Discurso durante a 50ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

MANIFESTAÇÃO DE PESAR PELA MORTE DO CINEASTA SUECO ARNE SUCKSDORFF.

Autor
Antero Paes de Barros (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MT)
Nome completo: Antero Paes de Barros Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • MANIFESTAÇÃO DE PESAR PELA MORTE DO CINEASTA SUECO ARNE SUCKSDORFF.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/2001 - Página 9100
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ARNE SUCKSDORFF, DIRETOR, CINEMA, ECOLOGISTA, ELOGIO, FILME, DEFESA, RESERVA ECOLOGICA, PANTANAL MATO-GROSSENSE.

O SR. ANTERO PAES DE BARROS (Bloco/PSDB - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Senadores, nas décadas de 40 e 50, a Suécia produziu dois grandes cineastas. O primeiro foi Ingmar Bergmann, que, com seus filmes existencialistas, revolucionou a linguagem cinematográfica mundial. Com a mesma força, mas com temáticas mais voltadas para o cotidiano, surgia na época Arne Sucksdorff, que, no auge da carreira, nos anos 60, abandonou tudo por uma paixão: o Pantanal Mato-Grossense.

Na última sexta-feira, dia 4, o Pantanal perdeu esse grande amigo, vítima de efizema pulmonar, num hospital de Estocolmo. Foi Sucksdorff quem realizou a mais importante coleção iconográfica a respeito do Pantanal. E foi pelo seu premiadíssimo livro Pantanal, Paraíso Perdido, no início dos anos 80, que o mundo conheceu as belezas de uma das mais ricas biodiversidades do planeta.

Sucksdorff, antes de chegar ao Brasil em 1962, já havia realizado 15 longas e diversos curtas-metragens. No seu currículo, acumulava um Oscar de Melhor Documentário, com o filme Ritmo da Cidade, uma Palma de Ouro no Festival de Cannes por A Grande Aventura e também o prêmio de melhor filme do Festival de Veneza, com a realização de O Vento e o Rio, entre diversos outros prêmios internacionais.

Na Suécia, fazia parte de qualquer lista de celebridades. Cineasta, escritor, roteirista e fotógrafo consagrado em toda a Europa, aceitou um convite do Itamaraty para dar um curso sobre cinema no Rio de Janeiro, no início dos anos 60. Entre os seus alunos, nada mais, nada menos que a nata da cinematografia brasileira. Entre eles, Vladimir Herzog, Gláuber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Eduardo Escorel, Luiz Carlos Saldanha, Arnaldo Jabor, Joaquim Pedro e até o ator José Wilker.

A paixão pelo Rio de Janeiro foi imediata, levando-o a filmar Meu Lar é Copacabana, que mereceu os prêmios Humanidade, concedido pelo Vaticano, e o de Melhor Filme do Festival Internacional de Moscou. Era 1962, e Sucksdorff já denunciava ao mundo o drama das crianças abandonadas no Brasil. Para o azar da história do cinema, Sucksdorff decidiu conhecer, em 1966, o Pantanal - azar do cinema e sorte de Mato Grosso.

A definição que fez do primeiro contato com o Pantanal, dada à Folha do Meio Ambiente, em entrevista ao jornalista Silvestre Gorgulho, em abril de 1999, quando já havia se transferido para a Suécia, depois de morar 30 anos em Cuiabá, foi a seguinte:

A sensação era como se eu tivesse chegado ao Jardim de Deus. Um parque zoológico natural. Tinha vida em cada lugar que eu pisava. Na beira do rio tinha jacarés tomando sol. De repente, passava um bando de araras como uma rajada. Na planície, veados, capivaras e emas se misturavam ao gado zebu. Os abutres revelavam onde a vítima estava escondida. A onça pintada deixava os traços de sua pata redonda. Pássaros de todos os tipos. Uma maravilha e um drama em cada lugar!

Arne Sucksdorff sucumbiu à força da natureza. Morou no Pantanal como índio durante dois anos junto com a mulher cuiabana Maria das Graças, com quem depois teve dois filhos, Cláudio e Anders. Sucksdorff fez a opção de abandonar o cinema, para viver como se estivesse num filme. Nascia, então, uma outra carreira brilhante, a de ecologista. Foi ardoroso defensor do Pantanal, muito antes do boom do ambientalismo da década de 80. Foi essa paixão que levou a imprensa brasileira a chamá-lo de “o Viking das Selvas”.

Enquanto morou em Cuiabá, liderou movimentos em favor do Pantanal. Denunciava toda e qualquer agressão àquele ecossistema. Mas, acima de tudo, fotografava. Registrava, incansavelmente, imagens de cada detalhe daquele paraíso ecológico. O mais completo acervo dos trabalhos fotográficos de Sucksdorff encontra-se hoje no Museu da Fundação Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso, Fema, criada em 1995 pelo Governador Dante de Oliveira.

Muito doente e enfrentando dificuldades financeiras e familiares, que o impediam de continuar produzindo, Sucksdorff deixou Cuiabá em 1988 e regressou para a Suécia. Lá, estava conseguindo se recuperar. Ao mesmo tempo, construía novos projetos, sempre voltados para o Brasil. Repetia sempre a todos que iria voltar para Mato Grosso, apesar de sucessivas crises de saúde. Dizia que ia comprar uma fazenda de gado no Pantanal, onde iria construir duas vilas ecológicas para recuperar meninos de rua. O projeto envolvia a criação da Fundação São Francisco de Assis, o que não se realizou.

O Brasil infelizmente pouco conheceu Arne Sucksdorff. Essa injustiça talvez esteja sendo minimamente corrigida com o recente lançamento do filme Uma Vida Dividida, sobre a bela história do cineasta, fotógrafo e ecologista sueco de alma brasileira. O filme, do brasiliense Fernando Camargo, foi apresentado há questão de duas semanas em Brasília, depois de ter sido apresentado na Europa.

Mas, se o Brasil é capaz de cometer tamanha injustiça, de pouco divulgar quem foi Arne Sucksdorff, o Pantanal jamais o fará, pois será lá que as cinzas de Sucksdorff serão lançadas, conforme seu último desejo. É preciso saber que, mais que a Suécia, o Pantanal perdeu Arne Sucksdorff.

À sua mulher, Maria das Graças, e aos filhos Cláudio e Anders, nossa solidariedade neste momento difícil.

Era o que eu queria dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/2001 - Página 9100