Discurso durante a 54ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM O CRESCENTE DESMATAMENTO DA FLORESTA AMAZONICA, CONFORME DADOS DIVULGADOS PELO INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS - INPE. DEFESA DE POLITICA AMBIENTAL DESTINADA AO APROVEITAMENTO ECONOMICO DA REGIÃO AMAZONICA, BEM COMO, DO FORTALECIMENTO DO MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • PREOCUPAÇÃO COM O CRESCENTE DESMATAMENTO DA FLORESTA AMAZONICA, CONFORME DADOS DIVULGADOS PELO INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS - INPE. DEFESA DE POLITICA AMBIENTAL DESTINADA AO APROVEITAMENTO ECONOMICO DA REGIÃO AMAZONICA, BEM COMO, DO FORTALECIMENTO DO MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE.
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 18/05/2001 - Página 9797
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, CRESCIMENTO, DESMATAMENTO, FLORESTA AMAZONICA, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE).
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, POSSIBILIDADE, ATUAÇÃO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), RECURSOS FINANCEIROS, IMPLANTAÇÃO, PROJETO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, RESERVA INDIGENA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), ANALISE, CRESCIMENTO, PRODUÇÃO AGRICOLA, ESTADO DO ACRE (AC), AUSENCIA, DESMATAMENTO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, POLITICA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, FLORESTA AMAZONICA.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, são exatamente 13h47. Tomei a decisão de, hoje, nem que tivesse que presidir e falar ao mesmo tempo, abordar o tema do desflorestamento da Amazônia. Isso porque estou há três dias me inscrevendo, mas, em função das dinâmicas de votação, não tenho tido a oportunidade de falar porque, quando chega a minha vez, o tempo regimental da sessão já terminou.

Por considerar altamente relevante, gostaria de falar sobre o índice de desmatamento crescente na Amazônia, identificado pelas imagens de satélite do Inpe - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, e que atingiu a marca de 15%. E há ainda um dado mais grave, pois com base na comparação de imagens de satélites, o número real pode ser ainda maior do que o que foi apresentado, porque foram apresentados números preliminares no ano passado, mas depois verificou-se que o número de áreas de floresta desmatada era bem maior, em termos de quilômetros quadrados, do que havia sido inicialmente anunciado.

Temos os seguintes dados: o desmatamento na Amazônia cresceu 15%, entre agosto de 1999 e agosto de 2000, em relação aos 12 meses anteriores - anunciou o Ministério Ambiente -, o que corresponde a 19.832 Km², podendo esse número ser bem maior, pois as imagens de satélites só conseguem atingir as áreas de corte raso. As áreas de ação antrópica, principalmente a parte de exploração madeireira, que é uma forma de alteração da cobertura vegetal, não é alcançada por essas imagens de satélite, e temos então uma área que fica reduzida, mas que nem por isso significa que não houve uma ação em termos de alteração dessa cobertura vegetal.

Há também um dado no sentido de que a área desflorestada na Amazônia Legal, cerca de 4 milhões de quilômetros quadrados, chega a 13,9%. Ou seja, já desflorestamos, do total da Amazônia Legal, cerca de 13,9%. Esses dados muito nos preocupam.

Eu queria aqui registrar, Sr. Presidente, que o editorial de hoje da Folha de S.Paulo, que faço questão de anexar em meu pronunciamento, dá conta de que devemos nos preocupar com esse processo devastador da Amazônia. É possível que, em um período de dez anos, se continuarmos com essa loucura de transformar a nossa floresta em fogueira, não tenhamos mais a Amazônia.

A cada ano, temos um ritual macabro onde são esperados os dados do Inpe, seja para criticá-los - e até me coloco entre esse grupo -, seja para minimizá-los. Precisamos acabar com esse ritual macabro. Não dá mais para ficarmos, durante o ano todo, praticando formas de desenvolvimento danosas ao meio ambiente, que nos levam a um saldo de desflorestamento de 19 mil quilômetros quadrados no período de dois anos - período em que são feitas as imagens de satélites - e, a cada ano, apenas nos conformarmos em protestar contra o crescimento desse desflorestamento.

