Discurso durante a 63ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM A GRAVE SITUAÇÃO DO CONSUMO E TRAFICO DE DROGAS NO BRASIL.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM A GRAVE SITUAÇÃO DO CONSUMO E TRAFICO DE DROGAS NO BRASIL.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Geraldo Cândido.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2001 - Página 10872
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • NECESSIDADE, URGENCIA, PROVIDENCIA, COMBATE, CONSUMO, TRAFICO, DROGA, PARCERIA, GOVERNO, SOCIEDADE, BANCOS, ORGANISMO INTERNACIONAL, COOPERAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), INVESTIMENTO, PREVENÇÃO.
  • ANALISE, PROBLEMA, DROGA, DADOS, AMBITO, USUARIO, DEPENDENCIA QUIMICA, DANOS, SAUDE, PRODUÇÃO, AGRICULTOR, BENEFICIAMENTO, DISTRIBUIÇÃO, TRAFICANTE, LAVAGEM DE DINHEIRO, IMPUNIDADE, CRIME ORGANIZADO.
  • CONVITE, SENADOR, SEMINARIO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES (CRE), ASSUNTO, DROGA, ATENDIMENTO, REQUERIMENTO, ORADOR.
  • IMPORTANCIA, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, IGREJA CATOLICA, VINCULAÇÃO, VIOLENCIA, DROGA.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, SECRETARIA NACIONAL ANTIDROGAS, EXPECTATIVA, AUMENTO, PRIORIDADE, SOLUÇÃO, PROBLEMA.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tive oportunidade de apresentar um requerimento que foi aprovado pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e que diz respeito à grave situação do narcotráfico e do consumo de drogas no Brasil, que compromete de maneira explícita a defesa nacional.

Eu gostaria de chamar a atenção de V. Exªs para os problemas relativos ao consumo e ao tráfico de drogas no Brasil, bem como alertar para a necessidade de que sejam adotadas, o quanto antes, medidas mais consistentes e eficazes para atacar essa questão.

Já tivemos oportunidade de ouvir, neste plenário, alguns pronunciamentos acerca desse problema, por ocasião da Campanha da Fraternidade de 2001, cujo tema foi “Vida sim, drogas não”. Essa ação, de iniciativa do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs, incentivou a sociedade brasileira e o Parlamento a discutirem, de maneira mais ampla, a questão das drogas.

Todavia, passado o momento da Campanha da Fraternidade, persiste o problema, uma vez que ele depende não de uma campanha, mas de uma ação abrangente, concertada, envolvendo Governo, sociedade, instituições financeiras, organismos internacionais e cooperação com outros países.

Nesta ocasião, eu gostaria de focalizar alguns dados desse universo e atentar para algumas providências a serem tomadas, principalmente por parte do Governo.

            São muitas as variáveis envolvidas, e é impossível tratar de uma delas sem observar a cadeia de conseqüências e de implicações de umas com as outras. Sabemos que a questão das drogas envolve, de um lado, o eixo do consumo e, de outro, o da produção; situada entre os dois pólos, está a distribuição.

No que se refere aos consumidores, defrontamo-nos com diversos problemas, tais como a dependência química, a proliferação de doenças e a recuperação de danos à saúde.

Quanto à produção, encontramos desde os agricultores ocupados com a plantação de folhas (cocaína, maconha, papoula), até os refinadores, passando por uma rede de insumos legais, como a acetona e o éter.

Em meio a isso existe a distribuição, que envolve desde o “aviãozinho” e o traficante de morro até o banqueiro que colabora para a legalização desse volume fabuloso de dinheiro, gerado pela “indústria do narcotráfico”.

O Governo não pode ficar alheio a nenhum desses fatores, pois só ele detém o poder de, ao mesmo tempo, definir políticas de inclusão social para os marginalizados e políticas de controle financeiro.

Examinemos o problema do consumo e da dependência.

