Discurso durante a 65ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

ASPECTO DA FALTA DE PLANEJAMENTO PARA A CRISE ENERGETICA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA.:
  • ASPECTO DA FALTA DE PLANEJAMENTO PARA A CRISE ENERGETICA.
Publicação
Publicação no DSF de 05/06/2001 - Página 11504
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • ANALISE, DESVALORIZAÇÃO, PLANEJAMENTO, AMBITO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, BRASIL, EFEITO, CRISE, SISTEMA ELETRICO, AUSENCIA, INVESTIMENTO, PRODUÇÃO, ENERGIA ELETRICA.
  • ANUNCIO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, DEBATE, PROJETO DE LEI, PROIBIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA, PRODUÇÃO, ENERGIA.
  • ANALISE, PROGRAMA, RACIONAMENTO, ENERGIA ELETRICA, CRITICA, AUTORITARISMO, SOBRETAXA, EXCESSO, TRIBUTAÇÃO, CONSUMIDOR, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, NECESSIDADE, ALTERNATIVA, PROVIDENCIA, INCENTIVO, ENERGIA EOLICA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que me traz à tribuna é aquele que tem tomado espaço em grande parte da imprensa, dos jornais, das televisões, dos rádios e está sendo debatido pela sociedade como um todo, especialmente pelo Congresso Nacional: o racionamento de energia.

Não abordarei todos os aspectos do problema, porque é vasto, muito complexo, e não é esse meu objetivo. Entretanto, eu gostaria de ferir alguns pontos que merecem a atenção do grupo encarregado de gerir o racionamento. O dano inicial já ocorreu: a imprevidência, a falta de planejamento. Aliás, acredito que muito disso pode ser creditado ao desprestígio que, nos últimos anos, emprestaram ao planejamento no Brasil, o qual passou a ser considerado uma atividade dispensável.

A questão importantíssima do ajuste fiscal e da estabilidade da economia - não vamos desconsiderar esse fato - terminou por roubar a cena, e o planejamento passou a ser algo descartável.

Os planos qüinqüenais e as grandes programações que se elaboraram, inclusive o próprio Avança Brasil, que parecia ser um enfoque novo para a questão do planejamento no País, enfrentam atualmente grandes dificuldades em virtude da conjuntura e da escassez de recursos. Deve-se voltar a valorizar a atividade de planejamento de médio e de longo prazo.

Houve, de fato, falta de previsão. Estamos em um momento de transição. Deixamos aquela fase em que o Estado brasileiro cuidava de gerar e de distribuir energia, para participarmos de nova fase, em que, em princípio, tudo seria privatizado, mas se privatizou apenas a distribuição. Não houve investimentos na geração e na produção de energia. Por outro lado, por força de desencontros entre os investidores e as autoridades do setor elétrico do Governo, não se definiu um novo modelo inclusive para estabelecer tarifas e o preço do gás para o problema emergencial de termelétricas geradas a gás. Então, vimo-nos nessa circunstância de uma pequena ajuda de São Pedro, o que não justifica, entretanto, o que ocorreu, porque, de fato, a falta de investimento em transmissão e em geração de energia acabou levando a esse problema. Precisamos atentar agora não apenas para a questão do racionamento, mas para o fomento e o estímulo da geração de energia.

É preciso distinguir duas coisas. A primeira é a crise em que estamos mergulhados, que é conjuntural, ou seja, de circunstância; a segunda é a necessidade de tomar medidas de ordem estrutural e definir o modelo que pretendemos para o futuro. Amanhã, na Comissão de Assuntos Econômicos, que tenho a honra de presidir, haverá, após a Ordem do Dia, audiência pública para instruir o Projeto do Senador Roberto Freire, que determina a proibição de privatizar as geradoras brasileiras que pertencem à União. O Relator, Senador José Agripino, convidou o Dr. Afonso Henriques Santos, Secretário de Energia do Ministério das Minas e Energia, e o empresário Antônio Ermírio de Moraes, que também dará a sua opinião sobre esse assunto. É uma colaboração que estamos dando ao debate.

