Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS AO PLANO DE RACIONAMENTO DE ENERGIA ELETRICA E AS CAUSAS DA CRISE.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA.:
  • COMENTARIOS AO PLANO DE RACIONAMENTO DE ENERGIA ELETRICA E AS CAUSAS DA CRISE.
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/2001 - Página 10069
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • INEXATIDÃO, ALEGAÇÕES, GOVERNO, FALTA, CHUVA, MOTIVO, CRISE, SISTEMA ELETRICO, CRITICA, AUSENCIA, INVESTIMENTO, PLANEJAMENTO, PRODUÇÃO, ENERGIA ELETRICA, ATENDIMENTO, ACORDO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • ANALISE, PLANO, GOVERNO, RACIONAMENTO, ENERGIA ELETRICA, NECESSIDADE, DISCUSSÃO, CONGRESSO NACIONAL, SOCIEDADE, ESPECIFICAÇÃO, AMEAÇA, CORTE, ENERGIA, ILEGALIDADE, MULTA, SOBRETAXA.
  • ELOGIO, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, ECONOMIA, ENERGIA.
  • CRITICA, GOVERNO, OMISSÃO, PARTICIPAÇÃO, REUNIÃO, COMISSÃO DE SERVIÇOS DE INFRAESTRUTURA, PRESENÇA, PROFESSOR, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ), UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), DEBATE, PLANO, RACIONAMENTO, ENERGIA ELETRICA, COMENTARIO, DETALHAMENTO, SUGESTÃO.
  • APOIO, REIVINDICAÇÃO, ISENÇÃO, IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO, GERADOR, ENERGIA.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, MODELO, PRIVATIZAÇÃO, SISTEMA ELETRICO.
  • DEFESA, INVESTIMENTO, EMPRESA ESTATAL, PRODUÇÃO, ENERGIA, ESPECIFICAÇÃO, FURNAS CENTRAIS ELETRICAS S/A (FURNAS), SOLUÇÃO, IMPASSE, CAMBIO, GAS NATURAL, INCENTIVO, USINA TERMOELETRICA.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na última sexta-feira, o Governo Federal apresentou à Nação um plano de racionamento de energia. Vou usar a tribuna para comentá-lo, mas, antes de fazê-lo, sinto-me na obrigação de falar um pouco sobre os motivos, as razões, as raízes desse problema que estamos enfrentando no nosso País.

Ao lançar o programa, o Governo voltou a afirmar que esse problema tem origem nas chuvas, o que não corresponde à realidade. Esse problema tem origem, em primeiro lugar, na própria política econômica do Governo, no acordo que o Brasil assinou com o Fundo Monetário Internacional. Investimentos realizados por empresas de que o Governo é controlador foram considerados, naquele acordo, despesa do setor público, e, conseqüentemente, toda a ação da equipe econômica do Governo foi direcionada no sentido de evitar esses investimentos. Não é por outro motivo que Furnas deixou de investir nos últimos anos. Essa é a minha primeira observação.

Na verdade, o viés fiscalista do Governo impediu os investimentos. Portanto, a origem desse problema que passamos a viver no nosso País, desse constrangimento que a população passou a viver nos últimos dias, é a falta de investimento, de planejamento e de políticas públicas.

O problema está posto, e não adianta tentarmos ignorá-lo. Por esse motivo, quero falar um pouco desse plano de racionalização de energia.

Quando o plano foi lançado, na sexta-feira, algumas pessoas me procuraram querendo entendê-lo melhor. Na verdade, penso que o Governo colocou a sociedade no canto do ringue. A realidade é esta: não há como não fazer racionamento. O que podemos discutir, no entanto, é a qualidade desse racionamento, já que, se ele não for feito, até o final do ano, quando haverá períodos sem chuvas ou de poucas chuvas, ocorrerá o esvaziamento contínuo dos lagos das hidrelétricas do nosso País, principalmente nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste.

Nesse sentido, debruço-me sobre o plano. Estou ouvindo observações as mais diversas sobre esse plano e quero, aqui, dar uma modesta contribuição.

