Discurso durante a 56ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CRISE DE ENERGIA ELETRICA NO PAIS. APELO AO GOVERNO PARA QUE DISPENSE UM TRATAMENTO ADEQUADO AO SETOR AGRICOLA NACIONAL.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA. POLITICA AGRICOLA. ESTADO DE GOIAS (GO), GOVERNO ESTADUAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A CRISE DE ENERGIA ELETRICA NO PAIS. APELO AO GOVERNO PARA QUE DISPENSE UM TRATAMENTO ADEQUADO AO SETOR AGRICOLA NACIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/2001 - Página 9979
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA. POLITICA AGRICOLA. ESTADO DE GOIAS (GO), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • APREENSÃO, CRISE, SISTEMA ELETRICO, BRASIL, PREVISÃO, REDUÇÃO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), COMENTARIO, SITUAÇÃO, USUARIO, RESIDENCIA, COMERCIO, INDUSTRIA.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, FALTA, PLANEJAMENTO, POLITICA ENERGETICA, ESPECIFICAÇÃO, OMISSÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), MINISTERIO DO ORÇAMENTO E GESTÃO (MOG).
  • REGISTRO, GESTÃO, ORADOR, EPOCA, GOVERNADOR, ESTADO DE GOIAS (GO), AUMENTO, PRODUÇÃO, ENERGIA ELETRICA, AMPLIAÇÃO, SANEAMENTO BASICO.
  • APREENSÃO, FALTA, ATENÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PRODUÇÃO AGROPECUARIA, DEFESA, PRIORIDADE, DEFINIÇÃO, NORMAS, GARANTIA, PRODUTOR RURAL.
  • CRITICA, GOVERNADOR, ESTADO DE GOIAS (GO), DESCUMPRIMENTO, PROMESSA, CAMPANHA ELEITORAL, PRIVATIZAÇÃO, CENTRAIS ELETRICAS DE GOIAS S/A (CELG), COMPANHIA DE SANEAMENTO DE GOIAS S/A (SANEAGO).

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senhor Presidente da República declarou, há pouco tempo, que foi surpreendido com essa situação crítica que é a questão da energia elétrica que abastece o nosso País. Não apenas o Senhor Presidente da República, mas praticamente toda a população brasileira ficou surpresa com a notícia de que já se tornava crítico o sistema energético brasileiro e com as providências já anunciadas para evitar mal maior. Inegavelmente, encontramo-nos diante de um impasse.

Esse racionamento a que será submetido o País - tanto os consumidores, no âmbito de suas residências, quanto o comércio e, sobretudo, as indústrias, uma vez que estas consomem praticamente 45% de toda a energia produzida no País - imporá à população brasileira conseqüências imprevisíveis. Suposições a respeito dessas conseqüências são as mais variadas, chegando alguns a apontar uma queda, nos próximos 2 anos, de aproximadamente 1,5% a 2% do Produto Interno Bruto.

O desconforto às milhares de famílias Brasil afora, os desencontros - porque temos aí, hoje, grande número de casos especiais diante das providências e do sistema de racionamento adotado -, que obrigam a uma economia de 20% em relação ao consumo dos meses, salvo engano, de junho ou julho do ano próximo passado. Então, são milhares e milhares de casas que merecerão estudos especiais das distribuidoras de energia por este Brasil afora.

Sr. Presidente, não podemos deixar passar esse acontecimento sem as nossas observações, porque precisamos tirar dele lições para o presente e para o futuro, que ajudem a evitar, em outras áreas da nossa economia, transtornos como esse da insuficiência da energia em nosso País.

O Senhor Presidente da República se disse surpreendido. E posso dizer que ele, conhecendo-o como o conheço, sabendo ser um homem sério, um homem que procura ser o mais transparente possível nas suas atitudes, nas suas posições, teve a humildade suficiente para sentir-se surpreso e até indignado com essa situação a que chegamos. Contudo, Sr. Presidente, apesar de reconhecermos a impossibilidade de o Presidente acompanhar tudo, de saber de tudo - isso porque, sendo o Governo Federal uma imensidão de questões, muitas vezes o responsável maior pela administração fica impossibilitado de ter o conhecimento necessário até de pontos vitais -, a lição que precisamos tirar dessa situação é que o Governo não pode nunca deixar à vontade da área econômica da Administração Pública as decisões consideradas importantes.

