Discurso durante a 65ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

APELO PARA APURAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES GOVERNAMENTAIS NA CRISE ENERGETICA NO BRASIL.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • APELO PARA APURAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES GOVERNAMENTAIS NA CRISE ENERGETICA NO BRASIL.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 05/06/2001 - Página 11506
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, TRABALHO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), ANALISE, IMPOSIÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PROIBIÇÃO, INVESTIMENTO, PRODUÇÃO, ENERGIA ELETRICA, OBJETIVO, PRIVATIZAÇÃO, SETOR, PROVOCAÇÃO, CRISE, ABASTECIMENTO, ANTERIORIDADE, CONHECIMENTO, GOVERNO FEDERAL, NECESSIDADE, PUNIÇÃO, CRIME DE RESPONSABILIDADE.
  • APOIO, DISCURSO, LUCIO ALCANTARA, SENADOR, REPUDIO, SUPERIORIDADE, RACIONAMENTO, REGIÃO NORDESTE, ELOGIO, COLABORAÇÃO, POPULAÇÃO, PAIS.
  • CRITICA, GOVERNO, OBEDIENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PREJUIZO, INTERESSE NACIONAL, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.

O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Maria do Carmo, Srªs e Srs. Senadores, escutei com muita atenção o pronunciamento do Senador Lúcio Alcântara sobre a questão energética; um pronunciamento inteligente, lúcido, judicioso, como todas as intervenções de S. Exª nesta Casa. A colocação de que agora nos resta colaborar na gestão eficiente sob todas as formas - até sob a forma da crítica construtiva que S. Exª fez aqui - e não prejudicar com nenhuma ação uma situação que já é de extrema gravidade para a Nação e para todo o povo brasileiro. Estou de acordo com S. Exª também, quando diz que houve uma imprevidência muito grande, conseqüência do próprio desprestígio do planejamento como filosofia do Governo, abandonado em detrimento das decisões de mercado, como se o mercado tivesse essa capacidade de previsão de longo prazo, que é exatamente a característica do planejamento, e é o que faz dele, planejamento, uma necessidade na vida das nações.

Porém, a par dessa visão da imprevidência, agora é o próprio Governo - por meio de um órgão seu, que é o BNDES - que informa à Nação, em um trabalho oficial intitulado “Cenário Macroeconômico e as Condições de Oferta de Energia Elétrica no Brasil”, que esta crise tão grave, com todas as conseqüências que ainda não podemos avaliar com precisão - temos apenas o sentimento de sua gravidade - resultou de uma imposição do Fundo Monetário Internacional, acatada pelo Governo, que proibia investimentos em setores que deveriam ser privatizados, como era o caso do setor de energia elétrica; investimentos em geração de energia elétrica, para que houvesse a geração de superávits primários nas contas governamentais.

Quer dizer, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que houve sim imprevidência. Mas, na medida em que as instâncias decisórias maiores, mais elevadas do Governo até o Senhor Presidente da República foram informadas da necessidade do desencontro entre o crescimento da demanda e o crescimento da oferta, ao fim de alguns anos, exatamente entre 2001 e 2002, haveria a completa carência de energia elétrica e, por conseguinte, necessidade de racionamento. O Governo estava avisado e tomou a decisão consciente de acatar a imposição do Fundo Monetário Internacional em detrimento dos interesses da Nação e do povo brasileiro, que agora estão sendo profundamente prejudicados pela inevitabilidade do racionamento. Quero também dizer, fazendo minhas as palavras do Senador Lúcio Alcântara, que o Brasil - e com toda a certeza o Rio de Janeiro, o Centro-Sul - não irá aceitar uma discriminação do Nordeste, não irá aceitar que se exija daquela Região, que já é a mais pobre e sacrificada do País, um esforço de racionamento maior do que as demais regiões.

Agora, tudo isso fica claro. Para nós da Oposição já estava claro, pois repetidas vezes viemos a esta tribuna denunciar esse fato, essa submissão completa das decisões de natureza econômica do Governo brasileiro aos ditames do conjunto dos grandes capitais financeiros internacionais que o FMI representa. Ou seja, para o Governo brasileiro, a palavra do FMI vale mais que o interesse nacional, que todo o processo de desenvolvimento que venha a oferecer, pelo menos, as mínimas condições de vida para a população, população essa que será afetada pelo racionamento. Tudo isso ficou para trás numa decisão consciente. Pelo estudo do BNDES e pelos avisos - que, certamente, receberam os Ministros e o Presidente - isso fica claro. E vários outros males que afetam o País também derivam dessa mesma submissão, desse mesmo acatamento à palavra, à exigência do FMI.

