Discurso durante a 50ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ETICA NA VIDA PUBLICA, COM DESTAQUE AO EPISODIO DE VIOLAÇÃO DO PAINEL ELETRONICO DO SENADO E A CRIAÇÃO DA CPI DA CORRUPÇÃO. CONTRARIEDADE PELO CANCELAMENTO, ONTEM, DAS SESSÕES CONJUNTAS DO CONGRESSO NACIONAL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO. SENADO.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ETICA NA VIDA PUBLICA, COM DESTAQUE AO EPISODIO DE VIOLAÇÃO DO PAINEL ELETRONICO DO SENADO E A CRIAÇÃO DA CPI DA CORRUPÇÃO. CONTRARIEDADE PELO CANCELAMENTO, ONTEM, DAS SESSÕES CONJUNTAS DO CONGRESSO NACIONAL.
Aparteantes
Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/2001 - Página 9097
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO. SENADO.
Indexação
  • CONSCIENTIZAÇÃO, SOCIEDADE, NECESSIDADE, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, DENUNCIA, PUNIÇÃO, INFRATOR, IMPORTANCIA, CONSOLIDAÇÃO, DEMOCRACIA, PAIS.
  • APOIO, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, VIOLAÇÃO, APARELHO ELETRONICO, VOTAÇÃO SECRETA, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO.
  • CRITICA, PEDIDO, TEOTONIO VILELA FILHO, SENADOR, ADIAMENTO, SESSÃO CONJUNTA, HOMENAGEM POSTUMA, MARIO COVAS, EX GOVERNADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • APOIO, ATUAÇÃO, JADER BARBALHO, PRESIDENTE, SENADO, CONVOCAÇÃO, SESSÃO CONJUNTA, CONGRESSO NACIONAL, LEITURA, REQUERIMENTO, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Antero Paes de Barros, Srªs e Srs. Senadores, “Erinalva achava normal o marido ser ladrão. Ele já tinha cumprido pena por assalto no galpão da 5ª. Também considerava normal o companheiro ser assassino, crime que já lhe havia confidenciado certa vez”. Essa notícia foi publicada em O Globo, de 30 de abril último.

Essa conduta vem-se tornando cada vez mais comum entre os brasileiros. Isso ocorre porque estamos deixando a lei ser torpeada. Todo um universo simbólico vem-se desmoronando, advindo daí a sensação nacional de que nada tem valor, de que tudo acaba em pizza e de que não vale a pena ser honesto.

Existe um elo invisível entre o político que abusa da imunidade parlamentar para burlar a lei, o cidadão que pára em cima da faixa de pedestre e o bandido que mata. Apesar das diferenças de grau ou de gravidade dos atos, há um ponto em comum: todos deixaram de cumprir a lei.

Por vezes, as pessoas acham natural ultrapassar um sinal vermelho, enquanto reclamam de Senador corrupto, ou ocultam o rendimento na declaração do Imposto de Renda, enquanto criticam o aumento da violência nas cidades.

Com isso, estão, ao mesmo tempo, indignados e condescendentes. Nada mais contraditório.

A lei, seja ela civil, penal ou ética, deve ser seguida para que possamos viver em comunidade. Se nos considerarmos acima da lei, estaremos destruindo a vida em sociedade. Não podemos acalentar a ilusão de que a impunidade não é a causadora da dissolução social. Não podemos chegar à terra do “salve-se quem puder”, pois, neste caso, acreditaríamos que ou se explora, ou se engana, ou se é desonesto, ou não há saída.

Para uma sociedade sobreviver, é necessário que todos cumpram a lei, e quem não o fizer, mesmo pertencendo à elite dominante, seja punido.

Tive uma experiência recente, Sr. Presidente, quando fui avisado, primeiro pela imprensa, de que teria o carro de minha propriedade somado um número de pontos significativo, que representaria, pelo Código Nacional de Trânsito aprovado aqui por nós, uma suspensão do uso da minha careira de habilitação por algum tempo.

