Discurso durante a 66ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

RESULTADO DAS NEGOCIAÇÕES ENTRE O GOVERNO FEDERAL E O GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA SOBRE A RETOMADA DO PROGRAMA PARA RECUPERAÇÃO DA LAVOURA CACAUEIRA.

Autor
Paulo Souto (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Paulo Ganem Souto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • RESULTADO DAS NEGOCIAÇÕES ENTRE O GOVERNO FEDERAL E O GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA SOBRE A RETOMADA DO PROGRAMA PARA RECUPERAÇÃO DA LAVOURA CACAUEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 07/06/2001 - Página 12502
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, CRISE, LONGO PRAZO, CULTIVO, CACAU, ESTADO DA BAHIA (BA), ESPECIFICAÇÃO, PRAGA, PROVOCAÇÃO, DESTRUIÇÃO, LAVOURA, FALENCIA, PRODUTOR, DESEMPREGO, TRABALHADOR RURAL, EXODO RURAL, DEPREDAÇÃO, MATA ATLANTICA, REDUÇÃO, EXPORTAÇÃO.
  • REGISTRO, DIFICULDADE, ATUAÇÃO, COMISSÃO EXECUTIVA DO PLANO DA LAVOURA CACAUEIRA (CEPLAC), PESQUISA, CLONE, COMBATE, PRAGA, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, RECUPERAÇÃO, LAVOURA, CACAU, ESPECIFICAÇÃO, PROBLEMA, FINANCIAMENTO, AGRICULTOR.
  • REGISTRO, GESTÃO, ORADOR, PARCERIA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DA BAHIA (BA), GOVERNO FEDERAL, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA AGRARIA, MELHORIA, FINANCIAMENTO, CACAU, RETOMADA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 06/06/2001


O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, dificilmente quem não viveu de perto pode imaginar a magnitude da crise da região cacaueira da Bahia, que se arrasta por cerca de 12 anos. Não se trata, por exemplo, de um tipo de crise comum em produtos agrícolas, determinada por períodos de preços baixos ou por redução da produção devido a questões climáticas, todas de natureza passageira.

A crise do cacau, iniciada ao final da década de 80, está sendo a mais grave de toda a história dessa cultura, que se confunde com a da própria região, tal a força de sua influência no desenvolvimento econômico, social e mesmo cultural desta parte do território baiano, que tem vivido períodos de fausto, mas também momentos de grandes dificuldades.

A lavoura encontrava-se debilitada pelo mais longo período de preços baixos da sua história e pela incidência inesperada e repetida de condições climáticas muito desfavoráveis, quando, ao final da década de 80, sobreveio uma nova crise que encontrou lavradores endividados e a lavoura depauperada pelas dificuldades dos produtores em cuidarem de suas plantações.

É justamente nesse pano de fundo que apareceu a mais terrível das pragas que afeta o cacau: a famigerada vassoura de bruxa, originária da região amazônica e considerada pelos técnicos, àquela altura, como improvável de se espalhar na região cacaueira baiana. Mas a vassoura de bruxa chegou e espalhou rapidamente a destruição por parte dos 600 mil hectares de cacauais baianos, reduzindo praticamente a zero a produção das áreas mais afetadas e a destruição da plantas pelo abandono a que se viram relegadas. O patrimônio secular construído por várias gerações de produtores foi destruído, as terras se desvalorizaram, e, o que é muito grave, intensificou-se a exploração predatória da cobertura vegetal da Mata Atlântica, que convive harmoniosamente com as árvores do cacau.

A perda total de renda das propriedades não influiu apenas no infortúnio dos proprietários e no desespero de suas famílias: mais de uma centena de milhar de trabalhadores rurais perderam os seus empregos, que lhes proporcionavam um padrão de vida bem acima da média dos trabalhadores rurais no Brasil. Os reflexos sobre a economia da mais próspera das regiões do interior da Bahia foram terríveis, despovoando as zonas rurais e deslocando as populações para as periferias das cidades maiores, sobretudo as litorâneas, onde o desenvolvimento da atividade turística poderia oferecer alguma oportunidade, ou até mesmo para outros Estados brasileiros.

Deprimiu-se o comércio regional, fecharam-se muitas agências bancárias, profissionais liberais mudaram de cidades, enfim, a região envolveu-se em clima de pessimismo e de muito desânimo.

O Governo do Estado procurou alternativas, desenvolveu o turismo, implantou um pólo de informática na região, atraiu indústrias têxteis e indústrias de calçados. Tudo isso reduziu a crise, mas era impossível substituir a principal atividade econômica: a lavoura cacaueira.

