Discurso durante a 55ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

ANALISE DAS ESTATISTICAS REFERENTES AO CONSUMO DE ENERGIA ELETRICA, QUE JA PRENUNCIAVAM A CRISE ATUAL NO SETOR, E EVIDENCIAM A FALTA DE INVESTIMENTOS NA GERAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELETRICA. APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI QUE ESTABELECE MAIOR PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NAS DECISÕES DAS AGENCIAS REGULADORAS.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • ANALISE DAS ESTATISTICAS REFERENTES AO CONSUMO DE ENERGIA ELETRICA, QUE JA PRENUNCIAVAM A CRISE ATUAL NO SETOR, E EVIDENCIAM A FALTA DE INVESTIMENTOS NA GERAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELETRICA. APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI QUE ESTABELECE MAIOR PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NAS DECISÕES DAS AGENCIAS REGULADORAS.
Publicação
Publicação no DSF de 19/05/2001 - Página 9853
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, SITUAÇÃO, SETOR, ENERGIA ELETRICA, PAIS.
  • ANALISE, CRISE, ENERGIA ELETRICA, RESPONSABILIDADE, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, AUSENCIA, INVESTIMENTO, SETOR, FALTA, INCENTIVO, FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA.
  • AVALIAÇÃO, RACIONAMENTO, ENERGIA, PREJUIZO, ECONOMIA, REDUÇÃO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), AUMENTO, DESEMPREGO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, OBJETIVO, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE, PROCESSO, DECISÃO, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA (ANEEL).

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje o Governo anunciará à Nação as medidas relativas ao racionamento de energia elétrica, e quero aproveitar esta oportunidade para falar um pouco sobre a situação do setor energético do nosso País.

A crise energética que atualmente estamos sofrendo tem - como já tive a oportunidade de dizer desta tribuna - raízes históricas, visto que o Brasil é um país de vocação hidrelétrica, com mais de 90% de sua energia gerada em usinas hidrelétricas. Agora essa espécie de monopólio vem sofrendo profunda instabilidade em razão da falta de investimentos no setor.

Se examinarmos alguns dados relativos aos anos 90, constataremos a insuficiência dos investimentos em novas unidades de produção de energia elétrica. Em 1990, o País consumia 205 terawatts/hora, ou seja, 205 milhões de megawatts/hora, gerados a partir de uma capacidade instalada de 49.750 megawatts. Em 2000, consumiu 306 terawatts/hora, ou seja, 306 milhões de terrawatts/hora, a partir de uma capacidade instalada de 66.200 megawatts. Isso significa que, enquanto o consumo cresceu 49,3% (ou seja, 4,1% ao ano), a capacidade instalada cresceu apenas 33% (2,9% ao ano).

A partir de 1995, quando se abriu oficialmente o setor energético aos investimentos privados, os números também mostraram a insuficiência dos investimentos. Entre 1995 e 2000, o consumo anual cresceu 4,2% enquanto a capacidade instalada, apenas 3,6%.

Esses dados mostram que a crise já era esperada - e digo que já era esperada, porque os números da década de 80, principalmente os da segunda metade dessa década, são números ainda mais graves -, mas foi negligenciada pela gestão pública do setor. A falta de investimentos em geração nos últimos anos levou-nos a essa crise e, como não há meios técnicos e políticos para remediá-la prontamente, a única alternativa encontrada pelas autoridades foi impor, a partir do dia de ontem e hoje, com o anúncio mais detalhado das medidas que já começam a ser divulgadas pela imprensa, o racionamento, cujas conseqüências ainda não estão claramente visualizadas, mas, com certeza, não serão boas nem para a economia nem para a população, sobretudo para os setores mais fragilizados na nossa sociedade.