Há quantos anos acontece isso! Não é apenas no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Era assim no Governo do Presidente José Sarney. A título de se consolidarem políticas econômicas, ficam o Presidente e outras áreas do Governo à mercê da boa vontade da equipe econômica. E o que precisamos reconhecer, Sr. Presidente, é que os economistas, os tecnocratas, aqueles que ditam as normas de políticas administrativas deste País não são os donos da verdade. São sábios, competentes, acredito no espírito de pátria de cada um deles, mas também estão sujeitos a erro.

Sr. Presidente, nenhum Ministro deste País tinha a ousadia de contrariar as posições e determinações dos Ministros da área econômica. O Ministro do Planejamento e o Ministro da Fazenda são os donos, os responsáveis por praticamente tudo. Se o plano de estabilização econômica ia dando certo, como contrariar essas figuras tão iluminadas? O erro foi o excesso de confiança e de poder atribuído aos Ministros da área econômica.

Estou à vontade para fazer essas observações porque, há muito tempo, quando era Governador do meu Estado, preocupei-me com a questão da energia elétrica. A duras penas, bons resultados foram obtidos, parte com financiamento externo concedido pelo Governo francês, uma vez que uma empresa francesa ganhou a concorrência para a produção da turbina e dos geradores. Observe-se que, no edital, constava a exigência de que, ganhando empresas internacionais, estas deveriam integrar-se a empresas nacionais para a fabricação dos equipamentos. Pois bem, em dois governos, conseguimos elevar nossa produção em aproximadamente 220 megawatts de energia, o que representa pouco mais de um terço da energia própria produzida no Estado de Goiás.

Além disso, também nos detivemos na área de saneamento, com a água tratada, sobretudo em Goiânia, cidade que conta com mais de 1 milhão de habitantes. Quando assumimos o Governo, em 1983, já com 700 mil habitantes, apenas 40% da população era abastecida de água tratada. Cuidamos de construir complexos de captação e tratamento, que têm abastecido Goiânia e cidades vizinhas até hoje.

Srs. Senadores, é claro que um governo estadual vive melhor sua economia, visto que não está sujeita a modificações tão bruscas como se observa no país como um todo. Todavia, com todo o respeito que tenho pelo Ministro Pedro Malan - que considero uma das figuras mais importantes, merecedora do nosso respeito e admiração, que tem conduzido a economia com competência durante anos -, sem qualquer desmerecimento aos Ministros que ocuparam o Ministério do Planejamento, devo afirmar, sem medo de errar, que eles jogaram o Presidente da República numa fria, numa situação até de inibição, porque, durante todo esse tempo, eles não enxergaram nada mais no Governo senão a estabilidade econômica. Viam diariamente os índices inflacionários. Tomavam todas as medidas em torno disso. E assim nos jogam nesta situação constrangedora, de maneira tal que não sabemos os efeitos da escassez nem em quanto tempo conseguiremos superar essas dificuldades.

Sei que o Senhor Presidente da República assumiu a liderança dos trabalhos relativos à busca de soluções para a crise, incumbindo o Ministro Pedro Parente, seu auxiliar mais próximo, de coordená-los, com o intuito de evitar que os prejuízos sejam maiores durante a escassez de energia.

O ex-Ministro de Minas e Energia e os Ministros da área econômica poderão dizer que era impossível prever a redução das águas no ano 2001. Não, Sr. Presidente! Não é bem isso. Há três anos, as represas do rio Paranaíba estão vazias, e eles nem deram conta disso. É claro que a densidade de chuva no Centro-Oeste foi um pouco menor, mas não a ponto de comprometer o nosso sistema de produção.

Sr. Presidente, acredito no Presidente Fernando Henrique Cardoso, que Sua Excelência dará a volta por cima diante desse problema, mas precisamos tirar dessa questão da energia lições para que o Brasil não sofra amanhã conseqüências também desastrosas em outras áreas da nossa economia.

Refiro-me à área de produção agropecuária no Brasil. A área econômica do Governo não tem dispensado boa vontade à agricultura do Brasil. Só consegue buscar soluções que empurram para a frente as questões que afligem os produtores rurais, mas não buscam uma solução definitiva. Muitas vezes fica o Ministro da Agricultura a gritar sozinho diante da aflição dos agropecuaristas brasileiros. O Brasil poderia estar produzindo hoje em torno de 150 milhões de toneladas sem qualquer milagre. No entanto, estamos ainda sem chegar aos 100 milhões de toneladas. Mesmo assim, posso testemunhar que o fato de termos chegado ao patamar de 80 a 85 milhões de toneladas se deve a ordens que o Presidente muitas vezes tem dado, contrariando aqueles que acham que o Governo não pode gastar um centavo sequer em qualquer outra área da produção brasileira.

