Discurso durante a 53ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REGISTRO DA INAUGURAÇÃO DO MONUMENTO A CULTURA DEMOCRATICA, EM HOMENAGEM AO EX-GOVERNADOR ANDRE FRANCO MONTORO, ACONTECIDO NO ULTIMO DIA 11 DO CORRENTE, NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • REGISTRO DA INAUGURAÇÃO DO MONUMENTO A CULTURA DEMOCRATICA, EM HOMENAGEM AO EX-GOVERNADOR ANDRE FRANCO MONTORO, ACONTECIDO NO ULTIMO DIA 11 DO CORRENTE, NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2001 - Página 9590
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, INAUGURAÇÃO, MONUMENTO, CULTURA, DEMOCRACIA, DISCURSO, AUTORIDADE, HOMENAGEM POSTUMA, ANDRE FRANCO MONTORO, EX GOVERNADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sexta-feira última, participei de uma solenidade plena de significado como preito de gratidão a uma figura ímpar de nossa política e que, devido ao vigor de sua mensagem democrática, merece ficar registrada nos Anais do Senado da República. Mensagem marcante como poucas inscritas na História e que ficará perpetuada em imponente monumento, à frente da Assembléia Legislativa de meu Estado, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Mensagem produzida pela inabalável fé de um homem na liberdade, na ética e no civismo, fé que o levou a empreender ações concretas por mais de sessenta anos de vida pública. 

André Franco Montoro, esse o homem!

Montoro do Senado da República. Montoro da Câmara dos Deputados, do Ministério do Trabalho, da Assembléia Legislativa paulista, da Câmara Municipal paulistana, do Conselho da República e do Parlamento Latino-Americano. Montoro que governou São Paulo e deixou sua marca pessoal no PDC, MDB, PMDB e PSDB. André Franco Montoro, o mestre de gerações de líderes que, ao falecer, em 1999, se transformara em ícone do Estado democrático de direito.

Dia 11 do corrente, presenciei o Exmº Governador Geraldo Alckmin inaugurar o monumento “À Cultura Democrática em São Paulo”, com oito metros de altura, sete metros de largura na base e seis placas de bronze ao redor da coluna central, em que se destaca a estátua de Franco Montoro, também em bronze. A seu lado, estavam Dona Ruth Cardoso, representando o Presidente da República, e a família do homenageado, tendo à frente a viúva, Srª Luci Montoro, e os filhos André Franco Montoro Filho e Ricardo Montoro. Ali também se encontravam, entre outras autoridades, como os Exmºs Ministros Paulo Renato de Souza, da Educação, e José Gregori, da Justiça, os ilustres Deputados Estaduais Walter Feldman, Presidente da Assembléia Legislativa, e Vanderlei Macris, idealizador da homenagem, tornada possível graças a doações obtidas no setor privado pela ONG que preside - a Associação de Cultura Democrática Paulista -, após projeto aprovado pelo Ministério da Cultura com os benefícios previstos na Lei Rouanet. A obra pertence agora ao Legislativo paulista.

Ao abrir a cerimônia, o Deputado Vanderlei Macris destacou a relação entre o nome dado ao monumento e a figura do ex-Governador. “O monumento é, na verdade, à democracia e às idéias de Montoro”, disse. Com isso concordou o ex-Secretário do homenageado, Chopin Tavares de Lima, que entregou um pôster da obra a Dª Luci e emocionou a multidão, ao evocar atitudes marcantes de Montoro, principalmente em favor dos ideais da integração dos países latinos, movimento em que exerceu papel fundamental a partir da década de 50.

O Governador Geraldo Alckmin salientou em seu discurso que os pensamentos do homenageado, ali impressos em bronze, “sempre irão ecoar para alertar e denunciar as ditaduras, as discriminações, os preconceitos e, principalmente, para anunciar a construção de uma sociedade mais justa e fraterna.” Afirmou que Franco Montoro foi um “homem sempre à frente do seu tempo, absolutamente coerente entre aquilo que pensava, falava e a forma como agia.” E lembrou a opinião do Governador Mário Covas: “Montoro não conjugava o verbo no passado, não conjugava no pretérito nem mais que perfeito nem imperfeito, ele conjugava o presente com o amanhã, um homem de fé, de esperança, otimista, sempre trabalhando pelas causas que acreditava.”

André Franco Montoro Filho, Secretário de Estado da Economia e Planejamento de São Paulo, agradeceu em nome da família e repetiu uma frase do pai por considerá-la bastante atual: “Seria importante que a política não fosse uma cosa nostra, mas que se transformasse numa res publica, em uma república.”

Dª Ruth Cardoso leu o texto enviado pelo esposo, lembrando mais de duas décadas de convivência e defesa de ideais comuns, como o parlamentarismo. “Procuro inspirar-me nele para bem cumprir as responsabilidades que me cabem como Presidente da República”, disse. Dª Ruth ressaltou que Franco Montoro “compreendia os direitos sociais, não como uma benesse do Estado, como rezava a tradição varguista, mas como um resultado da participação política, como um degrau a mais na expansão da cidadania.”

