Discurso durante a 63ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

NECESSIDADES DE UMA POLITICA PLANEJADA DE COMBATE A SECA NORDESTINA.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • NECESSIDADES DE UMA POLITICA PLANEJADA DE COMBATE A SECA NORDESTINA.
Aparteantes
Alberto Silva, Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2001 - Página 10853
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • NECESSIDADE, CRIAÇÃO, POLITICA, PLANEJAMENTO AGRICOLA, COMBATE, SECA, REGIÃO NORDESTE.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o fenômeno das secas volta a atormentar e a causar infortúnios à população do Nordeste. Não é de agora que este Senado Federal, por intermédio dos representantes da nossa região, tem-se pronunciado sobre as medidas paliativas adotadas pelo Governo Federal no sentido de amparar os nordestinos, de dar assistência aos flagelados durante o período da estiagem.

Os reclamos são os mais diversos, os de ontem e os de hoje. Se fizermos um levantamento dos discursos aqui feitos sobre o abandono do sertanejo durante as secas, verificaremos que são repetitivos. A reclamação é a mesma. As reivindicações são iguais. Os projetos são engavetados, e nenhuma providência séria e permanente é adotada no sentido de executar projetos que possam fazer com que o sertanejo tenha uma boa convivência com as secas.

Tenho em mão, Sr. Presidente, o primeiro discurso que fiz da tribuna, no ano de 1995. Comecei falando do cancioneiro popular, do grande Luiz Gonzaga, que cantava, para o Nordeste e todo o Brasil, a poesia de Humberto Teixeira:

            Mas, doutor,

            uma esmola para um homem que é são

            ou lhe mata de vergonha

            ou vicia o cidadão.

            Na realidade, Sr. Presidente, o que defendemos é uma política planejada, de apoio consistente à nossa região. Não queremos esmolas.

            Eu dizia naquele primeiro discurso:

           (...) o nordestino não é pobre por causa do seu clima, dos escassos recursos minerais ou pela maldosa propalada indolência. Não é pobre também por causa da seca, por mais danosa que seja sua repercussão sobre a população. Sua pobreza decorre da forma com que uma minoria se apropria e se utiliza dos meios de produção disponíveis, diante de uma economia organizada em bases conservadoras, que não prestigia o trabalhador, deixando cerca de 40% da população economicamente ativa desempregada, o que se agrava na zona rural, onde atinge 67% dos trabalhadores.

           A seca não é de hoje, nem de ontem.

           A primeira menção da seca do Nordeste data de 1564. Menção feita pelo missionário Loureto de Couto, quando, em suas andanças pela região, deparou-se com a falta d’água. Dessa data, a cronologia dos anos de estiagem aponta que, a partir de quando o Governo considera o fato como crise social, em torno de 1887, aumenta consideravelmente o número de períodos de seca. Assim vejamos:

           No século XVI, três secas;

           No século XVII, sete secas;

           No século XVIII, quatro secas;

           No século XIX, três secas.

           No século XX, o número sobe assustadoramente para dezenove secas, dando margem para o que se convencionou chamar de ‘indústria da seca’.

           Passa o setor público a criar órgãos e mais órgãos...

           Em 1904, cria a Comissão de Apoio e Desenvolvimento de Estudos e Obras de Engenharia contra os Efeitos da Seca. Essa Comissão se preocupou basicamente em cuidar de aberturas de postos e construção de açudes.

           Em 1909, é criada a Inspetoria de Obras contra a Seca. Dez anos mais tarde, o Instituto Federal contra a Seca, e, em 1945, o Departamento Nacional de Obras contra a Seca.

           Nesta metade do século XX, segundo o próprio Celso Furtado, predominou uma ‘visão hidráulica’ no combate à seca, preocupando-se tão-somente com a construção de barragens e açudes, obras que paralisavam com a volta do inverno, não havendo, portanto, continuidade de ação, tudo isso aliado também às constantes e tradicionais faltas de recursos.

           Somente na década de 40 é que se começa a estudar o assunto cientificamente, tentando-se maiores conhecimentos e compreensão dos efeitos da seca, quando é criado o Serviço Agroindustrial.

           No período de 1951/1953, o economista Rômulo de Almeida sugere a criação da Comissão Nacional de Planejamento do Nordeste. Em 1953, cria-se o Banco do Nordeste do Brasil.

           Sob a coordenação do economista Celso Furtado, foi criado o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste.

           Ainda em 1959, no governo de Juscelino Kubitschek, foi criada a Operação Nordeste. Nos fins de 1959, com o advento da Sudene, são elaborados quatro Planos-Diretores para o desenvolvimento da região.

           A partir de 1971, com os Planos Nacionais de Desenvolvimento e a centralização do processo de planejamento, surgem os Planos de Desenvolvimento do Nordeste, agora, entretanto, sob a forma de anexos aos Planos Nacionais. A partir desse período, os Planos Regionais começam a perder a sua autonomia.

