Discurso durante a 63ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

SATISFAÇÃO COM A ESCOLHA DO PADRE CICERO ROMÃO BATISTA, COMO O CEARENSE DO SECULO XX.

Autor
Luiz Pontes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Luiz Alberto Vidal Pontes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • SATISFAÇÃO COM A ESCOLHA DO PADRE CICERO ROMÃO BATISTA, COMO O CEARENSE DO SECULO XX.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2001 - Página 10903
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, ESCOLHA, REPRESENTAÇÃO, PERSONAGEM ILUSTRE, ESTADO DO CEARA (CE), ELOGIO, INICIATIVA, EMISSORA, TELEVISÃO.
  • REGISTRO, ESCOLHA, CICERO ROMÃO BATISTA, SACERDOTE, PERSONAGEM ILUSTRE, ESTADO DO CEARA (CE), HOMENAGEM, BIOGRAFIA.
  • HOMENAGEM, PERSONAGEM ILUSTRE, ESTADO DO CEARA (CE), INCLUSÃO, RELAÇÃO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA.

O SR. LUIZ PONTES (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os diversos segmentos representativos e formadores de opinião do meu Estado, o Ceará, foram recentemente mobilizados para a escolha daquele que possa representá-lo como o filho ilustre mais destacado no século recém- findo: O Cearense do século XX. Como resultado final, o Padre Cícero Romão Batista foi eleito com quase um milhão de votos - 38,78% dos votos de 1.694.930 cearenses que participaram dessa eleição pela Internet, por telefone e por meio de 40 urnas espalhadas em várias cidades do Interior do Estado. Em segundo lugar, ficou o industrial Edson Queiroz, um dos maiores empreendedores do Nordeste.

Como cearense, como admirador de promoções dessa natureza, cumpre-me enaltecer desta tribuna, a iniciativa da Televisão Verdes Mares e da Rede Globo, as quais, numa ação conjunta, proporcionaram o resgate ao alcance do povo, do perfil e popularidade daquele que se identificou com a face do povo.

Nessa concepção de destaque foram considerados, preliminarmente, dez nomes oriundos das mais diferentes áreas da vida cearense: do empresariado, da política, das letras, das artes, da justiça, do clero e das armas.

Nomes que enriquecem a história do Ceará, pelas ações empreendidas por cada um dos ilustres referenciados, pela obra que legaram à posteridade, autenticando as páginas da história cearense com a marca registrada da inteligência, do trabalho, da liderança, da criatividade e do empreendimento.

Humildes e modestos alguns deles, audazes e arrojados outros muitos. Cada um, porém, revestido de uma indumentária muito própria no enfrentamento de seus desafios, na ultrapassagem dos limites do seu espaço e do seu tempo.

E poderíamos, Sr. Presidente, Nobres Senadores, desfiar um rosário de nomes conhecidos não apenas no Ceará, mas em todos os quadrantes da nação, posto que a terra de Iracema é pródiga em homens, mulheres e feitos. De Sobral ao Cariri, do Maciço ao Jaguaribe, do Sertão Central aos Inhamuns, do litoral à Ibiapaba.

O tempo que nos é reservado somente nos permite falar apenas de alguns poucos, os quais, certamente, sintetizam essa estirpe de figuras que souberam transformar - cada um a seu modo - uma nota perdida na música que canta as belezas e as riquezas da terra do Sol; uma gota suada de trabalho na bonança do progresso; o rabisco de uma letra no livro que retrata a cultura de um povo; uma rima perdida no poema que transcende às fronteiras da simetria; uma migalha de semente na fartura do alimento; enfim, Sr. Presidente, nomes que transformaram o impossível em apenas difícil.

Lembro da coragem empreendedora de um Edson Queiroz; do apostolado político de um Solon Pinheiro; das canções e do ritmo inovador de um Humberto Teixeira; do talento e da fama internacional de uma Florinda Bolkan; da imaginação poética de um Cego Aderaldo; da presença de espírito de um Quintino Cunha, da versatilidade humorística de um Chico Anísio, de um Tom Cavalcante, e de um Renato Aragão, da paciência pesquisadora de um Raimundo Girão, das tiradas intempestivas e humoradas do “seu Lunga”, da ação administrativa e moralizadora de um Tasso Jereissati, entre muitos outros.

Nomes, aliás, que mesmo não figurando na relação final dos escolhidos - por sinal de impecável esmero seletivo - não deixam, igualmente, de orgulhar o Ceará.