Por sua vez, o Deputado Walter Feldman apontou “uma das extraordinárias características de Montoro: ele compreendeu o papel e a condição da mulher.” “Foi ele que pensou, idealizou e colocou na prática políticas públicas para que a mulher tivesse, de maneira conseqüente, o seu papel na sociedade brasileira.” Disse ainda da falta que faz o homenageado para moldar a realidade de acordo com seus sonhos, pois “nós sabemos que, se a razão é que faz o homem, é exatamente o sentimento que o conduz para a prática de seus sonhos e ideais.” Um dos últimos temas com que se preocupara Montoro - lembrou o parlamentar - era a água. “Ele não tinha razão”? indagou, acentuando a capacidade do ex-Governador “de idealizar e construir a realidade a partir da ação coletiva.”. Finalmente, revelou que, por decisão da Mesa da Assembléia, será erguido um parlatório no local: “Montoro vai gostar de ouvir a opinião da sociedade.”

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em novembro de 1995, tive a honra de, ao lado do insigne ex-Governador, proferir palestra no Curso Intensivo de Correspondentes de Guerra Aqui Mesmo, promovido e organizado pela Oboré Projetos Especiais, em conjunto com a Associação Brasileira de Imprensa - ABI, em São Paulo. O tema a mim atribuído era Segurança/Violência, que, já à época, constituía uma das preocupações centrais da população brasileira. Ao inesquecível Prof. Franco Montoro coube discorrer sobre o que, à época, mais o afligia: a disponibilidade de água e suas implicações no futuro da humanidade. Embeveci-me com as colocações e o entusiasmo que demonstrava na defesa de suas teses diante de jornalistas principiantes, capazes, porém, de multiplicar o alcance do alerta. Aos 79 anos de idade, comportava-se como jovem idealista, lúcido, aguerrido e apto a agitar uma platéia pontilhada de intelectuais e trabalhadores da imprensa, a ponto de distribuir dezenas de folhetos, como se panfletos fossem, sobre suas idéias de como aproveitar os recursos hídricos sem os esgotar, sem ameaçar a vida sobre a Terra e sem os utilizar como meio de opressão. Aparentemente, um sonhador falando a sonhadores, mas que os fatos viriam mostrar como possuidor de plena consciência da realidade e de senso de oportunidade para se evitar uma tragédia.

Também nessa ocasião, Franco Montoro confidenciou-me ter adotado, desde os primeiros tempos na política, uma linha de conduta da qual não se arredava, pois lhe permitia, por meio de pura persuasão, obter todo o apoio de que necessitasse. Sintetizou-a: nunca defender uma idéia, utilizando frases negativas, o “não”. Se precisasse dizer a alguém que não deveria adotar determinada atitude em benefício de um ideal ou na busca de um objetivo, evitaria dizer-lhe “não devemos fazer tal coisa”. Utilizaria, isto sim, alguma frase afirmativa que pudesse expressar a mesma idéia e levar ao mesmo resultado. Tinha, por isso, permanente preocupação em banir o “não” de seus discursos, palestras ou conferências, de maneira a transformá-los em manifestações o mais afirmativo possível.

Tal confidência valeu-me por uma autêntica aula. Além do mais, mostrou-me o quanto de coerência existia entre o pensamento e as ações desse inconteste líder. Uma coerência que o levou, pouco tempo depois, a assestar baterias contra os dolorosos resultados que se pode esperar de uma globalização selvagem. Quando faleceu, Franco Montoro ia embarcar para o México, onde defenderia, no Foro América Latina/Europa para um Desenvolvimento Social Sustentável, a restrição aos fluxos de capitais especulativos. Redigira um discurso que acabou sendo lido pelo Deputado Fernando Gasparian, durante aquele congresso. Entre outras coisas, disse:

A gravidade e extensão da atual crise é o maior desafio ao dogma do mercado livre. E vem confirmar a advertência sempre atual de Lacordaire: ‘Entre o forte e o fraco, a liberdade oprime; é a lei que salva.”

E mais:

E a crise atual, como terminará? Com a obediência cega às leis do mercado? Com o surgimento de uma convulsão social generalizada? Ou com o estabelecimento de normas disciplinadoras das relações econômicas internacionais? Para superar a lei das selvas e a opressão dos mais fortes, a humanidade vem criando através da história normas jurídicas de civilização e respeito à dignidade das pessoas. A luta pelo direito é a própria história da civilização. Hoje essa luta se estende, principalmente, ao plano das relações internacionais.

O texto de Montoro finalizava, dizendo:

Talvez em nenhuma época como hoje, a luta pelo direito tenha se identificado tanto com a própria defesa da civilização e do desenvolvimento humano. É dever de todos zelar para que a globalização - superando os riscos da exclusão e da violência - esteja a serviço da paz e da solidariedade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por tudo isto - apenas uma diminuta fração do universo de ideais contidos em sua personalidade -, André Franco Montoro merecia a homenagem materializada às portas da Assembléia Legislativa de meu Estado. E, também por isto, preocupei-me em trazer ao Plenário do Senado da República a notícia de que, agora também perpetuados em bronze, os ensinamentos de André Franco Montoro jamais serão postergados.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2001 - Página 9590