O consumo de drogas atinge o mundo inteiro, de maneira cruel. Segundo relatório produzido pela ONU, envolvendo o estudo de 134 países, a maconha seria consumida em 96% deles, a cocaína e derivados, em 81%, e os opiáceos, como heroína, morfina e ópio, em 87%. As drogas sintéticas vêm a seguir, com um consumo de anfetaminas da ordem de 73%. O consumo dos benzodiazepínicos é de 69% e dos inalantes em geral, como o éter e cola de sapateiro, de 69%.

Os responsáveis pelo relatório reconhecem a dificuldade de se obterem dados confiáveis, uma vez que não são todos os países que mantêm pesquisas passíveis de serem comparadas. Ademais, o consumo de drogas é uma atividade marginal, “escondida”, não sendo, portanto, facilmente revelável por pesquisas e levantamentos. Assim sendo, para aqueles países em que não há dados confiáveis foram feitas projeções, e as informações foram agrupadas por grandes regiões do globo. Os dados revelam que o maior problema da Europa (Ocidental e Oriental) são os opiáceos, que se mostram danosos, igualmente, para grande parte da Ásia e Oceania. Esse tipo de droga responde, ainda, pela maioria dos casos de morte provocada por drogas nesses continentes.

Na Ásia, a maior incidência de consumo recai sobre as anfetaminas (12%), índice bem maior que o europeu, que é de 8%, e dos Estados Unidos, que é da ordem de 5%. O problema se agrava ainda mais, quando se trata dos países do leste asiático, como Japão, Coréia e Filipinas, onde as metanfetaminas respondem por 90% das demandas por tratamento.

A maconha, o haxixe e a cannabis são responsáveis por 9% dos casos que reclamam atenção médica na Europa e na Ásia; 61% na África; e 16% nas Américas, particularmente América Central e Caribe.

A cocaína contribui fortemente para o número de pessoas que procuram tratamento na Ásia, mas disseminou-se pouco na Europa, onde apenas 3% dos casos analisados estão associados a ela. A cidade de Amsterdã, porém, é digna de nota, com 32% dos atendimentos ligados à cocaína, tendo em vista a proximidade com Roterdã, principal ponto de entrada da droga na Europa. Nas Américas, a cocaína e seus correlatos respondem por 61% dos casos, sendo que, no Canadá, Estados Unidos e México, a média é de 40%.

De acordo com a edição de 2000 do relatório do Escritório das Nações Unidas para o Controle de Drogas e Prevenção ao Crime (UNDCP), o Brasil é o maior mercado de cocaína da América do Sul e o segundo maior das Américas, logo depois dos Estados Unidos. Conforme aponta o relatório, existem pelo menos 900 mil usuários do entorpecente no Brasil, e seu consumo difunde-se principalmente entre os estudantes. Segundo ele, apesar de muitos acreditarem que o Rio de Janeiro reúne o maior número de consumidores do País, Porto Alegre estaria à frente, seguida por São Paulo.

Cabe ressaltar que o consumo da cocaína, no Brasil, “é facilitado pelo fato de o País servir de corredor para a droga produzida na Bolívia, no Peru e na Colômbia, a qual chega à Região Sul por meio do Paraguai e da Argentina, seguindo depois para a Europa e África.

No Brasil, parte das estatísticas de que dispomos provém do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas - Cebrid.

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT- RJ) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Tião Viana?

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Ouço, com muito prazer, o aparte de V. Exª.