Quero abrir um parêntese neste pronunciamento para cumprimentar as entidades cearenses imbuídas de tão nobre tarefa preliminar: Academia Cearense de Letras, Academia Cearense de Medicina, Associação dos Jovens Empresários, Associação Cearense de Imprensa, Associação Cearense de Magistrados, Associação Cearense de Comércio, Câmara dos Dirigentes Lojistas, Conselho Estadual de Educação, Federação Cearense de Comércio, Federação das Indústrias do Estado do Ceará, Instituto Cultural do Vale Caririense, Ordem dos Advogados do Brasil, Universidade Federal do Ceará, União dos Trovadores do Brasil, Universidade de Fortaleza, Universidade Regional do Cariri e Universidade do Vale do Acaraú.

A escritora Rachel de Queiroz, Dom Helder Câmara, Antônio Martins Filho, Edson Queiroz, Virgílio Távora, Patativa do Assaré, Clóvis Bevilácqua, Eleazar de Carvalho, Castello Branco e o Padre Cícero Romão Batista. Dez nomes que orgulham o Ceará, que sintetizam o perfil de todos os segmentos.

Rachel de Queiroz, cearense de Fortaleza e quixadaense de criação e coração, como ela mesma faz questão de dizer, primeira-dama da imortalidade acadêmica brasileira;

Dom Helder Pessoa Câmara, símbolo incontestável da virtude e da resistência do apostolado. O mais polêmico bispo brasileiro, tenaz denunciante da arrogância e das incoerências do regime militar e membro fundador da CNBB.

Maestro Eleazar de Carvalho, ilustre filho de Iguatu, um dos mais destacados regentes da música erudita. Autêntico expoente da nata musicalidade cearense.

Clóvis Bevilácqua, jurista eminente e um dos fundadores da Academia Cearense de Letras. Autor do texto do Código Civil Brasileiro, adotado em 1916. O maior jurista de sua época.

Antônio Martins Filho, ilustre filho do Crato, advogado e membro da Academia Cearense de Letras, fundador das Universidades Federal e Estadual do Ceará.

Virgílio de Moraes Fernandes Távora, um dos mais atuantes e admirados políticos cearenses: Governador, Senador e Deputado Federal. Pelas suas mãos, o Ceará foi introduzido na era industrial.

Humberto de Alencar Castello Branco, Presidente da República e o primeiro do Regime Militar. Homem simples, de caráter marcante, destacado pelo desprezo que dava às benesses materiais que lhe facultavam os altos postos e cargos ocupados.

Antônio Gonçalves da Silva, o famoso Patativa do Assaré. Um dos maiores poetas populares do Brasil, conhecido única e exclusivamente pelo talento, sem jamais haver saído de sua terra natal, onde vive até hoje.

Edson Queiroz - o segundo colocado na escolha do povo cearense -, natural de Cascavel, onde nasceu aos 12 de abril de 1925, já aos oito anos, ajudava no comércio do pai, durante os horários em que não estava na escola. Construiu um dos mais sólidos grupos empresariais do Estado e do País, vindo a falecer, em 1982,em lamentável desastre aéreo, aos 57 anos, no qual também perderam a vida outras dezenas de cearenses.

Fundador do Sistema Verdes Mares, Edson Queiroz deixou aos cearenses um dos mais importantes grupos de comunicação falada, escrita e televisiva, até hoje mantido no destaque e com a credibilidade sonhada por ele, cujo exemplo pessoal de retidão e imparcialidade inspirou em muitos os que continuam a sua obra.

Outro grande empreendimento de Edson Queiroz é a Fundação Edson Queiroz, que mantém, atualmente, a Universidade de Fortaleza (Unifor), uma das maiores instituições de ensino superior do País. A Unifor, que no último dia 21 completou 28 anos de existência, conta com mais de 32 mil profissionais formados nos seus 23 cursos de graduação e 65 cursos de pós-graduação. Hoje, a Fundação Edson Queiroz desenvolve ações sociais e mantém uma escola para alunos carentes aos quais distribui material escolar, fardamento e alimentação.

Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero centrar a tônica deste pronunciamento na figura lendária, marcante e indiscutivelmente digna de referência, que é a do Padre Cícero Romão Batista, escolhido pelo povo para sintetizar o perfil da personalidade cearense.

Resistindo a décadas de história, popularizando-se além das fronteiras do Estado e do País, merecendo a atenção de nordestinos e sulistas, adentrando aos corredores do rito canônico da Santa Sé, onde por suas virtudes e milagres, certamente será confirmado e proclamado não apenas como o Apóstolo do Cariri, mas sobretudo, como o Santo do Nordeste.