Quando discutimos a concentração de renda no País, a persistência da pobreza, a falta de investimentos sociais, a devastação de grandes setores da nossa indústria e o desemprego multiplicado resultante dessa devastação, a venda de patrimônio nacional a preços vis, aumentando, inclusive, o passivo externo brasileiro, que vai comprometer a economia do País por longo prazo, com remessas de lucros e dividendos resultantes da alienação indiscriminada e malfeita, com dimensões de corrupção que precisam ser apuradas, tudo isso vem da mesma fonte: da exigência do Fundo Monetário e da submissão do Governo brasileiro a esses interesses, que estão acima dos do País.

Inclusive, na sexta-feira, tive oportunidade de fazer um pronunciamento sobre o loteamento irresponsável do mar brasileiro, a forma açodada como se estão fazendo os leilões de áreas de exploração petrolífera, quando a prudência mínima exige um pouco mais de planejamento, de especulação sobre o futuro da produção e preço do petróleo, a conveniência ou não de o Brasil passar de importador a exportador, de retirar mais recursos sob a forma de royalties e participações dessa exploração e de estimular a fabricação de equipamentos para a produção petrolífera no Brasil. Tudo isso está sendo posto para trás, porque o FMI - Fundo Monetário Internacional, exige que o Brasil complete o loteamento das áreas promissoras que os brasileiros conhecem. Se fizermos a terceira e a quarta rodadas de leilões neste mês de junho e no ano seguinte, terminaremos com essas áreas e estaremos assumindo compromissos por trinta anos em condições que absolutamente não correspondem às condições vigentes no mercado internacional.

Tudo isso, o aluguel da Base de Alcântara, no Maranhão, a aceitação da Alca - Área de Livre Comércio das Américas), para 2005, constituem imposição dos grandes interesses financeiros coordenados pelo FMI - Fundo Monetário Internacional, que o Governo Brasileiro está acatando sem informar e sem discutir com a sociedade brasileira, prejudicando profundamente os interesses da Nação.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Concede-me V. Ex.ª um aparte?

O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ) - Ouço com muita atenção o aparte do Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Roberto Saturnino, V. Ex.ª, sem dúvida nenhuma, está na tribuna com o assunto mais relevante da atualidade brasileira: o racionamento e os percalços disso decorrentes - como V. Ex.ª bem está acentuando -, ou seja, recessão e desemprego, atingindo a economia brasileira. Eu queria que V. Ex.ª me permitisse cumprimentá-lo pelo seu pronunciamento e aproveitar a presença de V. Ex.ª na tribuna para dizer que nisso tudo há um fato altamente alvissareiro e que deve ser comemorado por nós: a consciência da sociedade brasileira. Notamos, Senador Roberto Saturnino, que a sociedade brasileira é realmente dotada de características altamente positivas. Deve ser ressaltada a confiança da população brasileira na nossa pátria, seu espírito de colaboração, seu espírito cívico. Entendendo que essa é matéria de interesse nacional, a sociedade está emprestando aspecto cívico a isso. Basta ver que hoje terão início as medidas anunciadas pelo Governo e a sociedade brasileira já registrou quase 18% de economia. Quer dizer, as famílias estão fazendo de tudo para colaborar nisso que chamo de estado emergencial da economia por que passa a Nação brasileira. Sei que foram cometidos equívocos no passado, alguns deles, concordo com V. Exª, naturalmente haverão de ser corrigidos para o futuro. E que isso nos sirva de lição! Mas, sobretudo, quero aproveitar o pronunciamento de V. Exª para pedir ao Presidente da República - parece que Sua Excelência está atento a isso e ocupará os meios de comunicação hoje - para abrandar as medidas do Conselho que Sua Excelência mesmo nomeou para tratar do assunto, pois essas medidas atingirão em cheio a sociedade brasileira. A meu ver, com essa colaboração da sociedade, podemos aguardar um pouco para saber se há necessidade de impor esse tarifaço à população, principalmente à classe média, já altamente sacrificada, e também à classe mais humilde. Se há possibilidade - como acredito que há, sinto em mim um espírito no povo brasileiro tão disposto à colaboração que não me parece necessário aplicar medidas tão drásticas assim -,.urge, talvez, aguardar mais um pouco, porque o povo está colaborando. Há espontaneidade - encontrei o termo adequado - cívica do povo brasileiro. E isso precisa ser ressaltado. A população sabe que houve equívocos, está consciente disso. O próprio Governo reconhece que, de uma forma ou outra, equivocou-se. Mas a população não quer saber mais do passado. Quer, sim, que os erros não se repitam e encontrar a melhor maneira de colaborar com o menor sacrifício possível. Essa população está disposta a dar tudo de si. Portanto, o mais importante é o Governo estar atento a isso. V. Exª da tribuna faz uma análise de acordo com seu modo de ver e com o espírito amplo de colaboração que tem norteado a sua vida pública. Aproveito o pronunciamento de V. Exª para transmitir esse apelo para a Presidência da República, para o Governo, para que a sociedade não seja atingida por um tarifaço ou por determinadas medidas rigorosas antes da hora. Sei que é melhor prevenir do que remediar, mas às vezes não é preciso castigo nenhum. É o que espero.