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Senador Tião Viana, quero parabenizar V. Exª pelo seu pronunciamento. Essa abordagem no que tange à questão das drogas é muito séria, como bem sabe V. Exª, que é médico militante e estudioso do assunto. As pessoas que são usuárias de drogas têm, primeiro, problemas psicológicos e acabam internadas nos hospitais psiquiátricos. Existe outra questão mais grave, que é a violência dos traficantes. As grandes cidades do mundo inteiro, não só do Brasil, sofrem problemas seriíssimos de violência, relacionados com os traficantes de drogas. O tráfico de drogas, segundo declarações de V. Exª, movimenta soma consideráveis de dinheiro e envolve também o tráfico de armas e uma série de outras questões. Portanto, considero muito oportuno o seu pronunciamento. Parabéns, Senador Tião Viana, porque é um assunto da maior importância, que merece toda a nossa atenção.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço ao eminente Senador Geraldo Cândido pela sua contribuição, que muito enriquece este meu pronunciamento. Pelo fato de V. Exª representar aqui o Estado do Rio de Janeiro, vale a lembrança de que esse grande festival de exposição que a mídia coloca do narcotráfico, apontando como se o traficante do morro fosse o grande voraz de toda a situação do narcotráfico, na verdade esconde a realidade científica de que os grandes traficantes estão alojados nas grandes empresas, grandes companhias; e essa face do crime organizado do narcotráfico não aparece. Fica apenas à exposição dos "aviõezinhos" que estão, na verdade, representados em morros e aglomerados urbanos das grandes cidades. Espero que esse seminário possa contribuir decisivamente para expor a face real do narcotráfico e do consumo de drogas no Brasil. Desde já aproveito para convidar V. Exª para participar e contribuir no seminário que diz respeito à defesa nacional, junto à Comissão de Relações Exteriores. Contaremos com a presença do General Alberto Cardoso, Secretário Institucional da Presidência da República para Assuntos Institucionais, o Secretário-Geral da Receita Federal, eminentes representantes do Ministério Público Federal e, ao mesmo tempo, juízes federais, que contribuem decisivamente com inovações jurídicas em relação ao combate ao crime organizado e ao narcotráfico.

Um levantamento feito recentemente no Estado de São Paulo permite vislumbrar a situação que, segundo ele, nas 24 maiores cidades do Estado pesquisadas constatou-se que 1,7 milhão de pessoas já havia utilizado algum tipo de droga pelo menos uma vez. Desses, 979 mil tinham experimentado maconha; 394 mil haviam feito uso de solventes e 318 mil consumiram cocaína. Na opinião do psiquiatra José Carlos Galduróz, do Cebrid, o índice de 11, 6% de uso de alguma droga não coloca o Brasil entre os países com maior quantidade de usuários. Os que fazem uso de maconha, nessa pesquisa, representam 6,6%, um índice semelhante ao da Bélgica (5,8%) ou da Alemanha (4,2%). Creio, entretanto, ser difícil estabelecer comparações nesse campo, pois as variáveis culturais, econômicas e sociais são muito grandes.

Entretanto, Srªs. e Srs. Senadores, a par da carência de estatísticas confiáveis, os dados apontam para o fato de que os excluídos da sociedade de mercado acabam tornando-se também os mais expostos à violência do narcotráfico. São essas as maiores vítimas do crime organizado, como sustenta a Campanha da Fraternidade de 2001. As chacinas e os conflitos entre gangues nas grandes cidades, a guerra pelo controle do tráfico e as manobras de introdução da droga nas escolas e locais de lazer, a precariedade explosiva do sistema carcerário trazem estampada nos corpos das vítimas a sua origem social, como bem refere o texto da Campanha.

O texto-base daquela Campanha ressalta a vinculação entre violência e o tráfico de drogas:

-     De 1980 a 1996, a taxa de assassinato dobrou no Brasil, passando de 13 para 25 por ano em cada 100 mil habitantes;

-     Esse índice sobe para 44,8 em cada 100 mil jovens entre 15 e 19 anos de idade. E, na mesma faixa etária, chega a 215 mortes no Estado do Rio de Janeiro e a 134 no Estado de São Paulo.

Paralelo às drogas ilícitas, um grande problema se apresenta no Brasil: o alto custo das terapias relacionadas ao uso de drogas “lícitas”, principalmente o álcool e o tabaco. Nos últimos cinco anos, o Brasil gastou R$550 milhões no tratamento de dependentes de álcool, cigarro e drogas ilícitas. Essa cifra refere-se a gastos com internações hospitalares, medicação aplicada nos pacientes viciados entre 1995 e início de 2000. Nesses cinco anos, o alcoolismo ocupou o 4º lugar na lista dos males que incapacitaram trabalhadores, segundo relatório da Previdência Social. O mais alarmante desse quadro é o número de jovens internados por consumo de bebidas alcoólicas: 39.255, sendo que, desses, 3.626 vieram a falecer.