           Além do mais, a tendência centralizadora da nova política do Nordeste, a partir de 1967, prefere adotar medidas paternalistas e de fundo político eleitoreiro, através dos denominados ‘Projetos Impactos’ (PIN, Proterra, Polonordeste, Projeto Sertanejo, Programa de Desenvolvimento da Agroindústria).

           Nessa dança de siglas de órgãos federais, quem dançou mesmo foi o sertanejo, não sob os acordes da sanfona de Luiz Gonzaga, mas, sim, na batucada desafinada de políticas governamentais voltadas mais para os interesses politiqueiros de cada época, não solucionando nem equacionando o problema, de modo que a gente nordestina pudesse conviver com esse fenômeno climático, como convive o povo europeu e outros povos que passam mais de seis meses com neve, sob o frio intenso.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Antonio Carlos Valadares?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Senador Bernardo Cabral, estou lendo um discurso que eu fiz em 1995. E é como se fosse hoje. Por coincidência, em 1995, V. Exª me pediu um aparte e eu concedi. Veja a coincidência: cinco anos depois, V. Exª está me pedindo um novo aparte sobre o mesmo assunto, e eu, com muito prazer, concedo a V. Exª um novo aparte.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - E, do mesmo jeito que o fiz há muito tempo, quase seis anos, Senador Antonio Carlos Valadares, quero revestir este aparte de uma infinita solidariedade. V. Exª diz bem: o nordestino, acossado pelo clima que os europeus não conhecem, pelas desditas da seca, ele é sobretudo um forte. O nordestino é um forte. E eu posso lhe dizer isso porque, sendo nortista, avalio o que foi feito na nossa terra pela imigração nordestina na época dos soldados da borracha. Falam dos nordestinos, eu posso lhe dizer, aqueles que, nas suas argumentações, são indigentes no conteúdo e muito pobres na forma. Luiz Gonzaga, conforme V. Exª diz, imortalizou o nordestino. Mas essa indústria da seca, que V. Exª já há anos e anos vem mostrando ao País, ela apenas é dirigida. Veja, eminente Senador Antonio Carlos Valadares, que é evidente, e V. Exª há de considerar isso, que eu só interrompi V. Exª neste momento para mostrar-lhe que eu posso lhe dar um aparte pobre de brilho num discurso revestido de tanta eloqüência. Junte às suas palavras a minha solidariedade.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Eu gostaria de incorporar com muita felicidade o aparte que V. Exª ora me faz, mesmo porque, nos idos de 1995, V. Exª falou a mesma palavra: solidariedade. Solidariedade ao meu discurso, mas principalmente ao sofrido Nordeste, que tem sido penalizado ao longo de tantos e tantos anos por políticas desastrosas que são feitas aqui, nos altos escalões da República, sem levar em consideração as características, as peculiaridades de uma região tão pobre, como é a região nordestina. A prova disso, Senador Bernardo Cabral, é a extinção pura e simples da Sudene sem se atentar que a corrupção é endêmica no Brasil. Se, na realidade, a Sudene foi extinta tendo em vista os atos de corrupção ou fraudes acontecidos naquele órgão, nós correríamos o perigo de ver extinta a democracia no Brasil ou a própria República. E o Governo resolveu não só extinguir a Sudene como colocar no Orçamento Federal os incentivos que foram anulados por uma medida provisória. Visando corrigir essa defasagem, essa incoerência, essa distorção, nós apresentamos uma emenda constitucional para que os incentivos fiquem na Constituição Federal - e V. Exª foi um dos primeiros a assinar essa proposta de emenda constitucional que já está tramitando na Casa.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Pois não. Ouço o aparte de V. Exª, nobre Senador Alberto Silva, V. Exª que é um dos grandes conhecedores dos problemas do Nordeste e um dos grandes lutadores por nossa Região. (Pausa.)

