Discurso durante a 55ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A NECESSIDADE DE REJEIÇÃO AOS VETOS PRESIDENCIAIS AO PLANO DE EDUCAÇÃO - PNE, CONSUBSTANCIADO NA LEI 10.172/01.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A NECESSIDADE DE REJEIÇÃO AOS VETOS PRESIDENCIAIS AO PLANO DE EDUCAÇÃO - PNE, CONSUBSTANCIADO NA LEI 10.172/01.
Publicação
Publicação no DSF de 19/05/2001 - Página 9862
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, EXECUTIVO, VETO (VET), PLANO, EDUCAÇÃO.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, PROJETO, COMBATE, ANALFABETISMO, INCENTIVO, AUMENTO, RECURSOS, EDUCAÇÃO.
  • CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUSENCIA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, FALTA, MÃO DE OBRA ESPECIALIZADA, EFEITO, AUMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos diante de mais um paradoxo da política do atual Governo. Encontram-se, no Congresso, para análise dos parlamentares, os nove vetos presidenciais ao Plano Nacional de Educação - PNE - Lei n.º 10.172/01. O Presidente da República sancionou o plano há pouco tempo, mas retirou dele a eficácia de combate ao analfabetismo e de melhoria dos padrões de ensino brasileiro.

O Plano poderia ser o grande marco de nossa educação. Desfigurado pelos vetos do Executivo, ele frustra os diversos segmentos sociais que lutam por um plano educacional efetivo e por uma escola pública democrática e de boa qualidade para todos.

A sociedade, por meio de profissionais da educação, estudantes, pesquisadores, cientistas e pais de alunos apresentou a sua proposta de PNE. Ela foi elaborada por milhares de pessoas de todo o País, cuja síntese foi produzida em dois congressos nacionais de educação, realizados em Belo Horizonte. A Câmara dos Deputados deu à referida proposta a forma do Projeto de Lei nº 4.155/98.

Alinharam-se, naquele texto, medidas para equacionar a grave questão educacional no Brasil. É uma propositura baseada na evidência de que o poder público gasta muito pouco - e mal - com educação. Daí a sua principal meta ser a de elevar esse gasto: dos cerca de 4% do PIB, como ocorre hoje, passaria para 10% do PIB, após dez anos.

Poucas propostas, como o Plano, tentaram dialogar realmente com a sociedade. Esse diálogo, entretanto, foi fulminado pelos vetos presidenciais. Destacam-se os vetos às propostas de elevar o gasto público total em educação e de determinar à União a subvinculação de 75% de suas verbas destinadas à educação para o desenvolvimento do ensino superior público. Segue-se o veto à proposta que triplicava o dispêndio anual com a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico e soma-se ao que derrubou a determinação de implementar o chamado programa de garantia de renda mínima na educação infantil.

Foi riscada pela caneta do Presidente, ainda, a proposta de ampliar a oferta de ensino superior público para uma proporção nunca inferior a 40% do total do atendimento educacional nesse nível de ensino. O réquiem do Plano veio com o veto ao item que dispunha sobre implantação de planos gerais de carreira para os servidores técnicos e administrativos de educação básica.

Curiosa foi a forma como o Presidente “justificou” ao Congresso a sua decisão. Ele assinalou que a decisão foi definida pela equipe econômica e não pelo Ministério da Educação. Confessou que a tão questionada Lei de Responsabilidade Fiscal era a base para a maior parte dos vetos.

Resta a questão: onde está, afinal, o paradoxo a que nos referimos no início deste pronunciamento?

Sras. e Srs. Senadores, todos acompanhamos, recentemente, o grande esforço do Presidente Fernando Henrique para calar as críticas sobre a falta de atenção do Governo em relação à área social, ao apresentar um plano de investimento de R$67,2 bilhões, para os dois últimos anos de seu mandato. O plano prevê investimentos em 50 programas estratégicos na área social e em infra-estrutura. Os projetos sociais, que consumirão 83% dos investimentos globais, concentrarão recursos nas áreas de educação, saúde, reforma agrária e segurança.

Como entender, então, os cortes efetuados no PNE? Ao que parece, o Governo dá com uma das mãos e toma com a outra. Promete vultosos recursos para os projetos de grande apelo imediatista e retira apoio aos investimentos no ensino superior, estrangulando todo o sistema educacional e comprometendo o desempenho do País no mundo globalizado.