Em primeiro lugar, sou de um Partido da Oposição, mas não vejo apenas aspectos negativos no plano; nele também vejo aspectos positivos. E o primeiro aspecto positivo que quero citar desta tribuna, Sr. Presidente, é a tentativa do Governo de se organizar melhor para discutir um problema como esse, sobre o qual a sociedade vinha alertando - a Fiesp nos havia alertado no final do ano passado, e a Academia o fez no início do ano. Este é o primeiro aspecto positivo: parece que o Governo começou a sair de uma situação de desorganização, parou de “bater cabeça” - como se diz na expressão popular - e, diante do tema, apresentou-se um pouco mais organizado.

Um segundo ponto positivo que quero frisar é que o Governo, ao estabelecer e organizar esse plano, tentou minimizar o efeito do mesmo em relação à população de renda mais baixa do nosso País - digo que essa foi uma tentativa, porque não é possível um plano dessa natureza não afetar o conjunto da sociedade. Seria ingenuidade imaginarmos isso.

Um terceiro ponto positivo que percebo é a tentativa, que não sei se dará certo ou não - e, pelo jeito, nem o Governo e nem os técnicos sabem -, de se evitar o “apagão”. Entendo que essa tentativa é correta, porque o “apagão”, indiscutivelmente, prejudicaria a sociedade.

Quero também trazer uma contribuição, na discussão do plano, no que diz respeito a aspectos que acredito serem inviáveis do ponto de vista operacional e jurídico. Não sou advogado, não sou jurista, mas há pontos no plano cuja inconstitucionalidade salta aos olhos. O primeiro deles, Sr. Presidente, é relativo ao corte que o Governo está propondo para aquele cidadão que pagou a sua conta - é importante dizer isso -, mas que não cumpriu a meta de economia. Parece-me que uma medida como essa não tem legalidade, não tem sustentação jurídica e não é operacional - está presente, em plenário, um grande jurista, o Senador Jefferson Péres -, segundo declarações que ouvi ontem das concessionárias distribuidoras de energia. Portanto, seria importante que o Governo recuasse dessa posição. O Governo precisa ganhar credibilidade perante a sociedade, já que está em uma posição desconfortável, pois sua política econômica amarrou o setor energético, não permitindo o seu desenvolvimento na parte de geração e transmissão.

Esse plano já começa a mobilizar a sociedade - isso é indiscutível -, o que demostra a generosidade do povo brasileiro em situações delicadas, difíceis. O povo poderia estar nas ruas, com cartazes, procurando culpados, procurando desgastar o Governo, mas o povo não está fazendo isso. O povo está procurando meios de economizar, desligando o freezer, mudando o sistema do chuveiro das residências, trocando uma luminária. O povo está participando. Por isso, seria importante que o Governo revisse essas posições equivocadas.

Ouvi agora, no Broadcast - inclusive, inicialmente pensei que fosse o Senador Jefferson Péres -, um membro da base do Governo propondo a revisão dessa sobretaxa de 200%. Não sei se é o caso, mas isso tudo mostra que esse plano precisa ser melhor discutido com o Congresso e com a sociedade.

No último fim de semana, algumas pessoas me procuraram para discutir alguns temas que considero importantes. É preciso haver sensibilidade na operação desse plano. Se o período base a ser analisado são os meses de maio, junho e julho do ano passado, pode ter acontecido, por exemplo, de, num desses meses do ano, dois ou três filhos de uma determinada família terem estado ausentes, o que, conseqüentemente, reduziu a despesa de energia. Há também o caso daquelas famílias que já se animaram há alguns meses e começaram um processo de economia, de poupança de gasto de energia, e que, portanto, já fizeram o dever de casa - usando a mesma expressão utilizada no Ajuste Fiscal. E agora? Como vão fazer um novo dever de casa, como irão poupar novamente? Esses aspectos são muito importantes.