Aproveito as palavras do escritor Geraldo Menezes Barbosa para contar um pouco a trajetória deste ilustre cearense. O Padre Cícero nasceu na cidade do Crato, região sul do Estado do Ceará, em 24 de março de 1.844. Filho de Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Romana, não teve ele um berço de ouro. Filho de pais humildes, cresceu em meio à pobreza e ás dificuldades comuns à sua época.

Logo muito cedo demonstrava um interesse muito diferente dos meninos de sua idade. A vida sacerdotal lhe fascinava. Com freqüência, era visto na igreja, ajudando o padre nas suas tarefas, mergulhado na leitura das histórias dos santos, inspirando-se na vida de São Francisco de Sales e decidido, na simplicidade de sua compreensão, a manter-se em permanente estado de castidade.

Era como se oferecesse a Deus o sacrifício de sua própria abstenção fisiológica, aliás a única coisa que talvez tivesse para oferecer, tamanha era a pobreza em que vivia.

Matriculado pelos pais no colégio do renomado Padre Rolim, em Cajazeiras, na Paraíba, em 1860, via ele o sonho de ser padre ser acalentado. Uma fatalidade, no entanto, viria a demolir o castelo de seus sonhos: a inesperada morte do pai, vítima de cólera, em 1862, interrompeu-lhe os estudos, obrigando-o a voltar para casa, tornando-se arrimo de família. Tinha que cuidar da mãe e das duas irmãs.

A crise financeira decorrente da morte do pai transtornara a todos e só aos 21 anos de idade, com a ajuda do seu padrinho de crisma, Coronel Antônio Luiz Alves Pequeno, ingressou no Seminário de Fortaleza, em 1865. Uma vitória para ele que sempre ouvia dizer que somente os meninos ricos podiam estudar em bons colégios. E estudar logo no Seminário de Fortaleza era mais do que ele mais queria e sonhava.

O sonho do menino pobre novamente teve curta duração. A direção do seminário que, a princípio aceitara Cícero Romão estudando de graça, determinou o cancelamento de sua matrícula. Foi um golpe interior por ele sofrido, pois era pobre e não tinha como pagar as despesas do estudo que tanto queria continuar.

Foi aí que novamente o padrinho abastado, Coronel Antônio Luiz Alves Pequeno, salvou-lhe da difícil situação. Custeou-lhe o restante dos estudos, vindo a ser ordenado cinco anos depois, graças àquela providencial ajuda.

Em janeiro de 1871 retornou ao Crato, onde ficou aguardando nomeação para prestar serviço em alguma paróquia. Em 24 de dezembro do mesmo ano, atendendo ao convite do Professor Semeão Correia de Macêdo, celebrou pela primeira vez, no povoado de Juazeiro, onde permaneceu três dias em contato com o povo, tendo decidido poucos meses depois fixar residência ali, na função de capelão. Assim nascia a verdadeira história da Meca do Nordeste pelas mãos daquele jovem sacerdote, oriundo de tantas dificuldades.

Parece até que ele sabia estar predestinado a uma grande missão. Tão logo chegou, cuidou da restauração da velha capelinha, erigida em 1827 pelo primeiro capelão da localidade, Padre Pedro Ribeiro de Carvalho. Conseguiu imagens com as esmolas dos fiéis devotos.

Era o começo de uma obra certamente determinada pelo Todo Poderoso. Obra essa que anos depois, perpetuaria a memória daquele padre humilde, de bom e fraterno coração, que sabia se impor quando a situação assim o exigia, mas que partilhava igualmente com seus fiéis o rigor da pobreza. Assim era iniciada a trajetória do PATRIARCA DO NORDESTE.

Naquela época, o pequeno povoado de Juazeiro não oferecia muita coisa aos seus habitantes. A miséria e a marginalidade despontavam como conseqüência natural de toda aquela pobreza e isolamento. A presença do padre, no entanto, representava a esperança de mudança.

E foi assim que o jovem sacerdote cuidou de recolocar a ordem e os bons costumes do ambiente nos seus devidos lugares. Conquistando a simpatia dos habitantes, tornando-se líder da pequena e quase insignificante comunidade que cresceria pelas suas mãos.

Sua presença atraía pessoas da vizinhança. Estavam todos curiosos por conhecer aquele capelão que tinha vindo do Crato.