Mesmo antes de ser notificado, considerei importante dirigir-me ao Detran, em São Paulo, e entregar minha carteira ao Diretor de lá, para que ele então definisse a punição a ser atribuída a mim. O Diretor do Detran disse que, nesse caso, pela minha conduta, caberia a suspensão por um mês do meu direito de dirigir. Considerei importante tomar aquela iniciativa porque eu tinha descumprido algumas normas que eu mesmo havia aqui definido, e, portanto, por 30 dias fiquei sem guiar e sem fazer uso da minha carteira de habilitação. Se quisermos que as leis sejam para valer, e, se porventura incorremos em infração, em erro, cabe-nos dar o exemplo de cumprimento da punição prevista.

A Nação encontra-se frente a uma situação que considero gravíssima. Esta situação pode servir para consolidar nossa democracia ou para aumentar o esgarçamento do tecido social brasileiro. Dispõe a Constituição que todo Parlamentar tem a obrigação de manter o decoro e a ética, ou seja, Senadores e Deputados devem manter a decência, a honra, a honestidade tanto nos atos quanto nas palavras, conforme ressalta a Juíza Denise Frossard, em seu artigo Decoro é coisa séria, publicado na revista IstoÉ, de 9 de maio último.

Tal conduta é indispensável para a manutenção da respeitabilidade do mandato. Não se pode aceitar a mentira como sendo “coisas da política”. Considerar a mentira como uma prática normal do Parlamento constitui gravíssima inversão de ordem ética. A falta de decoro se transmuta em compostura, a vergonha se pinta de consciência limpa. O prestígio e a respeitabilidade do Parlamento se assentam no cumprimento do Código de Ética. O não cumprimento desse Código deve ser passível da perda do mandato.

Diante da constatação pela Unicamp de que o painel de votação do Senado Federal havia sido violado, servidores da Casa confessaram ter adulterado o programa de controle de votação da sessão de cassação do mandato de um Senador, para obterem a lista nominal dos votos dos Senadores.

Defrontados com a confissão dos funcionários, o ex-Presidente do Congresso e o ex-Líder do Governo, quando interpelados, depois de inúmeras negativas e mentiras, acabaram sendo obrigados a reconhecer o que não dava mais para negar. Ainda assim, ficou a impressão, não apenas para mim, mas para tantos que os ouviram, de que não revelaram toda a verdade. A evidência disso está no fato de que o depoimento de um Senador não é consistente com o do outro, em que pese o entrosamento que havia entre o Líder do Governo Fernando Henrique Cardoso e o Presidente do Senado.

Os dois Senadores confessaram que tiveram em suas mãos e leram a lista da votação secreta. Confessaram inclusive que sabiam que a lista tinha sido obtida de modo ilegal. Ou seja, os Senadores Antonio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda violaram a ética, a Constituição, não apenas o Regimento, tentando justificar aquela conduta com a desculpa das razões do Estado, segundo as palavras do Senador Antonio Carlos Magalhães, aliás se esquecendo, se houve dano, das lições de quem S. Exª tanto lembra, o ex-Senador Rui Barbosa, cuja memória é aqui sempre reverenciada. Rui Barbosa, conforme procurei lembrar durante a reunião do Conselho de Ética, considerava que nenhuma razão de estado poderia ser invocada, para descumprir-se normas constitucionais e as leis brasileiras.

Para tentar fugir da condenação, os dois Senadores vêm desviando o foco das questões éticas para as questões que interessam a um tribunal penal, mas que são dissociadas de um tribunal político, em que o Conselho de Ética e o Plenário do Senado se constituirão. Fazem isso levantando teses jurídicas que interessam a outra esfera, a do tribunal penal. Porém, a mentira e a traição é que estão sob julgamento do tribunal ético, estas, aliás, já confessadas, conforme nos apontou a Juíza Denise Frossard, em seu artigo já mencionado.