Quero também falar da minha decepção pessoal com a atitude do Governo hoje na Comissão de Infra-Estrutura, ao tentar esvaziar uma reunião marcada com muita antecedência. Apresentei o requerimento para a realização dessa reunião há cerca de 14 ou 15 dias; o requerimento foi aprovado, e o Governo foi comunicado. Tínhamos a idéia de colocar na mesma mesa três representantes da Academia e quatro representantes do Governo. A balança até seria favorável ao Governo, que, mesmo assim, não mandou nenhum de seus representantes.

Ouvimos o pronunciamento dos Professores Luís Pinguelli, Maurício Tolmasquim, da UFRJ, e Ildo Sauer, da USP. As manifestações foram muito boas, muito relevantes. Já que o Governo não compareceu à reunião, vou usar da tribuna para divulgar idéias novas que poderiam ser adaptadas a esse plano e contribuições sensatas que poderiam ser levadas ao Governo.

O Professor Sauer, um professor conceituado, respeitado, cujos pronunciamentos tenho ouvido em diversos canais de televisão, trouxe algumas sugestões que, em seu entender, poderiam fazer parte do plano - ele queria apresentá-las ao próprio Governo, mas isso não foi possível. A primeira delas é uma medida que, segundo o Professor, reduz 1% do consumo nacional, o que é muito significativo: a troca de lâmpadas a vapor de mercúrio por modelos a vapor de sódio. Essa providência, inclusive, eu a tomei na cidade que tive o prazer de administrar: a cidade de Vitória. Essa é a primeira medida que poderia ser generalizada no País, porque reduz em 1% o consumo.

Uma outra medida, que achei muito simples e que está sendo muito discutida pela mídia, é a troca das lâmpadas. O Professor Sauer fez uma conta demonstrando que a troca de, pelo menos, duas lâmpadas em cada residência representaria mais 1% de redução de consumo.

Uma terceira medida, que ouvi pela primeira vez, seria repotencializar as usinas hidrelétricas. Ele calcula um acréscimo de geração de aproximadamente 2,5% a 5% na capacidade de geração das nossas hidrelétricas atualmente.

A quarta medida é a disponibilização de todos os combustíveis alternativos possíveis para a geração de energia, tais como o bagaço de cana, para permitir a co-geração de energia. Ele fez, na sua exposição, um belo capítulo sobre co-geração.

Outra medida seria a redução em 50% do consumo de energia pelos setores eletrointensivos. Pudemos observar alguma discussão em torno desse assunto nesse final de semana, mas ele trouxe uma proposta concreta para a Comissão e para o Governo. Ele acha que essa seria uma medida importante.

Ele ainda trouxe uma outra alternativa: a liberação de linhas de transmissão de correntes alternadas do Sul para o Sudeste, para passarem a transmitir em corrente contínua. Segundo o Professor, tal medida permitiria o aumento da importação da energia da Argentina.

Essas e outras alternativas são importantes. O Deputado Aleluia - fiz questão de convidá-lo a participar da reunião; S. Exª, que é da base do Governo, é um especialista do setor e tem dado boas contribuições - faz uma abordagem sensata: S. Exª quer que a sobretaxa incida sobre o que ultrapasse a meta e não sobre o total. Esse já é um outro raciocínio.

Quero citar aqui também a sugestão da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro - Firjan, que pede isenção de impostos para a importação de geradores. Estive em São Paulo ontem, Sr. Presidente, e ouvi o mesmo pleito por parte de empresários.

Esta é a oportunidade de o Governo se abrir. O Governo errou e precisa reconhecer o erro. Na sexta-feira, à noite, o Presidente da República reconheceu alguns erros, mas, no sábado, Sua Excelência derrapou na Convenção do PSDB, colocando a culpa no PFL. Penso que não é por aí. Não tenho procuração do PFL para defendê-lo - o nosso Senador Lobão deveria vir à tribuna e fazer essa defesa -, mas creio que não é por aí. O PFL deve ter a sua responsabilidade, porque ocupou aquele Ministério, mas ocupou o Ministério de um Governo, e ninguém vai ver o Governo como um pedaço, um feudo aqui, outro ali.