O Bispo do Ceará, Dom Joaquim José Vieira, dedicou-lhe grande estima e confiança. Seu antecessor, Dom Luiz Antônio dos Santos - o primeiro Bispo da Província -, o considerava um anjo.

Em agosto de 1.884, quando de visita pastoral ao Crato, dom Joaquim fez questão de enaltecer o trabalho do Padre Cícero. De passagem pelo povoado de Juazeiro, para consagrar a capela de Nossa Senhora das Dores, iniciada pelo Padre Cícero, em 1.875, deixou escrito ali o seguinte: "A capela começada pelo Padre Cícero Romão Batista, sacerdote inteligente, modesto e virtuoso, é um monumento que atesta eloqüentemente o poder da fé da Igreja Católica Romana, pois é admirável que um sacerdote pobre tenha podido construir um templo vasto e arquitetônico em tempos anormais quais aqueles que atravessa esta diocese assolada pela seca, fome e peste". Posteriormente acrescentou: " A virtude do Padre Cícero enche todo o Vale do Cariri".

Mas o bispo logo mudaria a sua opinião, graças a um episódio até hoje propagado. No dia 6 de março de 1.889, durante uma comunhão geral, oficiada pelo Padre Cícero, a hóstia consagrada colocada na boca da Beata Maria de Araújo não pôde ser engolida. Havia se transformado em sangue.

Repetidas vezes o fenômeno foi testemunhado pelo público. Algum tempo depois, até por outros padres e médicos. Chegaram a emitir atestado, concluindo tratar-se de fato sobrenatural para o qual não era possível encontrar uma explicação científica.

Durante algum tempo o fenômeno permaneceu em sigilo, até ser proclamado como milagre, em sete de julho do mesmo ano, por iniciativa de Monsenhor Francisco Monteiro, Reitor do Seminário do Crato, o qual organizou uma romaria de cerca de três mil pessoas que saíram de Crato para Juazeiro, a fim de observar a transformação da hóstia em sangue.

A partir daí, Juazeiro virou centro de peregrinação - o embrião das grandiosas romarias de hoje. A vida sacerdotal do Padre Cícero tem a sua tranqüilidade quebrada. Começa contra ele uma campanha de inveja, intrigas e perseguições.

O Bispo Dom Joaquim, que antes lhe dedicava respeito e admiração, lhe escreveu solicitando um relatório completo do ocorrido. Aliás, chegou ao cúmulo de repreender o padre por não ter sido informado, de imediato, dos "fatos extraordinários" ocorridos em Juazeiro, e considerou sua negligência como sendo uma quebra do voto clerical de obediência.

Padre Cícero atende à solicitação de Dom Joaquim e remete o tão esperado relatório sobre o "milagre", uma peça que, segundo o historiador americano Ralph Della Cava, é um dos documentos mais curiosos da "Questão Religiosa" de Juazeiro.

Estrategicamente, Dom Joaquim permaneceu distanciado do assunto, esperando que ele se diluísse por si mesmo, caindo no esquecimento geral. Mas as romarias aumentavam. O Milagre do Juazeiro não tinha mais como permanecer limitado a um relatório na gaveta de uma mesa da Diocese do Ceará.

Um atestado passado pelo médico Marcos Madeira, diplomado no Rio de Janeiro, conferindo ao fato o caráter de sobrenatural, foi divulgado pela imprensa de forma sensacionalista e, por conta disso, a reação da população católica instruída do Nordeste não se fez esperar.

O Bispo intimou o Padre Cícero a comparecer ao palácio episcopal em Fortaleza. E com urgência para ser interrogado. A crença no "milagre" estava mesmo fadada ao êxito, pois outro médico, o Dr. Idelfonso Correia Lima e o farmacêutico Joaquim Secundo Chaves, convencidos da miraculosidade do fenômeno da transformação da hóstia em sangue, assinaram também um atestado, endossando o que fora afirmado pelo Dr. Marcos Madeira.

Os acontecimentos deixavam prever um final desastroso. Dom Joaquim, o Bispo do Cearás, não teve outra escolha. Formou uma Comissão de Inquérito com sacerdotes competentes, jurídica e teologicamente, para verificar in loco o tão extraordinário fenômeno que todos teimavam em considerar milagroso.

Tal comissão, considerada de alto nível, foi constituída em setembro de 1891, pelos Padres Clicério da Costa Lobo e Francisco Antero Ferreira. Após três dias de recolhimento e orações, seguindo orientações superiores, a comissão levou a Beata Maria de Araújo para a Casa de Caridade do Crato, a fim de que seus trabalhos pudessem ser conduzidos sem a interferência do Padre Cícero.