O enfrentamento da questão envolve políticas de prevenção. Por isso, esperamos que se cumpra a promessa do Ministro José Gregori, de priorizar ações preventivas. Ao divulgar, no começo deste ano, o relatório da ONU sobre as drogas, edição de 2000, S. Exª se comprometeu a inverter a lógica de aplicação dos recursos brasileiros - da ordem de 400 milhões - utilizados para combater o tráfico. Hoje, 70% dos recursos dessas ações são empregados na repreensão e os restantes 30% na prevenção. A proposta de inversão, certamente traria resultados diferentes. Isso porque o enfoque repressivo tem falhado diante da maior dinamicidade e lucratividade dos traficantes. Uma vez alvos da ação repressiva, novas áreas produtoras se estabelecem e novos mercados são atingidos.

Não que a repressão não seja necessária, mas devemos lembrar, por exemplo, que o ex-Presidente Reagan, em 1986, deflagrou a chamada Operação Colômbia, com o objetivo de erradicar o plantio de coca na região de Chaparre, de onde provinha mais de um terço da cocaína daquele país. Embora num primeiro momento a ação tenha resultado em declínio da produção, uma vez cessada a repressão, a produção de coca foi retomada com maior intensidade.

Não nos esqueçamos também dos efeitos deletérios dessas ofensivas baseadas em operações militares. Lembremos que, sob desculpa, os Estados Unidos têm aproveitado para intervir militarmente na Colômbia e no Equador. Até aonde vai a ação de “combate a produtores de drogas” e até aonde chega a ação política de combate a forças que se opõem aos governos locais?

Vejamos agora o problema do crime organizado em torno do narcotráfico e os esquemas de lavagem de dinheiro.