Gostaria ainda de registrar uma sugestão da Firjan, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, que solicita à Câmara de Gestão da Crise de Energia isenção de impostos de importação para geradores, tratamento especial no racionamento para produtores de materiais utilizados na geração e transmissão de energia - o que considero também de muito bom senso - e benefícios fiscais na compra de equipamentos que visem à redução do consumo. Essas são idéias interessantes, reflexões importantes sobre um problema que, volto a dizer, Sr. Presidente, considero gravíssimo.

Já vi o Brasil deixar de crescer por constrangimento internacional, já vi o País deixar de crescer por problemas econômicos advindos da crise no México e, depois, da crise na Ásia, na Rússia e, posteriormente, da própria crise brasileira, com a desvalorização da moeda. Mas o constrangimento que estamos vivendo agora é dramático. O que não vai permitir ao Brasil crescer este ano, o que vai reduzir o nosso Produto Interno Bruto, o que vai comprometer a arrecadação de impostos e a balança comercial é uma crise de energia pela qual não precisávamos passar.

E, hoje, ouvimos o seguinte absurdo: já há governos estaduais querendo cobrar ICMS em cima da sobretaxa que o Governo está criando. Eu citaria aqui Caetano Veloso: “Isso é o avesso do avesso do avesso”. Ou seja, fazer caixa de governo de Estado em cima de uma crise como essa parece-me um brutal contra-senso, que quero aqui repudiar. Creio que, neste momento, Governo, Oposição e sociedade, primeiramente, não deveríamos deixar de responsabilizar quem é responsável, até pensando no nosso futuro. E, em segundo lugar, tentar construir, a várias mãos, a melhor forma de conviver com essa escassez de energia.

Todas as formas encontradas vão ser punitivas, vão ser difíceis, mas precisamos construir. E toda sugestão é bem-vinda, até para ser avaliada. O Governo deveria mobilizar o País inteiro também para dar sugestões e idéias.

Está muito claro que precisamos fazer duas coisas, Sr. Presidente:

Primeiro, considerando que a modelagem de privatização do setor está equivocada - ela não vai ser testada, ela já foi testada e não deu certo -, o Governo precisa iniciar um novo processo para remodelar esse setor. Não sou contra a presença de capital privado no setor elétrico - já disse isso várias vezes desta tribuna. Entendo que devemos atrair o capital privado por meio da definição de regras claras. Não há problemas em haver capital privado no setor elétrico, mas esse modelo montado já deu errado. Não precisamos esperar mais um ou dois anos para que a situação se agrave ainda mais.

Segundo, o Governo tem que fazer o que parece vai anunciar nos próximos dias: deixar as estatais investirem, deixar Furnas investir, melhorar a nossa malha de transmissão, aumentar nossa geração e assim por diante.

           Precisamos acertar o modelo, voltar a investir no setor, superar o impasse do risco cambial em relação às termelétricas a gás - outro desafio que está na gaveta há pelo menos dois anos - e olhar para a frente, Sr. Presidente.

            O meu medo pessoal é que vivamos esse constrangimento em 2001 e que ele volte a bater à nossa porta em 2002, em 2003, e assim por diante.

            Então, temos que repensar essa matriz energética, abrir o leque, discutir alternativas. Nosso País ainda tem um potencial hidrelétrico muito grande a ser explorado, além da energia do vento e do sol, com uma enorme potencialidade. Esse é o desafio. Penso que não podemos cruzar os braços nem rir da situação, que é dramática, pois vai mexer com o emprego daquele que está empregado e tirar oportunidade do desempregado de ter acesso ao emprego.

            Havia a possibilidade de acontecer isso em 2001. Essa é uma situação difícil e acredito que precisamos trabalhar para conviver com o racionamento de energia da melhor forma possível e, acima de tudo, para termos capacidade de superar esse impasse. Um País do tamanho do nosso, com todo esse potencial, pode ter outros constrangimentos, como, por exemplo, de falta de capital, de falta de poupança para crescer, mas é inaceitável o constrangimento da falta de energia para fazer crescer sua produção, seu emprego, seu desenvolvimento. Isso é um absurdo e, lamentavelmente, estamos passando e vamos passar por esse constrangimento durante o ano de 2001.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/2001 - Página 10069