A continuidade da crise durante a década de 90, com a doença atingindo gradativamente todas as áreas produtivas, determinou que a produção de cacau, que já havia alcançado 400 mil toneladas, declinasse até 115 mil toneladas no ano passado. O Brasil, que nos anos áureos conseguiu exportar US$ 1 bilhão de cacau em grãos e seus derivados, no ano passado chegou a importar US$ 91 milhões em grãos, para que a indústria de transformação mantivesse seus níveis de produção e pudesse assim suprir a próspera indústria chocolateira do País, que tem experimentado um grande aumento no consumo de chocolate e derivados.

As restrições orçamentárias do Governo Federal acabaram se refletindo fortemente sobre o padrão de atuação do órgão responsável pela assistência ao cacau, a Ceplac, obrigada a assistir absolutamente imobilizada aos primeiros anos de ataque da praga, sem que pudesse tomar qualquer medida mais efetiva, o que, ao lado da desorientação dos agricultores, determinou a sua rápida propagação, no início justamente nas áreas mais produtivas da região.

Foi nesse clima de desespero que em 1992, quando governava o Estado o Senador Antonio Carlos Magalhães, o Governo do Estado, inicialmente com a pequena ajuda do setor empresarial, criou o Fundecau, destinado a financiar pesquisas voltadas principalmente para encontrar variedades resistentes, que anos mais tarde revelaram-se tão importantes no programa de recuperação da lavoura.

Após algumas anos de imobilismo que foram fatais para a propagação da doença, somente em 1995, depois de uma desesperada luta política empreendida por todas as lideranças de nosso Estado, o Governo Federal colocou em prática um Plano de Recuperação, que alocou recursos no valor de R$340 milhões para serem aplicados durante vários anos. O Banco do Brasil, que tradicionalmente financiava a lavoura cacaueira, alegou que não tinha recursos para o Programa, mas, na verdade, isto refletia a posição do Banco refratária a apoiar uma lavoura que considerava de alto risco, e na época até com razão, diante da situação financeira dos produtores e da incidência de uma doença para a qual não existia tecnologia para o seu combate. Os recursos se originaram principalmente do BNDES, completados pelo Tesouro e pelo BNB, sendo que pela sua excepcionalidade os riscos das operações foram assumidos pelo Governo Federal e Estadual.

Desde o início, ficou claro que um programa com estas características não poderia suportar os encargos que foram estabelecidos (TJLP mais 6% de juros), entretanto, naquela altura, foi impossível alterar essas condições. Dos 8 mil produtores que pleitearam o financiamento, apenas 4 mil foram atendidos, sendo que as exigências bancárias, apesar da falta de risco para os agentes financeiros, foram responsáveis pela baixa taxa de atendimento. Apenas R$125 milhões foram aplicados nessa primeira fase.

Todo o esforço desenvolvido para a montagem do programa quase que foi completamente frustrado: ainda sem substrato de pesquisa, a Ceplac aplicou um pacote tecnológico baseado em tratos culturais e controle químico de custo altíssimo, que, ao final do primeiro ano, infelizmente, se mostrou absolutamente ineficaz. Foi um duro golpe nos produtores, que aumentaram substancialmente seu endividamento, mas de qualquer sorte foi possível manter vivas as árvores, apesar do atraso nas liberações que impedia regularidade nos tratos culturais.

A falta de resultados aumentou, evidentemente, a resistência dos financiadores, que, desde o início, encaravam o programa com desconfiança. E a retomada do programa se constituiu, assim - e eu participei disso -, em uma nova odisséia. Em 1998, o Governo do Estado considerou que já existiam novas condições para a retomada do programa, agora baseado na clonagem das árvores antigas com variedades resistentes obtidas através da pesquisa da Ceplac, mas também identificadas pelos produtores em meio às suas fazendas dizimadas. As árvores clonadas produziam frutos resistentes à vassoura de bruxa e se constituíam em uma nova esperança para os tenazes produtores.

Assim, um novo programa, baseado na clonagem com variedades resistentes, foi apresentado ao Governo Federal pelo Governo do Estado, com o objetivo de aplicar R$367 milhões, dos quais R$215 milhões se constituíam em saldo do programa inicial. Pretendia-se a recuperação de 300 mil hectares. De 5.100 produtores, apenas 2.400 conseguiram ter acesso ao financiamento.