Também me sinto um pouco cansada, e, de certa forma, não me sinto culpada, apenas cansada, de ser atribuída àqueles que defendem a Amazônia a crítica de que fazemos apenas um registro proibitivo para o seu desenvolvimento. Não se trata disso. Não fazemos apenas um registro proibitivo. Quem nos considera dessa forma não está acompanhando a evolução do movimento ambientalista nacional e internacional; está desinformado sobre o trabalho das organizações que defendem o meio ambiente e até mesmo dos vários setores produtivos, tanto de pequenos quanto de grandes empreendedores, quanto à idéia do socioambientalismo, ou seja, com relação a uma ação que compatibiliza desenvolvimento econômico com preservação do meio ambiente. Por isso digo que me sinto cansada. Não se trata apenas de ficarmos dizendo o que não pode. Hoje, o movimento ambientalista, com toda clareza, diz para as autoridades como é que pode, a partir de práticas alternativas apresentadas como experiência-piloto.

Acho que já existem alguns bons exemplos. Se houvesse interesse por parte dos gestores públicos - e aí tenho que dizer que essa gestão pública para o meio ambiente só pode ser entendida numa escala macro, porque não dá para imaginar que as ações setoriais e pulverizadas, por mais importantes que sejam, dêem conta de todo esse desafio que temos -, já daria para replicar e transformar essas experiências positivas em política de desenvolvimento para a nossa região.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Permite-me um aparte, nobre Senadora?

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Concedo o aparte ao Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Em primeiro lugar, faço uma exortação a V. Exª: não se canse. A luta de V. Exª é uma luta do País; ela precisa ser levada adiante. Não podemos abandonar a Amazônia, sejamos nós de um Partido ou de outro, de uma corrente ou de outra, de um pensamento filosófico ou de outro. Aquele é um patrimônio nacional que precisa, a todo custo, ser preservado. Os seguidos discursos de V. Exª, que têm tido o apoio do Plenário, em boa parte têm gerado bons resultados. Posso dizer a V. Exª que o Ministro do Meio Ambiente, o Deputado Sarney Filho, tem semelhantes preocupações. Antes de ser Ministro, ele era Presidente da Comissão do Meio Ambiente da Câmara. Ali, ele aprendeu não apenas a questão técnica do problema, mas, sobretudo, a amar a Amazônia e a defendê-la com o coração e com a alma. Tudo o que pode fazer ele está fazendo. Devemos admitir que os recursos destinados ao Ministério do Meio Ambiente são, lamentavelmente, ainda escassos, como de resto são escassos em todos os Ministérios, mas sobretudo no Meio Ambiente. O Ministério do Meio Ambiente está praticamente vivendo com as multas que impõe pelos atentados que ocorrem à natureza, como no caso da Petrobras e outros órgãos. O que precisamos aqui, também, penso eu - como um plus - é lutar, na Comissão de Orçamento, para que esse Ministério possa ser dotado de mais recursos e, aí sim, vamos cobrar do Ministro, com mais firmeza, ações mais efetivas. Enquanto isso não ocorre, eu, pessoalmente, estou persuadido que campanhas como as que V. Exª faz geram resultados. Os números apresentados podem até ser corretos ou não - se não forem corretos, aproximam-se disso -, e quaisquer que eles sejam são dramáticos para este País e para a nossa Amazônia. Cumprimento V. Exª. Prossiga; não se canse dessa luta, que não é só de V. Exª, mas de todos nós.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Nobre Senador, agradeço o seu aparte e o incorporo a esta minha fala. Foi até bom o seu comentário, porque me ajuda a repor o entendimento do cansaço ao qual me referi.

Srª Presidente, o cansado ao qual me referi refere-se às acusações que recebemos daqueles que afirmam que somos apenas defensores da idéia de que a Amazônia deve ser transformada num santuário. Canso-me dessas acusações porque elas não estão de acordo com a visão atualizada de preservação do meio ambiente que vem sendo praticada: a idéia do socioambientalismo. Por outro lado, nunca tive tanta força e tanto vigor, se não físico, pelo menos espiritual, para lutar pela preservação do meio ambiente e, particularmente, da Amazônia. Do meu ponto de vista, é possível haver um desenvolvimento, naquela nossa região, que compatibilize três coisas: o crescimento econômico, a qualidade de vida para as pessoas e a preservação do meio ambiente.

Com relação ao Ministério do Meio Ambiente, concordo com V. Exª que a dotação orçamentária é insuficiente, insignificante para os desafios do Ministério. Mas eu não reduziria os problemas do Ministério do Meio Ambiente à dotação orçamentária, com todo o respeito que tenho pelo Ministro Sarney Filho. Reconheço que S. Exª tem tido uma posição de abertura, de diálogo com a sociedade e com os Parlamentares, inclusive quero registrar que a sua secretária, Drª Mary Helena Allegretti, tem propiciado um canal de debates com as organizações da sociedade, sem nenhum tipo de preconceito. Porém, além dos problemas financeiros, temos outros problemas, até mais graves. Talvez em função desses é que a dotação orçamentária seja tão insignificante. Vou pontuá-los.