E amanhã não nos podemos assustar se, num futuro não muito remoto, formos surpreendidos com uma decadência total e fatal da agricultura no nosso País. Os débitos foram prorrogados, adiados, mas eles vencerão um dia.

Sr. Presidente, espero que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, antes do término do seu mandato, entregue à agricultura brasileira um plano agrícola definitivo, porque o agricultor, quando vai à roça semear, sabe os riscos que corre, sabe as garantias que tem, sabe que amanhã não estará como milhões e milhões de proprietários rurais deste País, entregando suas propriedades e inchando os grandes centros, aumentando as favelas e as periferias das cidades.

É preciso que o Governo, antes que seja tarde, busque regras duradouras ou - quem sabe - definitivas para a agricultura do nosso País. A agricultura deve ser tratada de maneira diferente dos demais setores da nossa economia. O comerciante merece o nosso carinho, pois é um instrumento do nosso desenvolvimento, da circulação de riquezas. Também temos de tirar o chapéu para o industrial, o qual devemos reverenciar, haja vista que transforma a matéria-prima, cria riqueza, gera emprego do dia para a noite. A agricultura, porém, é diferente dos outros setores econômicos, pois o agricultor está sujeito a intempéries, pragas, doenças, variação permanente de preço, condições das estradas no escoamento da sua produção, a tantos processos que trazem dificuldades e provocam mudanças repentinas na produção.

Praticamente todos os países desenvolvidos do mundo têm amparado a agricultura, uma vez que subsidiam direta ou indiretamente, socorrem, respeitam os produtores quando reclamam e reivindicam. No Brasil, não tem sido assim. Todos os agricultores que buscaram recursos nos bancos há décadas - não é de agora -, há muito tempo, foram passando por um processo de decadência. A agricultura ainda sobrevive por ser um segmento numeroso e porque o agricultor não sabe fazer outra coisa senão plantar ou criar, mas vai transferindo, como o Governo faz, para o ano seguinte a questão que deveria ser solucionada hoje. O agricultor transfere, adia, prorroga, mas continua devedor; a sua propriedade continua garantindo aquele débito, e nem ele e nem ninguém sabe o que pode acontecer no dia de amanhã.

Gostaria que essa questão da energia pudesse levar os Ministros da área econômica, do planejamento e da fazenda a refletir mais sobre as outras áreas da administração do nosso País. São recursos que não comprometem política central nenhuma, não. Muitas vezes gastamos bilhões com incentivos para Sudam, para Sudene e para outras áreas administrativas deste País, e um pouquinho aplicado na agricultura mudaria o nosso cenário produtivo.

Gostaria que os responsáveis pela nossa política econômica encarassem a administração como um todo, como uma orquestra que, em falhando um músico num determinado momento, pode destoar todo um trabalho.

Não podemos relegar ninguém. Não podemos subestimar área nenhuma neste País. Todas têm o seu papel. Se a energia é considerada essencial, a agricultura também o é. No dia em que a agricultura falir de uma vez por todas, neste País, a próxima falência será a da indústria, porque é a agricultura que, querendo ou não, sustenta a indústria; falindo a indústria, virá imediatamente a falência do comércio. Aí, será a falência total da sociedade brasileira.

Assim, Sr. Presidente, quero que este momento de dificuldades por que estamos passando, advindo da escassez de energia em nosso País, sirva para que o Governo, o Senado, a Câmara dos Deputados e todos aqueles que têm nas mãos a responsabilidade de decisão tirem lições, para que não vivenciemos dificuldades maiores no dia de amanhã.

Devido a esse momento complexo por que passa o País, tenho me posicionado absolutamente contrário à venda das Centrais Elétricas de Goiás. O atual Governo goiano procura justificar a venda das Centrais Elétricas com a alegação de que o Governo do PMDB, mais especificamente o Governo do Senador Maguito Vilela, teria vendido a geradora de Cachoeira Dourada. Àquela época, eu me posicionei, em princípio, contra, até que o Governador Maguito nos disse que a geradora não seria tirada do lugar e que aquele que a adquirisse não reduziria a sua produção, pois só teria energia elétrica para vender. E ainda que, em atendimento à política de privatização do Governo Federal, o resultado da venda poderia ser investido em outros setores. A distribuição, não; essa ficaria como Governo.