Os resultados obtidos com a clonagem começaram a dar resultados muito animadores à medida que os fazendeiros se familiarizaram com a nova técnica e que, por esforço próprio, descobriam novas variedades resistentes e de boa produtividade. Para sustentar o programa, o Governo da Bahia aplicou R$7 milhões em uma biofábrica capaz de disponibilizar mudas e garfos de variedades resistentes para clonar as árvores.

Por paradoxal que possa parecer, Srªs e Srs. Senadores, justamente nesse novo ambiente de expectativas tão promissoras, mais uma vez começaram a falhar as liberações de financiamento, embora dos R$340 milhões iniciais ainda exista um saldo de R$127 milhões. Dos 5.100 produtores credenciados nessa segunda fase apenas 2.100 conseguiram acesso ao financiamento.

As dificuldades de garantia, agravadas pelo endividamento da primeira fase e a constatação de que os encargos eram absolutamente incompatíveis, levaram, a partir do final de 1999, a uma paralisia do programa, com interrupção dos fluxos financeiros, de conseqüências desastrosas, justamente num momento em que os agricultores tinham todas as razões para acreditar nos resultados.

Muitas fazendas que começaram a colher os novos frutos livres da doença estão vendo as novas plantações ameaçadas pela falta de tratos culturais decorrentes da interrupção dos financiamentos.

O Sr. Ricardo Santos (Bloco/PSDB - ES) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA) - Pois não, Senador Ricardo Santos.

O Sr. Ricardo Santos (Bloco/PSDB - ES) - Eu queria parabenizá-lo, Senador Paulo Souto, pela oportunidade do seu pronunciamento, em que V. Exª chama a atenção para o gravíssimo problema da entrada da doença vassoura de bruxa no sul da Bahia e para os problemas associados a ela ou que vieram depois, que são a seca e a queda de preços. No Estado do Espírito Santo, houve problemas semelhantes - se bem que, até o momento, tivemos a sorte de não sermos importunados pela vassoura de bruxa. Quero deixar registrado o meu testemunho do excepcional trabalho feito pela Ceplac na Estação Filogônio Peixoto, no Município de Linhares, que selecionou clones tolerantes à vassoura de bruxa, preparando os produtores capixabas para a possível entrada da doença em nosso Estado e também elaborando e estruturando um pacote tecnológico que envolve a recuperação de velhas lavouras, utilizando apenas o cavalo e também a irrigação para elevar, de maneira sensível, a produtividade da lavoura cacaueira. Então, ao me congratular com V. Exª, quero também me associar às suas preocupações, já que um programa dessa magnitude e importância econômica e social não pode sofrer com a falta de recursos, devendo ter as condições adequadas para que os produtores possam assumir os créditos sem as incertezas da TJLP ou de qualquer tipo de correção monetária. Os créditos bancários voltados sobretudo para a recuperação da lavoura cacaueira deveriam ter taxas de juros fixas. Parabenizo V. Exª e quero deixar aqui o nosso testemunho do belo trabalho que a Ceplac faz no Estado do Espírito Santo.

O SR. PAULO SOUTO (PFL - BA) - Agradeço a intervenção de V. Exª, Senador Ricardo Santos, e me permita dar-lhe um conselho, embora se diga que conselho só se dá a quem pede: os agricultores do Espírito Santo, onde a lavoura do cacau também é importante, têm que se antecipar. A doença é terrível. Depois que ela chega, é impossível contê-la. Assim, a substituição das lavouras antigas por árvores resistentes e de alta produtividade, antes que a vassoura de bruxa as atinja, na minha opinião, é uma providência extremamente interessante, pois assim pode-se evitar que aconteça lá o que aconteceu na Bahia.

Mas eu dizia que no momento mais importante, quando os lavradores já estavam acreditando no cacau clonado, que vinha dando resultados com as primeiras colheitas, o financiamento começou mais uma vez a falhar.

Tudo isso acontecia diante de um certo imobilismo, resultante de descoordenação entre diversos órgãos do Governo Federal, apesar do grande esforço de um grupo coordenador responsável pelo programa. Muito tempo depois de lançado o Pesa, que beneficiou toda a agropecuária brasileira no saneamento de suas dívidas, não se conseguiu ainda que os produtores de cacau fossem enquadrados, com o que poderia estar resolvido um dos obstáculos, que é a falta de garantia.