O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB - RJ) - Obrigado Senador Ramez Tebet. Agradeço o aparte de V. Ex.ª que traz, à luz da circunstância em que estamos vivendo, isso que V. Ex.ª ressaltou com muita propriedade: uma reação muito sadia da sociedade brasileira, a colaboração cívica, a espontaneidade cívica, como disse V. Exª. Considero isso muito positivo, muito bom e indicativo de virtudes da população brasileira que nem sempre são consideradas e avaliadas na sua dimensão verdadeira. Os brasileiros estão imbuídos realmente do espírito de colaboração.

Comecei o meu pronunciamento reforçando o que disse o Senador Lúcio Alcântara, ou seja, que temos de colaborar de todas as formas na gestão eficiente para que o País ultrapasse esta crise. De outro lado, Srs.Senadores, eu também vim a esta tribuna para informar o Senado do estudo feito no BNDES que mostra claramente que toda a crise se originou da submissão às exigências do Fundo Monetário Internacional quanto aos investimentos no setor de energia elétrica. Acredito que, passada a crise, não devemos tumultuar o quadro que está instalado e que é grave: devemos colaborar na gestão eficiente.

Entretanto, ultrapassada a crise, penso que a Nação vai pedir apuração de responsabilidade, sim. Parece-me que, mais do que uma imprevidência ou mero equívoco, na medida em que houve aviso e uma decisão consciente respeitando o que disse o Fundo Monetário e não o interesse nacional, caracteriza-se um crime de responsabilidade, sim.

Eu não quero falar em improbidade administrativa. Isso parece que o Ministério Público já começou a investigar, mas no fundo nós todos sabemos que, em se tratando de autoridade de alto escalão, isso tudo vai bater na cúpula do Ministério Público, no seu Geraldo Brindeiro, que tem a maior gaveta do País e lá nessa gaveta vai ficar tudo encerrado.

            Mas acho que a população do Brasil, os brasileiros, a Nação brasileira, o Congresso Nacional, que estão colocando a exigência da apuração e da responsabilização e contra a impunidade dos atos de corrupção, também têm que olhar essa questão. É um crime de responsabilidade gigantesco que jogou o País em uma crise de dimensões incalculáveis. Ainda não temos a avaliação precisa desta crise. Passado o momento em que a colaboração da gestão eficiente é necessária, será preciso apurar as responsabilidades, sim. Quem foram os responsáveis por esta decisão que, em vez de respeitar os interesses do Brasil, acatou a imposição do Fundo Monetário?

Srª Presidente, creio que vai chegar o tempo da apuração e da responsabilização. Estou certo de que a opinião pública, a Nação e a população do Brasil, assim como cobra punição dos responsáveis por atos de corrupção, vai cobrar, deve cobrar, terá de cobrar a punição dos responsáveis por essas decisões absolutamente irresponsáveis que acataram os interesses financeiros internacionais em detrimento dos grandes interesses da Nação e do povo brasileiro.

Era o que eu tinha a dizer, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/06/2001 - Página 11506