É preciso, pelo menos, haver uma gestão eficiente da crise com a adesão, a colaboração do povo. Aliás, a imprensa apregoa todos os dias o que está acontecendo, as restrições ao consumo, a sua redução.

Ao lado disso, não podemos aceitar pacificamente alguns pontos desta questão. Quero me referir ao chamado tarifaço, ao aumento desmedido das tarifas que se quer impor àqueles que consumam acima de 200 kw. Aumentos de 50% e 200% são inadmissíveis, não há como aceitar isso. Primeiro, porque tudo o que é provisório no Brasil termina sendo permanente, principalmente se se tratar de carga tributária sobre o contribuinte. Não podemos concordar com esse tarifaço.

A Gazeta Mercantil desta segunda-feira, 4 de junho de 2001, publica um artigo de Klaus Kleber, em que ele diz: “Tarifaços são para sempre. Nasce o esquema de tarifas por classe de consumidores”. Quer dizer, o que se deseja agora é criar uma tarifa diferenciada para uma determinada classe de consumidores. Ora, no meu modo de ver, dever-se-ia impor reduções para quem consome mais energia - estou falando de consumidores residenciais. Por quê? O consumidor de 100 kwh, de 200 kwh, não tem mais o que cortar. Como é que ele vai reduzir, se o seu consumo já é tão baixo? Ele realmente não tem o que reduzir. O que ele está consumindo de energia elétrica é o mínimo para uma sobrevivência razoável. Agora, quem consome mais, acima de 500 ou de 1000 Kwh, evidentemente pode sacrificar o seu conforto e reduzir o consumo. A restrição não deveria ser o preço, porque esses consumidores de grande porte geralmente têm boa condição econômica e não vão se importar de pagar mais. Eles deveriam ser obrigados a reduzir, talvez 30% ou 35% do seu consumo.

Aceitar tranqüilamente esse tarifaço é que nos parece injusto. O articulista que mencionei faz referência a uma situação que existe no Paraná, a chamada “tarifa amarela”. Segundo ele, “por esse sistema a concessionária faz um contrato com o consumidor, estabelecendo o seu patamar de consumo, de acordo com o qual são fixados preços diferenciados”.

Aqui não há contrato nenhum. Há uma decisão de cima para baixo, subindo esses preços. Não podemos aceitar isso. Todos sabem, e eu já falei várias vezes aqui da tribuna, que o que mais subiu no Brasil, nos últimos anos, foi a tarifa de serviços públicos.

Eu li nesse fim de semana -- já não me lembro em que publicação -- que as tarifas de energia elétrica, no Brasil, de 95 para cá, aumentaram 175%. O que foi - pelo amor de Deus! - que aqui no Brasil subiu 175% nesse período? A inflação esteve muito abaixo disso, os salários não subiram e certas mercadorias, em função da competição e da liberdade de importação, até caíram de preço. Isso é um sinal de que as elevações de tarifas estão se tornando insuportáveis para a população. As empresas distribuidoras estão na Justiça contra a Aneel, porque acreditam que ela não lhes está dando aqueles reajustes que os contratos, celebrados por ocasião da venda das empresas, autorizam a gozarem. O aumento é alto, parece inaceitável, a população reclama, mas as empresas entendem que os contratos lhes dão direito a mais; por isso acionaram na Justiça a Aneel. Agora, vem um tarifaço dessa ordem, que realmente é inaceitável.

Sinto-me à vontade porque tenho falado sobre isso desde o primeiro dia, mas parece que o Governo tenta dar outra solução para o problema.

No Nordeste, as coisas estão caminhando para um grande risco: o Brasil ficará na penumbra, e o Nordeste, na mais negra escuridão. Há tentativa de se elevar a quota de racionamento do Nordeste de 20% para mais. Não podemos aceitar isso, porque seria um sacrifício muito além do que uma região pobre e sacrificada como o Nordeste pode sofrer.