E para espanto de todos, o extraordinário fato se repetiu. A comissão maravilhada ante a perspectiva de estar assistindo a um milagre autêntico, concluiu o inquérito dando parecer favorável.

O resultado não agradou ao bispo, que exigiu uma retratação pública do Padre Cícero. Ele devia dizer ao povo que não acreditava naquilo que acreditava.

Outra comissão, agora chefiada pelo Padre Alexandrino de Alencar, formada em 1892, concluiu as investigações com parecer desfavorável ao "milagre". O parecer serviu de orientação aos censores eclesiásticos em Roma, e Padre Cícero somente não foi excomungado pela Santa Sé pelo medo da perigosa repercussão que o fato certamente teria.

Mesmo assim, foi suspenso de ordem e proibido de oficiar atos religiosos. Padre Cícero suportava a tudo, mesmo não podendo mais celebrar missas, oficiar batizados, casamentos, oferecer a extrema unção aos enfermos... Era esse o preço que a sua própria Igreja lhe cobrava por difundir a fé.

Mas ele, a tudo se submeteu com resignação. Pacientemente. Foi a Roma, reconquistou o direito de celebrar missa, regressou a Juazeiro certo de que seria reabilitado pela Igreja, mas novas sanções lhe foram impostas. Até que foi definitivamente suspenso de ordem.

Imaginem Srªs e Srs. Senadores, a dor lancinante que certamente o coração daquele santo homem teve que suportar. Suspenso das ordens sacerdotais depois de tantos sacrifícios. E por haver protagonizado um milagre que nem ele entendia porque ocorrera justamente pelas suas mãos.

Os romeiros que tanto o amavam não podiam mais encontrá-lo na igreja. No entanto, transformavam a sua casa num refúgio de conselhos e de proteção espiritual. Atendia a todos. Recebia e distribuía esmolas. Aconselhava-os oralmente e até por escrito. Era o padrinho de todos.

Privado dos misteres religiosos, Padre Cícero dedicou-se à política, atendendo aos apelos dos amigos. Era também uma forma de servir aos seus milhares de fiéis. Mesmo que na forma do apostolado perante os homens.

Padre Cícero fez sentir a sua ação política, empreendendo o movimento pró-emancipação de Juazeiro da jurisdição do Crato, fato consumado a 22 de julho de 1.911. Com autonomia municipal, Juazeiro teve na pessoa do Padre Cícero o seu primeiro Prefeito, cuja posse aconteceu em 4 de outubro do mesmo ano, iniciando-se, assim, uma trajetória política que se estenderia até a segunda metade da década de 20.

Dois anos após a criação de Juazeiro, em 1913, passaria a ser novamente o centro de acirrada polêmica política, depois de ter sido afastado do cargo de Prefeito, em 11 de Fevereiro, pelo Coronel Franco Rabelo, Presidente do Estado do Ceará. Alguns historiadores creditaram ao Padre a liderança do movimento sedicioso de Juazeiro, fato que, aliás, ele sempre negou.

Numa retrospectiva geral da vida do Padre Cícero, constata-se ter sido ele uma figura realmente importante. Foi ele quem introduziu o hábito de se usar no pescoço o rosário da Mãe de Deus, costume até hoje praticado em todo o Nordeste brasileiro. Fundou as Conferências Vicentinas e o Apostolado da Oração, ainda hoje atuantes.

Muito contribuiu para a educação de seu povo, dando aulas particulares, custeando despesas de estudante pobres e ajudando financeiramente na criação de novas escolas, tendo especialmente para este fim deixado grande parte de seus bens, como herança, à Congregação Salesiana. Foi pioneiro da campanha encetada para a construção do Seminário do Crato. Na terrível seca de 1877 desempenhou papel de destaque, tendo intercedido junto aos poderes competentes, no sentido de serem as vítimas socorridas, recebendo toda a assistência possível na época.

No global, sua atuação extrapolou os limites de sua ação como valoroso pastor de almas. Exerceu grande influência no desenvolvimento da agricultura, incentivando o cultivo da mandioca, da cana de açúcar, etc.; da pecuária, promovendo a introdução do gado zebu e da indústria e comércio, estimulando o surgimento de novas empresas que aceleraram o crescimento de Juazeiro e da região do Cariri.

