqui uma conjugação extremamente dolorosa. Ele falava que todos os governantes:

Conjugavam por todos os modos o Verbo Rapio; porque furtam por todos os modos da arte, não falando em outros novos e esquisitos, que não conheceu Donato, nem Despautério. Tanto que lá chegam, começam a furtar pelo modo Indicativo, porque a primeira informação que pedem aos práticos é que lhe apontem e mostrem os caminhos por onde podem abarcar tudo. Furtam pelo modo Imperativo, porque como têm o mero e misto império, todo ele aplicam despoticamente às execuções da rapina. Furtam pelo modo Mandativo, porque aceitam quanto lhes mandam; e para que mandem todos, os que não mandam não são aceitos. Furtam pelo modo Optativo, porque desejam quanto lhes parece bem; e gabando as coisas desejadas aos donos delas, por cortesia sem vontade as fazem suas. Furtam pelo método Conjuntivo, porque ajuntam o seu pouco cabedal com o daqueles que manejam muito; e basta só que ajuntem a sua graça, para serem, quando menos, meeiros da ganância.

E aí vão tantas formas que temos visto hoje no Brasil.

            Então, para o Congresso Nacional é estabelecida a obrigação constitucional de fiscalizar os atos do Executivo. Se o Executivo nada teme dos indícios relevantes de crimes contra a administração pública - exploração de prestígio, intermediação de interesses privados, tráfico de influência -, que, ao menos, libere a Bancada governista para que ela possa cumprir a sua obrigação constitucional e instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito.

Se esse é um debate eleitoralista, um debate simplesmente político - político do ponto de vista eleitoreiro -, que façamos isso, porque seria a Comissão Parlamentar de Inquérito o mais belo testemunho da inocência do próprio Governo e, portanto, um grande instrumento eleitoralista para a batalha da disputa presidencial do ano que vem.

Todas as pessoas sabem - qualquer medíocre legalista de plantão sabe - que a CPI não é um instrumento de estatuto partidário; a CPI não é um instrumento ideologizado, programático, partidário. A Comissão Parlamentar de Inquérito é um instrumento constitucional. Por ter poder de investigação próprio das autoridades judiciais, ela estabelece os mecanismos que garantem agilidade aos procedimentos investigatórios, para que não sejamos omissos e cúmplices e para que não vejamos o Congresso Nacional apresentado como parte da mercadoria, a mercadoria inflacionada. Todos os dias aparece no jornal um montante maior que está sendo liberado pelo Governo. Portanto, já está inflacionado o preço! Com a inclusão e a retirada de assinaturas dos requerimentos, o preço fica inflacionado! Não é bom para a democracia brasileira, não é bom para a construção do Estado democrático de direito, não é bom para os que querem o cumprimento da ordem jurídica vigente, para aqueles que querem construir a democracia.

É o apelo que deixo para que possamos fazer a Comissão Parlamentar de Inquérito. Volto a repetir: ela não é um instrumento ideologizado, programático e partidário. A Comissão Parlamentar de Inquérito é um instrumento estabelecido pela Constituição Federal, e criá-la nada mais é do que parte da obrigação do Congresso Nacional, que tem como tarefa nobre, como obrigação nobre, fiscalizar os atos do Executivo, e não funcionar como se um anexo arquitetônico apenas fosse do Palácio do Planalto.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/2001 - Página 9091