O Ministério do Meio Ambiente tem se limitado a tentar regular as políticas de meio ambiente, tem se limitado à fiscalização e controle. Não tem a capacidade gestora, não lhe foi conferido o poder de ser um agente que propicia uma visão de desenvolvimento a partir de novos paradigmas para o nosso País. O Governo elaborou, há algum tempo, o Programa Avança Brasil, visando a uma série de ações, principalmente de bases infra-estruturais, para a Amazônia. Esse programa, que iria ter um impacto ambiental de alta relevância na Amazônia, não contou com a participação do Ministério do Meio Ambiente na sua origem. É um absurdo que o órgão ambiental do Governo não seja ouvido no momento em que se está gestando uma política de desenvolvimento para uma região que tem repercussão muito significativa em termos de impacto ambiental!

Sempre que há uma polêmica, tentamos agir a partir do Ministério do Meio Ambiente, envolvendo os demais Ministérios, mas quem sempre aparece como interlocutor tem sido a Casa Civil. Com isso não se está conferindo ao Ministério do Meio Ambiente o legítimo poder, que ele deve e precisa ter, para ser o gestor e o formulador das políticas ambientais, perpassando toda e qualquer visão de desenvolvimento para o nosso País.

Identifico no Ministério problemas de natureza orçamentária, mas também é fundamental que o Governo brasileiro conceda a esse órgão a devida capacidade de articulação política, de gestão e de formulação das diretrizes de desenvolvimento, junto ao Ministério do Planejamento, ao Ministério da Agricultura, ao Ministério da Fazenda e tantos outros. 

É inadmissível que haja uma choradeira ou um discurso ambiental que, muitas vezes, é vendido por parte do Governo, quando as instituições públicas continuam fazendo financiamentos de projetos que são danosos ao meio ambiente. Existe aí uma certa incoerência, a que se referiu certa vez o Senador Josaphat Marinho e, nessa ocasião, senti-me lisonjeada. Dizia S. Exª que tanto ele quanto eu tínhamos um sério problema aqui nesta Casa, pois todos concordavam com as nossas teses, até que viesse o bendito “mas”. Todos defendem o meio ambiente com veemência, que a Amazônia é importante, mas, quando se trata daquela estrada que precisa ser feita, mesmo que não haja estudo de impacto ambiental, nem demarcação das reservas indígenas, nem um projeto de desenvolvimento que esteja preocupado com a sustentabilidade, temos que apoiar. Esse bendito “mas” é que quebra a hegemonia da concordância que temos na defesa da Amazônia e do meio ambiente.

Precisamos, em vez desse “mas”, que nega as teses defendidas de proteção à Amazônia e ao meio ambiente, ter uma visão afirmativa positiva, como está acontecendo nos Estados do Acre e do Amapá. Com muita alegria, registro artigo da Drª Maria Alegrete, publicado no Correio Braziliense do dia 15 do corrente, que faz uma análise altamente positiva do que vem ocorrendo no Estado do Acre:

...há algumas boas notícias também: segundo a secretária Mary Allegretti, o Acre é um modelo para o Brasil. Além de estar mais de 90% preservado, o Governo do Estado está desenvolvendo projetos alternativos para exploração florestal sem danos ao meio ambiente, especialmente ao longo das estradas, com previsão de asfaltamento, pois é ao longo das estradas que se dá o maior impacto ambiental.

O Acre aparece, também segundo dados do Governo, como sendo o Estado que teve uma redução da sua taxa de desflorestamento e isso não significou uma diminuição de produção. Tivemos, pelo contrário, um crescimento significativo em termos da nossa produção de grãos e de leite. O que significa dizer que essa história de ampliar a área para o desflorestamento em função da necessidade do crescimento da produção não é inteiramente verdadeira. Se investirmos em tecnologia para o aproveitamento adequado das áreas já desflorestadas, utilizando essas áreas inclusive a partir das técnicas desenvolvidas principalmente pela Embrapa, em que é possível dobrar a nossa capacidade de produção agrícola ou pecuária - até que poderíamos mais do que dobrar, sem precisar ampliar a área de desflorestamento, apenas utilizando uma coisa simples, mas que requer uma certa tecnologia, que é o manejo de pastagem -, poderemos utilizar nossa floresta, a partir da exploração madeireira. Mas que não seja aquela política de gafanhoto, que entra na floresta e vai tirando tudo que é madeira nobre, como cuaricuara, cumaru de ferro, cumaru de cheiro, mogno, enfim, todas as espécies nobres, de uma forma predatória, mas, sim, de forma manejada, sustentada, a partir das técnicas que já foram muito bem desenvolvidas pelas pessoas que têm o conhecimento. Então, existem várias alternativas.