Técnicos e especialistas da área são unânimes em apontar prejuízos incalculáveis para a economia: o impacto do racionamento provocará queda na produção e no PIB, conseqüentemente gerando desemprego, perdas na balança comercial - que já começam a ser mensuradas -, impactos inflacionários, com alta nos preços ao consumidor, além de constrangimento à população e a todo o setor produtivo no nosso País. E estamos ouvindo diversas declarações, inclusive as de empresários já insinuando transferência de unidades produtivas para outros países, o que é muito grave e lamentável.

Nos últimos anos, Sr. Presidente, os diversos governos concentraram os seus esforços na manutenção da matriz energética tradicional, investindo em grandes projetos hidrelétricos, quando também poderiam ter direcionado recursos - e não o fizeram - para a construção de pequenas usinas, em diversos pontos do País, aproveitando a nossa privilegiada condição hidrográfica, aproveitando as nossas quedas d’água, as pequenas quedas d’água.

Outra alternativa, Sr. Presidente, poderia ter sido a introdução de usinas termelétricas a gás, apesar de o custo do gás natural para manutenção ser muito elevado - e, pior, dolarizado -, o que certamente inibiu os investimentos em sua construção e na montagem do sistema de geração.

Há informações muito interessantes na coluna de Celso Pinto publicadas no dia de ontem no jornal Valor Econômico e reproduzidas em outros jornais no nosso País. As informações mostram que essas usinas poderiam ter iniciado suas respectivas construções há dois anos. Por falta de decisão do Governo em relação ao risco cambial, do custo do gás ou do transporte do gás, essa decisão não foi tomada até o dia de hoje. E pior: parece que a solução técnica discutida há dois anos só agora

            Parece que a solução técnica, discutida há dois anos atrás, só agora - com a crise - será adotada, ou seja, a Petrobras vai assumir o risco cambial para que essas termelétricas a gás possam funcionar e terem um certo papel de regulação no sistema elétrico do nosso País.

Mais do que racionar energia, essa crise está intimando o Governo e a sociedade em geral a uma mudança radical no tratamento e nas relações com o setor energético. Ou o Brasil adota uma política de incentivos e de maior agilidade para o setor, estimulando a iniciativa privada na construção de novas usinas, ao invés de apenas alienar as usinas já construídas, ou não terá capacidade, como não tem atualmente, de responder às crescentes demandas de energia. Na nossa situação, não adianta vender ativo velho, pois isso não vai gerar nem um megawatt a mais para o País.

E nas medidas que serão anunciadas, Sr. Presidente, fica claro que os empresários não poderão investir em novas unidades de produção. São decisões que constrangem o empresariado nacional e estrangeiro no momento de fazerem novos investimentos no País, que seriam geradores de emprego, de renda, de impostos, assim por diante. Ou seja, os erros do Governo vão impedir o País de crescer e de gerar emprego para a nossa população. Isso é um contra-senso.

Nos últimos anos os investimentos em geração têm sido inversamente proporcionais ao consumo. Para piorar a situação, a cada novo ano, algumas usinas operam com maior desvantagem, por causa da redução do nível dos reservatórios, o que é mais uma agravante ao já desolador quadro e torna inevitável a ocorrência de apagões e risco de blecautes, como já aconteceu em algumas regiões.

Destacamos alguns dados que confirmam a situação precária do setor: desde 1994, os reservatórios de algumas usinas eliminam mais água do que a acumulada pelas chuvas. Há um déficit notório, apesar de o sistema ser planejado para que, em condições normais, os reservatórios cheguem praticamente cheios ao final do período de chuvas.

Na Região Sudeste, cujos reservatórios são muito importantes para o equilíbrio do fornecimento de energia ao País, até 1993, eles oscilavam entre 90% e 98% da capacidade. Em 2001, com o fim das chuvas, estão abaixo de 34%. Isso aconteceu porque, entre 1991 e 2001, a taxa de crescimento do consumo foi de 4,1% ao ano, mas a da oferta cresceu 3,3% ao ano, em média, gerando uma defasagem acumulada superior a 10% na década.