Infelizmente, o noticiário nos ilude ao tratar a questão do tráfico, pois revela apenas sua ponta mais visível, ou seja, a dos pequenos distribuidores, baseados em favelas e locais assemelhados. A outra ponta do tráfico, a dos grandes comerciantes da droga, nunca chega aos noticiários, e, como eles não são mostrados, é como se não existissem. Mas, na realidade, são eles os que lucram com esse verdadeiro mercado da morte. Os traficantes do morro não passam de “terceirizados” que, por sua vez, delegam a atividade mais perigosa para jovens desempregados, os chamados “soldados” do tráfico, os “aviões”, etc. Do mesmo modo, ao reprimir plantadores, a polícia encontra o roceiro, mas não seu sócio capitalista, que financia a “lavoura” e encarrega-se de comercializá-la, obtendo lucros fabulosos.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Com muita honra, concedo um aparte ao nobre Senador Casildo Maldaner que, há poucas semanas, manifestou um expressivo e extraordinário pronunciamento a respeito desta matéria.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - V. Exª sempre vem debatendo essas questões com profundidade. Quando V. Exª analisa essas questões, fico pensando como encontrar uma solução para isso; o que faremos para mudar essa questão na Colômbia, pois são milhares de pessoas. Como diz V. Exª, é o roceiro, o mais humilde que trabalha e vive disso. Há que se encontrar um caminho de transição na Colômbia. As pessoas vão ter que deixar aquela profissão - é uma função - para viver, para buscar o alimento para suas famílias. Tem que ser uma grande parceria para encontrar um outro caminho, uma outra função, uma outra profissão, para não dependerem disso para sobreviver. Como diz V. Exª, os grandes não aparecem. O mesmo se dá no Brasil, e até comparo com o que acontece hoje, quando verificamos que o consumo do fumo esta diminuindo Há algumas regiões no Sul do Brasil, inclusive no meu Estado, Santa Catarina, em que se planta muito fumo, são pequenos minifúndios que plantam o fumo comum, de galpão e de estufa. Portanto, são milhares de pessoas que vivem disso. Como há uma alteração, uma mudança para que o consumo seja menor, em função dos males causados pelo fumo, tem-se que fazer essa transição, buscar outras iniciativas. Aí é que o Governo deve entrar, aí é que deve haver parcerias entre o Governo Federal, estadual e municipais, pois precisamos encontrar caminhos para que milhares de profissionais do meio rural. A mesma coisa eu diria em relação, por exemplo, à bebida alcoólica e os jovens. A imprensa nos Estados Unidos noticiou a prisão da filha do Presidente Bush que, além de portar identidade de uma outra jovem de maior idade, comprava bebida alcoólica. Lá existe rigor em relação a isso, ou seja, o menor de 21 anos não consegue comprar bebida alcóolica em estabelecimentos comerciais. Aqui no Brasil, no entanto, não existe isso. Um jovem de 13, 14, 15 anos não enfrenta qualquer tipo de problema para comprar bebida alcoólica. Penso que as autoridades brasileiras deveriam se preocupar mais com esse assunto. Precisamos começar a buscar caminhos. Nessa direção, vamos chegar aos morros, ao tema fundamental de V. Exª, que é o tráfico, em que os grandes utilizam crianças e desamparados, escondendo-se atrás destes cujo trabalho as famílias dependem para viver e ganhar o pão de cada dia. Temos, portanto, que ficar alerta para esse problema, que é prejudicial à saúde e cuja cura é caríssima e muito difícil. Como vamos encontrar os caminhos? Quero finalizar, portanto, cumprimentando V. Exª pelo seu discurso, que é acompanhado pelo Brasil, e pedindo que essa preocupação seja levada às universidades, escolas, bares, enfim, ao maior número de lugares possíveis, a fim de que possamos encontrar caminhos para que as pessoas deixem de depender disso e possamos ir alterando esse quadro vigente no Brasil. Por isso, Senador Tião Viana, cumprimento-o de coração, já que V. Exª sempre levanta questões como essas com muita autoridade e profundidade.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço-o, Senador Casildo Maldaner e incorporo com muito prazer a manifestação de V. Exª. De fato, o Brasil precisa definir urgentemente o que fazer com as chamadas drogas consentidas, porque não há uma política muito bem estabelecida, a não ser propagandas de mídia ocasionais, porque o Brasil não acordou ainda para a dimensão desse problema.

Tenho acessado com freqüência algumas informações a respeito. Na Internet, inclusive, há um site chamado IBGF - Instituto Brasileiro Giovanni Falcone, que é conduzido pelo ex-Juiz e Secretário Nacional Antidrogas Walter Maierovitch. Ali ele aponta que, segundo analistas, 25% do movimento financeiro bancário da Colômbia, por onde passa o narcotráfico, é utilizado nos bancos brasileiros. Expõe a presença da máfia japonesa e da máfia coreana dentro do território brasileiro, em São Paulo, há também a passagem de corredor da máfia italiana e da máfia americana em alguns aspectos dentro do território nacional.

O Brasil não percebeu a gravidade desse problema, já que ainda não deu a prioridade que essa matéria merece. Mas é preciso uma definição urgente. Se temos um sistema nacional de educação, um sistema nacional de saúde, deveríamos ter um sistema nacional antidrogas, que é, talvez, o maior problema da humanidade.

Agradeço a V. Exª, portanto, que também levanta um questionamento em relação à situação das drogas consentidas.

Quero chamar a atenção, particularmente, para a presença de diversas máfias internacionais no Brasil. Já se tornou rotina os jornais noticiarem a presença das máfias italiana e japonesa em operações do tráfico de drogas no Brasil.

Por intermédio das investigações da CPI do Narcotráfico e da ação do ex-titular da Senad, Secretaria Nacional Antidrogas, o Juiz Walter Maierovitch, foi-nos possível tomar conhecimento de uma rede mundial de narcotráfico, em um tipo de integração econômica mundial que antecedeu em muito as tentativas de unificação de blocos econômicos na chamada globalização.