Não podemos deixar que o desencanto destrua o Brasil. É contra ele que devemos lutar. Não há um caminho fácil. Não existe um atalho florido ou passagem mágica. O caminho que temos pela frente é árduo, mas temos de lutar. Não podemos abafar o clamor popular. O Senado tem a responsabilidade de defender a democracia, punindo de forma exemplar os que transgrediram o seu Código de Ética. Com isso, estaremos demonstrando para as Erinalvas que compõem a população brasileira que ninguém está acima da lei ou imune a ela.

Está em curso um movimento gravíssimo, visando à impunidade e ao acobertamento tanto dos fatos sob exame do Conselho de Ética quanto os que devem ser apurados pela CPI da Corrupção, cujo requerimento foi ontem entregue ao Presidente do Congresso Nacional, Senador Jader Barbalho.

Sr. Presidente, quero expressar a minha solidariedade a Srª Lila Covas que, com razão, ficou indignada com a manobra perpetrada ontem por aqueles que pediram o adiamento da homenagem a ser realizada em memória do ex-Governador e ex-Senador Mário Covas. Em que pese ela e mais de 200 convidados terem vindo a Brasília para a sessão, que seria realizada ontem, o Senador Jader Barbalho, conforme explicou há pouco, atendendo a um apelo do Presidente do PSDB, Senador Teotonio Vilela Filho, cancelou a referida sessão, adiando-a para data a ser marcada, por razões que ainda não foram explicadas para a sociedade brasileira.

Senador Sebastião Rocha, terá sido para evitar a leitura e o debate sobre o requerimento de constituição da CPI da Corrupção?

Eu gostaria que o Senador Teotonio Vilela Filho tivesse vindo hoje explicar por que pediu ao Presidente Jader Barbalho para adiar a homenagem ao Senador que tanto honrou o PSDB, com a Srª Lila Covas já em Brasília, com 200 convidados especiais para ouvir a homenagem!

            A Srª Lila Covas, relembrando seu marido e sua conduta de luta por ética, declarou o seu apoio à CPI da Corrupção: “A CPI tem que ser feita, tudo tem que ser posto na mesa de forma transparente. Por que se defende a transparência apenas em época de eleição?” - perguntou ela, conforme registra o Jornal do Brasil em sua edição de hoje.

Espero do Presidente Jader Barbalho um comportamento consistente com o que S. Exª anunciou quando assinou o requerimento para criação da CPI da corrupção. Alias, é também o que espero do Senador Antonio Carlos Magalhães. Espero deles uma atitude digna, e que não se deixem envolver por esse rolo compressor que está sendo preparado, segundo todos os indícios, pelo Governo, para tentar abafar as decisões do Conselho de Ética e as investigações da CPI da corrupção.

Por essas razões, considero significativa a atitude do Senador Jader Barbalho, que convocou uma reunião com todos os Líderes para acertarem nova data para uma sessão deliberativa do Congresso Nacional, quando, obviamente, será lido o requerimento de formação da CPI. Provavelmente já haverá a designação dos seus membros, porque os Partidos poderão acelerar o procedimento de indicação de membros para que a CPI se instale logo. Não podemos nos esquecer de que estamos aqui falando da defesa da instituição Senado Federal, da instituição Congresso Nacional e dos valores éticos e dos anseios do povo brasileiro por ética na vida política.

É preciso que o Senador Romero Jucá, que teve de se ausentar para ir à reunião dos Líderes, esteja presente. Quando S. Exª leu aqui um artigo do jornalista Arnaldo Jabor dizendo que a CPI constituía apenas uma forma de atrapalhar as atividades do Governo, esqueceu-se de que o próprio Presidente, quando Senador da República, aqui advogou e falou da necessidade de se apurarem os fatos no então Governo José Sarney e foi um dos que propugnaram pela instalação e realização de uma CPI - também chamada de CPI da corrupção - sobre fatos envolvendo irregularidades.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/2001 - Página 9097