Sr. Presidente, cedi àquelas explicações e justificativas do nosso Governador e não criei mais problemas. Eles têm alegado que se o PMDB vendeu a geradora, não tem autoridade para criticar a venda da distribuidora. Estou muito à vontade para me posicionar inteiramente contrário, porque o único debate público que tive com o atual Governador foi numa emissora de rádio de Goiânia.

Naquele debate, o repórter perguntou-me qual seria minha posição em relação à venda das Centrais Elétricas e da Companhia de Saneamento de Goiás, que é estadual, se eleito. Disse: Sou absolutamente contrário. Entendo que os serviços de distribuição de energia e de água são essenciais, não podem ser entregues à iniciativa privada, porque não é possível haver dois concorrentes. É praticamente um monopólio.

A mesma pergunta foi dirigida ao atual Governador. Questionaram: “E você, Deputado, eleito Governador, qual será sua posição?” Respondeu que não apenas se declarava contrário, mas assumia um compromisso de honra de que, eleito, as Centrais Elétricas e a Saneago não teriam preço nem seriam vendidas. Mas, de repente, de uma hora para outra, mudou de posição, como se o povo não merecesse o mínimo respeito, ainda mais agora.

Sr. Presidente, como admitir a venda de um patrimônio público como aquele no momento em que tem valor tão reduzido por conta da crise de energia elétrica? Posso me conformar com a transferência de uma empresa estadual que distribui energia em todo o Estado de Goiás e em parte dos Estados do Mato Grosso e do Tocantins nas mãos de uma multinacional que, muitas vezes, não tem alma nem pátria, compra o nosso patrimônio, estando devidamente contabilizado o seu rendimento mensal, quanto poderão mandar para o seu país no mês seguinte? Nesse caso, onde ficará o consumidor do meu Estado?

Não existem duas redes de energia elétrica nas ruas ou nas indústrias. É uma só. Quando há concorrência, o consumidor chega a um supermercado e é explorado, dirige-se, na compra seguinte, a outro estabelecimento. Se não é bem tratado numa farmácia, procura outra na próxima vez. Mas o consumidor de energia elétrica não terá outra empresa para procurar, pois não há duas fornecedoras.

O SR. PRESIDENTE (Antero Paes de Barros) - Senador Iris Rezende, o tempo de V. Exª já está esgotado há oito minutos.

O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Estou terminando, Sr. Presidente. Muito obrigado pela tolerância de V. Exª.

Assim, seria a dilapidação de um patrimônio público valiosíssimo, já que é o único Estado brasileiro que tem praticamente 95% das propriedades rurais eletrificadas. Todas aquelas redes foram doadas à empresa, até quando construídas pelos proprietários rurais.

Desenvolvemos um projeto extraordinário de eletrificação rural - o mais arrojado do Brasil. Sr. Presidente, todos os distritos e povoados contam com a energia elétrica. A rede de distribuição, no Estado de Goiás, é uma das mais valiosas deste País, e queriam entregar essa empresa para uma multinacional, uma vez que o Governador saiu pelo mundo a oferecê-la. S. Ex.ª deu uma volta ao mundo, foi a aproximadamente 8 ou 10 países, e, utilizando as nossas embaixadas e nossos embaixadores, procurava as multinacionais, oferecendo esse patrimônio de valor incalculável.

De forma que o Poder Público, o próprio Governo Federal, precisa, ao nosso lado, tomar uma atitude nessa hora de aflição, quando temos que pensar em produzir energia e não em vender o pouco que temos, nem deixar nosso povo entregue à própria sorte, nas mãos de uma multinacional que, em muitas áreas, tem tratado o povo como se fosse mercadoria de segunda classe. Não podemos fazer isso!

Sr. Presidente, sou contra. Manifesto meu repúdio à venda das Centrais Elétricas de Goiás ao Senado Federal e faço um apelo ao Governo Federal para que nos ajude nessa luta não permitindo que nosso valioso patrimônio seja dilapidado, um patrimônio que custou o suor, muitas vezes até lágrimas da gente goiana.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/2001 - Página 9979