No último trimestre do ano passado, tive oportunidade de procurar os Ministros Pedro Parente, Pedro Malan e Pratini de Moraes, solicitando uma ação conjunta do Governo Federal através de todos os órgãos envolvidos para equacionar a continuidade do programa. Logo depois, o Governo da Bahia - que durante todo o tempo, tanto no Governo do Senador Antonio Carlos, quanto no meu Governo e agora no do Governador César Borges esteve presente - apresentou uma síntese das principais dificuldades do programa ao Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, Amaury Bier.

Como ficou claro, um dos principais problemas era a falta de enquadramento do refinanciamento das dívidas dos agricultores referentes à primeira fase do programa no chamado Pesa, em virtude da necessidade de ajustes entre os agentes financeiros e o Governo Federal. Esse enquadramento era absolutamente necessário para que os agricultores pudessem apresentar garantias para as novas fases do financiamento.

A outra questão referia-se às novas condições dos encargos das fases posteriores do programa, pois é absolutamente inviável que um programa com características tão particulares possa ser feito com TJLP mais juros de 6% ao ano.

Depois de reuniões com a participação dos Ministérios da Fazenda e da Agricultura, do BNDES, do Banco do Brasil e do Governo da Bahia, onde contamos com a boa vontade dos Ministros Pedro Malan, Pratini de Moraes e também dos diretores do BNDES e do Banco do Brasil, ficaram definitivamente acertadas, em reunião realizada há cerca de dez dias com o Secretário Executivo Amaury Bier, as novas condições que, tenho certeza, permitirão a retomada do programa e as obrigações que serão assumidas pelo Governo Federal e pelo Governo da Bahia.

Dessa forma, ficou acertado o seguinte:

a) as dívidas da primeira fase do programa, assumidas até dezembro de 1997, de pequenos, médios e grandes produtores, serão enquadradas no Pesa, com o que os agricultores terão liberadas as garantias para as fases posteriores do programa. Os Governos Federal e da Bahia envidarão esforços para obter um financiamento para pagamento dos 10% iniciais da dívida que permitem o ingresso no Pesa;

b) os financiamentos feitos a partir de 1998 e os novos financiamentos terão encargos totais entre 5% e 9%, sendo de responsabilidade do Governo Federal e Estadual a equalização das taxas de juros que permitem esses custos para os produtores, sendo de 10 anos o prazo de pagamento.

Ou seja, o Governo do Estado, em uma demonstração de boa vontade e de sensibilidade, e o Governo Federal, que também nesse momento está sensível ao programa, vão assumir a equalização para que se permita uma taxa de juros compatível com as taxas de juros que são praticadas, hoje, pelos fundos constitucionais.

c) o Governo da Bahia criou um Fundo de Aval, que está permitindo as operações relativas aos mini produtores feitas pelo BNB.

Todas as providências de natureza burocrática que suportam a decisão já estão sendo tomadas para que se restabeleça, o mais rapidamente possível, o fluxo de recursos conjunto e solidário dos Governos Federal e Estadual.

Tudo isso acontece num momento de boas perspectivas para o cacau. Depois de muitos anos de preços deprimidos está se concretizando uma recuperação que colocou o preço no patamar de R$35 a 40 por arroba. A pesquisa de variedades resistentes está alcançando resultados muito expressivos, com os chamados clones de terceira geração, caracterizados pela resistência, produtividade e por serem auto compatíveis, o que não acontecia com a maioria dos clones pioneiros.

Os resultados atuais abrem, afinal, a perspectiva para que se busque um novo programa que atinja os agricultores que não tiveram acesso nesse primeiro, a fim de que venha a se alcançar a meta de 300.000 hectares de cacauais recuperados, pois até aqui foram beneficiados apenas 60.000 hectares, ou seja, 10% da área original do sul da Bahia.

O êxito do programa, Srs. Senadores, proporcionará a retomada de milhares de empregos, a recuperação e a produção da renda regional, o suprimento da indústria de transformação e a volta da exportação de cacau e dos derivados.

Portanto, neste momento, gostaria de, primeiramente, agradecer ao Governo Federal e ao Governo do Estado da Bahia e, em segundo lugar, fazer um apelo para que todas essas providências burocráticas sejam tomadas rapidamente. Que esses recursos voltem a fluir, possibilitando que os tenazes agricultores do sul da Bahia, homens que durante tanto tempo se dedicaram a construir os seus patrimônios, possam ter os recursos necessários para recuperar aquela região que, durante tanto tempo, sustentou grande parte do nosso Estado e que, agora, passa por esses momentos tão difíceis.

Muito obrigado.


            20010606DO.doc5/21/2410:47



Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/06/2001 - Página 12502