Sr. Presidente, parece que está ocorrendo algum problema no microfone de S. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - As providências já estão sendo tomadas.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Em primeiro lugar, quero pedir desculpas ao nobre Senador Antonio Carlos Valadares por esta troca de lugares devido a um problema no microfone.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Nobre Senador, temos certeza de que vamos aprender muito com o aparte de V. Exª.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Nobre Senador, em primeiro lugar, quero lembrar que nós fomos Governadores juntos. Estivemos lá no Arizona, um lugar seco, onde vimos soluções inteligentes e competentes. Cada um de nós voltou para os seus Estados, e tenho a certeza e a lembrança de que V. Exª, um grande Governador, apanhou a água do São Francisco no seu Estado, que não possui grande dimensão territorial, empurrou adutoras e resolveu problemas com eficiência, com competência na brilhante administração que fez em Sergipe. Agora, creio que podemos nos dar as mãos, todos nós do Nordeste. O desaparecimento da Sudene e a mudança de nome não resolvem nem vão resolver o problema que conhecemos de perto. Ontem, fiz uma pergunta ao nosso novo Ministro da Reforma Agrária, que agora está encarregado de administrar o problema da seca, que eu gostaria de lembrar e passar a V. Exª, como um companheiro que, tenho certeza, vai entrar nessa campanha: “O que se deve plantar num lugar onde não chove ou onde chove mal ou onde chove irregularmente?” O feijão e o milhão, que são a tradição do nordestino, não agüentam o intervalo de 30 dias de uma chuva para outra. Mas a mamona agüenta. E nos decidimos por ela. A mamona agüenta um intervalo até maior se houver chuvas mais ou menos até 150mm. E mamona para quê? Tínhamos feito uma pesquisa, ainda ao tempo de governo, e conseguimos que um grupo de técnicos competentes fizesse um trabalho de transformar um óleo vegetal em óleo mineral. Isto é, transformar o óleo de mamona em óleo diesel. Era uma façanha tecnológica, mas foi resolvida. Inclusive a Petrobras já tomou conhecimento disso. A partir de agora, todos aqueles nordestinos que estão lá, que todos os anos fazem uma roça e ficam esperando e rezando para que chova, devem rezar para que chova ao menos o suficiente para que a mamona cresça, floresça e dê o seu fruto. E nisso, meu caro e brilhante Governador, companheiro Antonio Carlos Valadares, sei que conto com o apoio de V. Exª para formarmos uma corrente e ajudar o homem do campo nessa cruzada que, tenho certeza, funcionará. No meu Estado são cem mil lavradores que, produzindo mamona, vão entregar à Petrobras um bilhão de litros de óleo diesel, o que evita a importação de petróleo a ser transformado em óleo. Parabenizo V. Exª pelo assunto. Inclusive, quando soube que o discurso era de 1995, vim do meu gabinete para ouvi-lo e aprender um pouco.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Agradeço a V. Exª, Senador Alberto Silva. Sabemos do seu poder criativo, do seu espírito de visão modernista, com os quais V. Exª imprimiu a sua administração profícua no Estado do Piauí o sentido de um governo de futuro. Tanto é assim que V. Exª vem a esta Casa não só com o cabedal de votos que recebeu do seu povo, como reconhecimento pelo seu trabalho, mas com o cabedal de conhecimentos. E provou, na reunião de ontem, com o Ministro Raul Jungmann, que o projeto de aproveitamento da mamona no setor agroindustrial do Nordeste do Brasil pode ser fator decisivo para o desenvolvimento da nossa região, resolvendo não apenas o problema do aproveitamento em si da agricultura nordestina, como também o problema do emprego regional.

Quero incorporar, com muita alegria, as palavras de V. Exª ao meu pronunciamento.

Sr. Presidente, preparei, ontem, outro discurso sobre a seca, mas analisando os meus discursos sobre o problema da seca no Nordeste, verifiquei que o discurso feito em 1995 poderia ser repetido. Naquela época, já falava na filosofia do sistema capitalista:

           A pobreza da maioria é a forma de alimentação da riqueza da minoria.

           Esvaziam os recursos financeiros da Sudene e do BNB, bem como do Programa de Incentivos Fiscais.

           Em 1995, eu já falava das fraudes.

           O processo de dominação da economia distorce critérios de prioridades, de modo que permite a marginalização da maioria.

           Não existe planejamento participativo. Defendemos o planejamento participativo por se constituir um processo político vinculado à decisão da maioria, tomada pela maioria, em benefício da maioria.

           Adiante - para não tomar mais tempo, porque ele já se está esgotando - digo que:

           O Governo deve ter instrumentos capazes de quebrar o monopólio não apenas da terra, mas dos privilégios excepcionais que propicia aos grandes proprietários da terra. Quando um pequeno proprietário se dirige a um banco oficial em busca de um empréstimo para investimento ou para custeio, pode-se afirmar que ele não encontrará mais dinheiro a sua disposição. Os recursos existentes já terão por certo sido consumidos pelos grandes proprietários.

           O Banco do Brasil e o Banco do Nordeste devem se manter como agentes de crédito rural oficial com juros e taxas acessíveis a fim de que não levem o agricultor a comprar uma vaquinha e depois ter que pagar a quatro ou cinco bancos, sob a ameaça de perder a sua propriedade por inadimplência...

            Isso está acontecendo hoje, Sr. Presidente, devido à aprovação, em 1995, da TJLP. E vários agricultores estão quebrando, vendendo as suas terras e desaparecendo do campo.

           Torna-se necessária uma política de maior aproximação entre produtores e consumidores, evitando-se a presença do intermediário responsável pelo aumento de produtos em mais de 500%...

E, ao final, digo:

           O Nordeste não quer mais esmolas. O Nordeste quer uma sociedade com oportunidades democratizadas. O Nordeste não quer mais conviver com o desenvolvimento regional diferenciado existente no Brasil, cada dia mais agravado pelo distanciamento entre Norte, Nordeste e Centro-Sul.

           O Nordeste quer e exige mais seriedade de propósito e competência na execução de ações planejadas com a participação popular para a solução de problemas que desafiam a tudo e a todos, deixando milhões de brasileiros, no tempo da modernidade, sem água e sem comida.

            Sr. Presidente, guardarei o discurso que não pronunciei hoje para outra oportunidade.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2001 - Página 10853