            Esses números são reveladores e por si só anunciaram não só essa crise, mas explicitaram os equívocos de um modelo energético concentrado nas hidrelétricas e denunciaram a falta de políticas estratégicas que viessem suprir as necessidades do setor.

Pelo quadro que aí está, com ou sem racionamento, dificilmente contornaremos em um curto ou médio prazo a escassez de energia, pois a situação é crítica, uma vez que a estiagem nos próximos anos fatalmente comprometerá ainda mais os reservatórios das hidrelétricas no nosso País. Além do mais, mesmo que as 49 usinas termelétricas a gás projetas pelo Governo comecem a ser construídas, haverá um lapso de tempo para serem concluídas, se não me engano algo em torno de dois ou dois anos e meio para construção de uma termelétrica. Volto a dizer que a termelétrica tem que dimensionar o problema do custo e do transporte do gás, dos equipamentos importados, da variação do dólar e mais o processo de montagem, construção e operação. Nesse período, como suprir a falta de energia? Vivemos, inclusive, um paradoxo. Os reservatórios do norte e do sul têm volume excedente, mas, em virtude da ausência de uma rede interligada de transmissão, não podemos redirecionar a energia dessas usinas que estão com sua capacidade ociosa, enquanto as usinas do sudeste estão incapacitadas de operar plenamente. Por isso, enfatizo a necessidade de se investir maciçamente na construção de redes de transmissão para interligar os vários sistemas em operação.

Aqui também faço um parênteses para lembrar que há 15 ou 20 dias estive nesta tribuna relatando uma das últimas reuniões do Conselho Nacional de Desestatização - CND, para autorizar Furnas a voltar a investir no sistema de geração e transmissão de energia. Nessa reunião, foi divulgada uma pequena informação muito importante: há três anos Furnas estava proibida de investir. Em função da crise, Furnas voltará a investir. Neste ano, o Governo autorizou o investimento de mais de R$960 milhões, o que significava, naquele dia da decisão, alguma coisa como um terço do que o Governo tinha de previsão orçamentária para investir no setor elétrico. Esse é outro contra-senso e mostra que a proibição de investimento das estatais, esperando a privatização, foi outro grande equívoco praticado pelo Governo. Quero, portanto, enfatizar a necessidade de se investir maciçamente na construção de redes de transmissão para interligar os vários sistemas de operação.

Quero ressaltar aqui a nossa preocupação com os rumos da privatização do setor, porque até o momento não sentimos qualquer benefício. Até diferentemente de outras áreas, como telecomunicações e outros setores. Pensava-se, Sr. Presidente, que com a reforma do setor elétrico, estariam garantidos: melhor qualidade dos serviços, expansão do sistema, eficiência e preços mais baixos. Mas isso definitivamente não ocorreu. Ao contrário, o que temos é um desabastecimento de energia, por culpa e obra da falta de planejamento que levou ao fracasso do nosso tradicional modelo energético.

O PPS não é contra a presença do capital privado no setor de produção de energia. Alertamos, porém, que a modelagem adotada pelo Governo se mostrou ineficiente e precisa ser repensada e modernizada. Temos aí o exemplo da Califórnia, que tenho citado muitas vezes desta tribuna, e pode ser um exemplo a ser analisado pelo Governo brasileiro. Não defendemos a situação do “quanto pior, melhor”, isso não é a cara do PPS, não é o jeito do nosso Partido agir e fazer política. Queremos que o Governo assuma sua parcela de responsabilidade na falta de uma política preventiva para o setor e passe a agir, é isso o que queremos. Nisso também reside a nossa preocupação quanto às conseqüências do brutal fracasso do setor energético, para evitarmos que a discussão em torno dessa crise desnivele o debate e escoe para o maniqueísmo na análise de tudo quanto foi realizado nos últimos anos.