Tornou-se já um lugar comum dizer que o investimento em educação, ciência e tecnologia é decisivo para qualquer país que pretenda beneficiar-se da revolução do conhecimento em curso no mundo, da qual dependem o poderio das nações e a vitalidade das economias. A atitude do Governo, no seu “toma lá, dá cá”, mostra que lhe falta visão estratégica efetivamente capaz de estimular o desenvolvimento do saber de ponta no Brasil.

Há, ainda, um fator importante que surge com o próprio desenvolvimento da sociedade: a adequação da mão-de-obra às demandas tecnológicas. Antes, os grandes investimentos eram capazes de gerar uma quantidade enorme de empregos. A construção de uma usina hidrelétrica, por exemplo, tinha impacto imediato nos índices de desemprego do País. Hoje, a história é diferente. Não existem mais obras capazes de absorver um contingente formidável de operários. As oportunidades disponíveis no mercado de trabalho exigem mão-de-obra muito mais qualificada. E é aqui que está o ponto central: mais urgente que compreender como se chegou a esse cenário é buscar uma saída. E ela está, justamente, nos investimentos de caráter social, principalmente na educação.

Experiências recentes de recuperação dos indicadores econômicos e sociais de países como o Japão e a Coréia do Sul, ao lado de iniciativas bem-sucedidas vividas pelas nações da Europa após as duas guerras mundiais sinalizam que é esse o caminho a ser trilhado.

Além da relação direta com a empregabilidade, a educação, como sabemos, contribui, de forma decisiva, para a redução da violência e da miséria. Enfim, ataca as raízes dos principais problemas que assolam o País.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE - divulgou, dias atrás, uma lista de números mostrando as transformações sociais pelas quais passou o País, entre 1992 e 1999. A análise dos dados deixa claro que o Brasil melhorou em vários aspectos no período estudado, mas piorou em outros. No período analisado, a distância entre ricos e pobres no Brasil aumentou mais ainda. A camada mais baixa da população precisa trabalhar em média quase três anos para atingir o rendimento médio mensal da camada mais rica. É uma das distribuições de riqueza mais injustas do mundo.

Para se ter uma idéia da inserção do fator educação nesse quadro, levemos em conta que entre os 10% mais ricos do País, que recebem uma renda mensal de 3.500 reais, estão as pessoas com grau de instrução superior. Entre os 60% mais pobres, que recebem uma renda mensal de 220 reais, estão as pessoas com a educação fundamental incompleta - ginasial incompleto.

É evidente que não se pode atribuir à educação a razão principal da concentração de renda, que é um daqueles problemas que misturam razões históricas, ligadas à herança escravocrata, geográficas e étnicas. É inegável, entretanto, que só o investimento maciço em educação, em médio e longo prazo, poderá diminuir a distância que separa as camadas mais pobres das classes mais abastadas.

Mas não só o investimento em educação fundamental e média deve ser efetuado. É preciso investir, também, no ensino superior e na produção científica e tecnológica, que está, hoje, sobretudo, nas mãos das instituições públicas. É preciso, portanto, impedir o desmantelamento das universidades públicas, mantendo e ampliando, cada vez mais, seu trabalho educador e científico, que tem muitos defeitos e deficiências, mas que são a única garantia que o País tem, hoje, de ensino e de pesquisa de qualidade. Sem as universidades, o País não tem futuro. É preciso expandir a base científica para atender às necessidades de crescimento econômico e social do Brasil.

Não se pode, portanto, aceitar, passivamente, os vetos presidenciais ao Plano Nacional de Educação. No atual contexto mundial, em que as políticas públicas de países como o Brasil são regidas por agências como a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, um plano educacional poderia recuperar a política como atividade própria da sociedade, constituindo um poderoso auxílio popular em busca de direitos sociais.

O Plano pode contribuir para equacionar os dilemas brasileiros de médio e de longo prazo, apontando saídas construtivas para o nosso povo. Mas, para isso, não pode ser mutilado. É preciso fixar as referências do investimento público, os meios para a conquista de qualidade social na educação e os mecanismos que viabilizam a sua gestão democrática.

Por fim, Sr. Presidente, tenho recebido em meu gabinete correspondências dos mais variados setores da sociedade, sobretudo das áreas ligadas à educação, alertando para a mutilação que os vetos presidenciais trouxeram ao Plano Nacional de Educação. Portanto, a sociedade está mobilizada e atenta para a questão e ainda depositando nesta Casa esperanças para a derrubada dos vetos e o conseqüente restabelecimento integral do Plano Nacional de Educação aprovado no Congresso Nacional, que entendemos como um legítimo instrumento de redenção da educação brasileira.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/05/2001 - Página 9862