Praticou a medicina popular, como forma alternativa de cura, prescrevendo remédios caseiros à base de ervas medicinais com excelentes resultados e contribuindo desta forma para a expansão do ramo de comércio da fitoterapia. Aliás, até hoje muita gente continua repetindo as receitas do "Padim Ciço".

No campo religioso, direcionou uma devoção toda especial a Nossa Senhora das Dores, padroeira de Juazeiro, e que juntamente com a romaria dedicada à sua própria pessoa, após a sua morte, terminou por transformar Juazeiro num dos maiores centros de religiosidade popular da América Latina.

E, finalmente, fez florescer um tipo sui generis de artesanato (confecção de peças em madeira, gesso, tecido, material plástico e metal) - símbolo da fé no Padre Cícero, bastante apreciado no Brasil e no exterior e que absorve um número incalculável de artistas. Essa atividade, até hoje em evidência, representa o meio de vida, a fonte de ganho e de sustentação financeira de milhares de pessoas.

Padre Cícero faleceu no dia 20 de julho de 1.934, aos 90 anos de idade, em Juazeiro do Norte, acometido de renitente enfermidade renal e outras complicações orgânicas. Sua morte, como era de se esperar, causou profunda e incontida consternação no seio da população local assim como aos seus milhares de devotos espalhados por todo o Nordeste do Brasil. Muito pensaram que, morto o ídolo, a cidade que ele fundou e a devoção à sua pessoa acabariam em pouco tempo. Nada disso, porém, aconteceu.

A cidade de Juazeiro do Norte é hoje a maior do interior cearense, com contínuo ritmo de desenvolvimento e ele continua sendo uma das figuras mais destacadas do clero brasileiro, objeto de estudo por parte de historiadores e cientistas sociais, em função de quem foram defendidas muitas teses de mestrado e doutorado no País e no exterior.

Seu nome transformou-se num robusto volume editorial, com mais de uma centena de obras publicadas a seu respeito, afora um incontável número de artigos e trabalhos diversos espalhados pela imprensa em geral, sendo inclusive tema de filmes e documentários de televisão.

Rejeitado pela Igreja, tornou-se o verdadeiro santo dos nordestinos e, como tal, é venerado, mesmo à revelia de Roma.

Juazeiro do Norte se transformou na Meca do Nordeste brasileiro para onde convergem quase meio milhão de romeiros anualmente, tanto do próprio Estado do Ceará como do restante do Nordeste e de outras regiões do Brasil.

Na Assembléia Legislativa do Ceará, que muito honrosamente presidi, no biênio 97/98, apoiei e conjuguei ações a colegas parlamentares no sentido de resgatar e preservar a memória do Santo do Juazeiro. Como a do Deputado Vasques Landim que requereu a devolução, por parte do Museu do Tribunal de Justiça, de importantes documentos transladados do Cartório de Juazeiro do Norte para Fortaleza, tais como os inventários dos espólios do Padre Cícero Romão Batista e do Dr. Floro Bartolomeu, o livro em que consta o testamento do Padre Cícero e o livro de assentamento de óbitos em que foi registrada a morte do Patriarca do Cariri.

Mais recentemente, outra iniciativa se destaca pelo importante referencial proporcionado. O projeto de lei do Deputado Giovani Sampaio, também apresentado na Assembléia Legislativa do meu Estado, propondo a mudança do nome de Juazeiro do Norte para Juazeiro do Padre Cícero.

Em cada recanto nordestino se encontram referências às mais diversas curas e graças alcançadas por sua intercessão, muitas das quais considerada como autênticos milagres. Padre Cícero deixou o mundo dos vivos, mas continua vivendo no coração de todas que cultuam sua memória.

Com muita justiça, o povo cearense o escolheu como o símbolo de uma época, expoente maior das características de uma gente que sofre, que vive sob o rigor das intempéries, que tem sido relegada ao segundo plano de muitas das decisões nacionais, mas que tem a esperança de um tempo novo, alimentando essa resistência heróica na fé inabalável de seu mito, de seu santo.

É esta, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a figura mais destacada no Ceará do séc. XX. O Padre Cícero Romão Batista, o milagreiro do Cariri, o apóstolo do Ceará, o Santo do Nordeste, é o Cearense do século XX. Fiz esse pronunciamento mais longo e demorado para justificar a trajetória de vida de um homem, hoje, considerado o santo do Nordeste, admirado e venerado por milhões de pessoas no Brasil e no Mundo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2001 - Página 10903