No Brasil, a máfia italiana investe em imóveis, hotéis e empresas de diversos ramos. Sua presença tornou-se mais evidente no episódio dos bingos, que redundou, entre outros desdobramentos, no desmantelamento de uma quadrilha que mantinha grande influência no Indesp - Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto, e que produzia, para citar apenas um exemplo, minutas de documentos que viriam a ser assinados por autoridades governamentais. Essas denúncias ganharam este plenário, principalmente pela voz do Senador Roberto Requião.

Nos últimos sete anos, mais de 30 mafiosos foram presos no Brasil, a maioria deles envolvidos com atividades de seqüestros, extorsões, tráfico de drogas e agiotagem. Os italianos, segundo consta, manteriam ligações próximas com os abastecedores dos traficantes cariocas. De acordo com a justiça italiana, o braço brasileiro da máfia fornece drogas para três famílias da máfia italiana: Barbaro e Papaglia, na Calábria, e Senese, em Nápoles. Para as autoridades italianas, o Brasil ficaria atrás apenas da própria Itália e dos Estados Unidos na preferência para suas operações.

A máfia japonesa, a Yacuza, também já se faz presente no Brasil, tanto no envio de cocaína para o Japão, como no recrutamento de imigrantes brasileiros para atividades de entretenimento, entre eles a prostituição.

Segundo Marie Christine Dupuis, analista financeira responsável pelo Programa Global da ONU Contra a Lavagem do Dinheiro do Crime Organizado, o Brasil é um dos países mais tentadores para lavagem de dinheiro do crime organizado.

Esses recursos ilegais giram em torno de US$500 a US$700 bilhões em todo o mundo, o equivalente a 2% do PIB mundial. As razões da escolha do Brasil são muitas. Entre elas, a proximidade da região produtora de drogas; uma extensa rede bancária; duas Bolsas de Valores com volume expressivo de transações; demanda de capital externo para o desenvolvimento; e inexistência de rigor no controle de operações financeiras, tal como existe em nações industrializadas. A analista lembra que, no episódio da derrocada financeira da Tailândia, em 1996, o orçamento estatal era de US$28 bilhões, ao passo que o volume de negócios do crime organizado, naquele mesmo ano, alcançou US$32 bilhões no país. Esse tipo de constatação levou os analistas financeiros a estabelecerem novos padrões: “quando, em um país emergente, o volume do dinheiro ilegal em circulação aumenta de maneira desproporcional em relação ao orçamento do Estado, este se condena ao ciclo da bolha financeira e sua provável explosão”.

O combate à chamada “lavagem de dinheiro” do narcotráfico apresenta-se, então, como um imperativo. É bom lembrar que, sem a lavagem de dinheiro, não existiria o crime organizado. Aliás, esse tipo de operação ganhou um termo novo e sofisticado: “engenharia financeira”. Trata-se de um delito de caráter mundial e sua repressão depende do esforço dos países em criar novas modalidades penais e colocar as polícias nacionais em coordenação com as de outros países.

Os organismos internacionais envolvidos na questão têm buscado modos de evitar que setores da economia sejam utilizados para essas operações de “limpeza” de dinheiro sujo. Entre as medidas, está a extensão de responsabilidades do controle das operações ilegais a bancos, financeiras e distribuidoras de títulos mobiliários, ou seja, o aparelho repressor deixa de ter a exclusividade para tratar dessas questões.

Seguindo essa linha, o Brasil adotou, pela Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, uma série de medidas que facilitam investigações, definem sujeitos, obrigações, sanções e atribuições de órgãos governamentais fiscalizadores. A lei criou, ainda, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - Coaf no âmbito do Ministério da Fazenda, órgão especializado no combate à lavagem de dinheiro.

Entretanto, Srªs e Srs. Senadores, sabemos que não é a edição de uma lei que elimina as possibilidades de lavagem de dinheiro. A propósito, alguns anos atrás, os Estados Unidos baixaram uma norma de identificação de todos os depositantes de somas acima de US$10 mil. Imediatamente após, os recursos ilegais foram transformados em depósitos de US$9.999,00, o que tornou mais fácil a mobilidade desses recursos.