Temos até uma preocupação no sentido de que não fique a idéia de que tudo o que foi feito seguiu um caminho equivocado ou foi mal feito, o que não é verdade. Isso vai empobrecer o debate das grandes questões do nosso País, da reforma do Estado brasileiro, vai empobrecer o debate do futuro que queremos para a Nação que queremos deixar para os nossos filhos e netos, enfim, para as próximas gerações. Pois, se deslocarmos o enfoque, agindo sem a responsabilidade de uma crítica construtiva, estaremos seguindo por um caminho indesejável, em detrimento de soluções que poderiam ser compartilhadas não só pelos políticos, pelos partidos políticos, mas pela sociedade civil organizada e por todos aqueles interessados em resolver essa situação tão penosa para o cidadão e para a produção nacional.

Sr. Presidente, temos, também, esperança de que, no bojo dessa crise, surjam alternativas para a diversificação da matriz energética nacional, protegendo-nos de enfrentar, no futuro, novas privações, novos racionamentos, novas racionalizações, e assim por diante. Digo mais: essa crise está servindo também de suporte de mobilização, para que possamos mudar nossa cultura no relacionamento com a energia e com o meio ambiente, com os recursos naturais renováveis e com os não renováveis, tendo presente a possibilidade de nos conscientizarmos, definitivamente, da necessidade do uso adequado dos recursos hídricos, do uso adequado da energia, evitando o desperdício, que é próprio da vida do nosso País. Podemos nos educar para usar melhor a energia, contribuindo, assim, para preservar recursos abundantes em nosso território em comparação com outros países - como a água, por exemplo -, que, muitas vezes, são pessimamente utilizados.

            Tenho esperança na diversificação da matriz energética e, mesmo vivendo uma crise como essa, que tem causado constrangimentos à população, tenho esperança de que uma mobilização nacional nos empurre em uma direção civilizatória, de relacionamento adequado com os recursos naturais, com o meio ambiente, com a energia, com a água tratada, e assim por diante.

O momento suscita ainda a discussão do papel das agências reguladoras, especialmente o da Aneel. A cada desdobramento da crise de abastecimento de energia fica evidente que ela poderia ter sido minorada ou evitada se a Aneel tivesse cumprido à risca o papel que lhe foi delegado pelo Congresso Nacional, que é o de zelar pelo interesse do cidadão. Quando ouço o Presidente da agência falando, parece-me que estou ouvindo alguém do Ministério das Minas e Energia. E esse não é o seu papel. Se assim fosse, não precisaríamos da agência, era só manter o Ministério.

Isso nos leva à conclusão de que é preciso aumentar o controle social sobre as agências - e aqui eu não me refiro apenas à Aneel, mas a todas as outras agências reguladoras. É com esse espírito que estou estudando e apresentarei a esta Casa, nos próximos dias, um projeto que aperfeiçoa o papel das agências reguladoras, que nós, do PPS, consideramos um avanço para o País. Queremos discutir um mecanismo de controle social do funcionamento das agências.

Por último, Sr Presidente, quero registrar que, na próxima terça-feira, na parte da manhã, teremos uma audiência pública com a presença do Ministro Pedro Parente, do Ministro das Minas e Energia, Senador José Jorge, do Presidente da Aneel, do Operador Nacional do Sistema e de alguns representantes da academia, pessoas que discutem a situação do setor elétrico e podem dar contribuições importantes. Entendo que esse será um momento importante, que se somará a diversas outras atitudes que este Parlamento tem tomado, entre elas a que as Bancadas do PPS e do PDT tomaram na Câmara dos Deputados e a que a Bancada do PPS tomou nesta Casa, esta semana, de constituir uma comissão especial para avaliar a situação desse setor - não para criticar os erros somente, mas apresentar propostas, a fim de que o País não passe por esse constrangimento nos próximos anos.

Era isso o que tinha a dizer. Agradeço a atenção dos Srs. Senadores.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/05/2001 - Página 9853