A Amazônia não é um espaço homogêneo e que não tenha a presença humana. Muita gente pensa que se deve povoar a Amazônia porque é um vazio demográfico. Ela não é um vazio demográfico. A Amazônia tem 20 milhões de pessoas e é uma floresta altamente diversificada e que, para continuar sendo a Amazônia, só pode ser explorada se considerada sua diversidade.

É estranho que muitos projetos mirabolantes, seja na tentativa de implementar monocultura na Amazônia ou no sentido de colocar os grandes projetos de mineração e de exploração madeireira, não tenham considerado que não é possível fazer isso sem que a Amazônia deixe de ser a Amazônia.

Ouvi com muita atenção o discurso do Senador Moreira Mendes, fazendo um apelo no sentido de que Rondônia deve ter todo o cuidado com as áreas de preservação que estão sendo invadidas. É muito fácil dizermos que existe uma quantidade grande de áreas preservadas, que já está tudo no papel ou no zoneamento, tudo muito bem desenhado. O importante é termos o cuidado para que essas áreas sejam respeitadas, não haja exploração de madeira na terra dos índios, nem dentro das reservas extrativistas ou das áreas de preservação permanente. Esse é o lado difícil.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Senadora Marina Silva, permita-me interromper V. Exª apenas para prorrogar a sessão por alguns minutos a fim de que V. Exª possa concluir o seu discurso.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço a V. Exª por essa deferência. Hoje, eu decidi que iria falar nem que fosse para as cadeiras, porque, infelizmente, precisamos sair desse velho paradigma de que, para desenvolver a Amazônia, temos que copiar necessariamente o modelo do Sul e do Sudeste. Não precisamos!

Fico entristecida quando ouço esses argumentos, porque geralmente eles vão em duas direções. Uma delas no sentido de fazer na Amazônia aquilo que já se fez na Mata Atlântica. Eu não quero! Eu não quero para a Floresta Amazônica o futuro que foi dado a Mata Atlântica, que hoje só tem 8%. O outro sentido é alegar que regiões desenvolvidas como Europa e Estados Unidos, que acabaram com as suas florestas, hoje, ficam cobrando que preservemos aquilo que eles não preservaram. Eu também não faço de questão desse direito de fazer as besteiras e as burrices que já fizeram na minha frente. Eu reivindico o direito ou, pelo menos, a forma inteligente de evitar que os mesmos erros praticados no passado sejam praticados no presente. Essa é a oportunidade que o Brasil tem, que a Amazônia tem e da qual não vamos abrir mão.

Como falei, lá no Acre, estamos compatibilizando vários aspectos da economia, desde a política voltada para o extrativismo, como a política de subsídios para a borracha e a castanha, a diversificação da utilização dos nossos recursos florestais, que não envolve apenas exploração madeireira, mas, também, manejo florestal, certificação de origem. Na mesma direção do Acre, há o exemplo do Amapá. Gostaríamos e lutamos muito para que esse modelo, esse novo paradigma de desenvolvimento possa ser uma base de referência para as políticas públicas na Amazônia, porque, até hoje, o que tem se constituído é um grande fracasso.

E, a cada ano, quando temos o anúncio de que 19 mil km² foram devastados, seria muito bom que houvesse uma avaliação - não sei como se chama tecnicamente - da produtividade e do desempenho da qualidade social dessas áreas devastadas, para que pudéssemos fazer um balanço, mostrando se isso está compatível com o prejuízo causado em termos de biodiversidade. A biodiversidade brasileira, da qual a Amazônia é a maior detentora, equivale a R$4 trilhões, Sr. Presidente! E estamos simplesmente tocando fogo naquilo que se pode constituir em uma grande riqueza e em um grande referencial de desenvolvimento para as populações daquela região e do País - afinal de contas, a Amazônia já se viabilizou, durante quase 100 anos, utilizando apenas dois produtos da sua biodiversidade: a borracha e a castanha.