De maneira simplificada, a lavagem de dinheiro compreende a introdução do dinheiro ilegal no mercado, por meio do comércio ou de atividades financeiras, principalmente nos chamados paraísos fiscais. O dinheiro ilegal é introduzido em atividades que lidam com o “dinheiro vivo”. Misturado ao dinheiro legal movimentado pelo estabelecimento, é depositado em bancos.

Essa operação pressupõe a colaboração de funcionários de instituições bancárias. Uma vez depositado o dinheiro, ele deve ser despistado por meio de operações sucessivas de transferências. O objetivo é cortar a cadeia de evidências que ligariam esse dinheiro a sua origem. Uma vez desvinculado de sua fonte, esse é investido em atividades legais, como redes hoteleiras, supermercados, ouro, etc.

No Brasil, uma investigação conjunta da Polícia Federal, do Ministério Público, do Banco Central e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras apurou que o crime organizado teria lavado R$30 bilhões nos anos de 1998 e 1999, e que o volume total da transação poderia chegar ao dobro disso. Do esquema, participaram desde pessoas comuns (lavradores, por exemplo), que emprestaram seus nomes, até gerentes de bancos e doleiros. O dinheiro provinha principalmente de Fortaleza, Belém, São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Manaus, Recife, Natal, Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Salvador e Teresina, o que dá uma dimensão da ramificação dos negócios ilegais (O Estado de S. Paulo,17/11/2000). Em Fortaleza, por exemplo, a CPI do Narcotráfico apurou que investimentos em hotéis e comércio de produtos médicos eram utilizados como fachada para legalizar dinheiro. Na Bahia, os negócios hoteleiros também chamam a atenção desses “investidores” internacionais.

Pois bem, Srªs e Srs. Senadores, diante da complexidade dessa questão, embora não tenha esgotado todas as variáveis envolvidas, gostaria de concluir esta minha intervenção levantando alguns pontos.

A Secretaria Nacional Antidrogas, criada há poucos anos pelo Governo Federal, tem, de fato, tomado algumas iniciativas significativas para enfrentar a questão das drogas, procurando colaborar com as ações da sociedade civil, incentivar programas de prevenção e motivar governos estaduais e prefeituras a agirem nesse campo. Sob esse ponto de vista, não teria restrições a fazer às ações empreendidas. Entretanto, algumas questões formuladas pelo seu primeiro titular, quando da criação da Secretaria, o Juiz Walter Maierovitch, continuam pendentes, e eu as retomo em forma de questionamentos:

- Até que ponto as drogas deixaram de ser tratadas como caso de polícia e passaram a ser vistas como caso de saúde pública?

- É séria a anunciada proposta de inverter a aplicação dos recursos com ênfase nas atividades de prevenção?

- Que medidas foram, efetivamente, tomadas, para desconectar o Brasil da rede internacional do crime? Será que essa atuação não está muito lenta?

- Em que medida as drogas estarão sendo consideradas uma prioridade? O fato de a Secretaria Nacional Antidrogas estar subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República significa que ela não tem relevância para o Governo?

            Outras questões apresentam-se e considero esse debate crucial. Assim sendo, apresentei, perante a Comissão de Relações Exteriores desta Casa, requerimento, o qual solicito seja transcrito na íntegra, visando promover uma audiência pública destinada a discutir a fundo a questão das drogas no Brasil. Conto, para isso, com o apoio de V. Exªs não apenas para aprová-lo, mas para que participem ativamente das discussões, que, no meu entender, não se restringem ao âmbito daquela Comissão.

            Gostaria de deixar este alerta: o Governo não está considerando a questão das drogas com a relevância que esta merece. Infelizmente, com todo o respeito aos profissionais que individualmente se empenham nas tarefas de prevenção e de recuperação, o Governo brasileiro continua tratando o problema como uma questão menor. O Senado Federal deveria fazer parte da resolução desse problema, chamando também para si a responsabilidade de discuti-lo, de propor soluções e alternativas que venham a sanar de uma vez por todas essa ferida que, silenciosamente, corrói nossa sociedade e nossos jovens.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2001 - Página 10872