O Governo tem que entender que estamos em uma situação de crise grave, com repercussões no emprego, na economia, nas relações sociais, no humor da população. É hora de o Governo entender que precisa tomar uma série de providências imediatas, enérgicas, ou liberar a importação de empresas, de termoelétricas flutuantes, liberar impostos que incidem sobre certos produtos de energia alternativa, até sobre geradores. Se ele libera por um lado, vai ganhar pelo outro. Esses geradores vão ser adquiridos, vão consumir óleo diesel, enfim, criar outro ciclo na economia. Não dá para adotar um tratamento rígido, estritamente financista em relação a esta questão que transcende o problema de ordem econômica, porque envolve e desestabiliza as próprias relações dentro da sociedade. É uma questão da maior gravidade.

Ao mesmo tempo, é necessário, também, que se estimulem outros usos de energia. O Nordeste tem um potencial para instalação rápida de grandes usinas de geração de energia eólica, mas esse tipo de energia é mais cara do que a energia convencional, a hidroelétrica. Então, é preciso acertar esses preços. Dentro de seis meses, poderemos ter uma grande quantidade de usinas eólicas implantadas no Nordeste, onde está relativamente levantado esse potencial de ventos e de produção de energia. Os Estados do Ceará e Paraná elaboraram um grande mapa chamado Mapa Eólico do Estado, com toda a definição da velocidade dos ventos.

No que se refere às indústrias que produzem alumínio, temos que reexaminar a questão. Apenas a usina da Alcoa consome o equivalente ao que consomem três Estados juntos - Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte. É claro que temos que entrar em acordo com essas empresas. Elas investiram, precisam produzir, têm empregados, mas o Governo tem de encontrar uma forma de equacionar o problema. Esperamos que a situação não dure muito, que sejam adotadas medidas eficazes. Há uma incerteza, uma insegurança adicional à própria escassez do produto.

O assunto não se refere somente a medidas judiciais. A Justiça pode dar tudo, só não entrega a energia, pois não tem. Precisamos encontrar uma forma para que os direitos dos cidadãos, os contratos constituídos, sejam respeitados, desde que haja disponibilidade de energia para ser entregue. Esta questão precisa ser vista com bom senso, pois não se trata de formalismo jurídico apenas. Longe de mim querer, de qualquer forma, afastar os pilares, os fundamentos do Estado de Direito estabelecido pela Constituição Federal e pelas leis. Precisamos, no entanto, observar o que é possível fazer nesta situação de grande escassez.

Espero que o bom-senso prevaleça, e que o Governo demonstre, de um lado, que adota tais medidas de racionamento, e que, de outro, estimula como pode -- até com certo sacrifício, pela rigidez que a política financeira e fiscal impõe -- a produção de energia, pelo menos durante o período de enorme escassez que enfrentamos.

           Assim, gostaria, mais uma vez, de deixar claro o que manifestei desde o início com relação ao tarifaço: é injusto, inaceitável. O Governo não pode se aproveitar dessa situação para embutir nessas medidas reajuste do preço de energia de até 200%; não há como aceitarmos; que aumente a exigência de redução para os consumidores acima de 500 Kw, mas não implantando tarifas absurdas como essa.

E por último a questão do Nordeste, que requer, de fato, um tratamento especial. Nós só temos uma fonte hidrelétrica, que vem do Rio São Francisco, uma empresa, que é a Chesf, contra a privatização da qual eu me insurgi quando votamos aquele projeto do Senador José Eduardo Dutra, porque penso que seria uma temeridade. Mas o Governo não pode impor uma penalização adicional em cima da pobreza, da desigualdade, da miséria já existentes no Nordeste. Agora há uma seca terrível que se abate sobre a região, além das medidas de racionamento que estão acima daquilo que o resto do País está já sofrendo. Seria injusto, e eu espero que esses pontos sejam revistos pelo Governo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/06/2001 - Página 11504