Atualmente, com todo o avanço tecnológico no campo da biotecnologia, com certeza, se houvesse uma política séria de aproveitamento dos nossos recursos naturais, se tivéssemos uma lei aprovada de acesso aos recursos da nossa biodiversidade, o Brasil poderia contar com mais essa fonte que está sendo hoje biopirateada.

Há parlamentares que não aprovam ou que engavetam a lei de acesso e ficam dizendo que estão internacionalizando a Amazônia. Não percebem que a Amazônia não será internacionalizada somente com a chegada de americanos ou de europeus. Não. Aqui eles se instalam e, com a falta de leis, de regulamentação correta, justa, e de princípios de eqüidade, vão utilizando os nossos produtos e ganhando dinheiro nos seus países de origem, enquanto as nossas populações continuam cada vez mais empobrecidas.

Sr. Presidente, quero concluir dizendo que esse número apresentado tem que ser necessariamente acompanhado de uma nova estratégia de combate ao crescente desflorestamento da Amazônia. Para isso, não basta a ação meritória de pessoas e funcionários que, às vezes, sacrificam a própria vida para a realização e o cumprimento da sua função e do empenho do Ministro do Meio Ambiente. Acima de tudo, é necessária uma política ambiental que considere a visão de desenvolvimento a partir de critérios de sustentabilidade.

Chega de se fazer discurso “para inglês ver”, em que as coisas estão todas muito bonitinhas, mas, ao mesmo tempo, quando se traçam as políticas de desenvolvimento ou de crédito, está-se patrocinando, financiando, estimulando, incentivando políticas danosas ao meio ambiente. Trata-se de uma relação esquizofrênica, mas que parece dar bons resultados, pelo menos políticos. Faz-se um discurso, mas a prática é diferente daquilo que se discursa.

Acredito que, a partir de agora, temos que agir concretamente no sentido de que o Ministério do Meio Ambiente seja fortalecido. Não me refiro a um fortalecimento apenas orçamentário, mas da sua estrutura política de ação, de capacidade de articulação junto aos demais Ministérios. Do contrário, continuaremos com um discurso “para inglês ver” e com uma prática que, a cada ano, nos revela dados como este: mais de 19 mil quilômetros quadrados de área completamente destruída. Sem falarmos que existe uma área talvez equivalente, em termos de ação antrópica, principalmente a partir da exploração predatória de madeira.

Quero aqui, com muita alegria, registrar o exemplo do Acre e do Amapá que figuram como modelos, pois, além de reduzirem o índice de devastação, ampliaram a sua capacidade produtiva.

Estamos vivendo um momento muito oportuno no que concerne à discussão da medida provisória que modifica o Código Florestal brasileiro.

Fico entristecida quando ouço dizerem que devemos acabar com os limites em termos de reserva legal. Não advogo essa tese, e, sim, a de que devemos permanecer com os 80% de área preservada para a Amazônia, sendo que qualquer flexibilização nesse sentido só poderá ser feita a partir dos zoneamentos ecológico e econômico. Esses zoneamentos têm que existir a partir de parâmetros que os caracterizam, para que não se tenha proposta de zoneamento de encomenda, simplesmente para reduzir a área de reserva legal.

Assim, a própria comissão, o Deputado Micheletto, que está fazendo um esforço para discutir o assunto com a sociedade, com os parlamentares na região, deve considerar esses 19 mil quilômetros quadrados, que foram devastados dos 4 milhões que temos na Amazônia. Se a devastação continuar nesse ritmo, daqui a algum tempo teremos os mesmos problemas que têm hoje as regiões onde havia mata atlântica; ou seja, problemas de escassez de recursos hídricos e muitos outros.

Na Amazônia, por incrível que pareça, em alguns lugares, já precisamos de programas de açudagem, porque foi feita uma exploração predatória, sem nenhum critério, até mesmo com dissenso. Nem seriam necessários parâmetros científicos. Bastaria ter um pequeno bom senso para se verificar que se forem desflorestadas as margens dos igarapés e as cabeceiras dos rios e dos igarapés, vamos ter o problema da seca. Isso já acontece. Mas quando tentamos impor esses limites, as pessoas dizem que somos contra o progresso e o desenvolvimento. Esse tipo de progresso, que sacrifica os recursos de um milênio pelo lucro de dois, três, quatro ou cinco anos, para mim, não é progresso. Só posso chamar de burrice!

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/05/2001 - Página 9797