Discurso durante a 66ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA MUNDIAL DA DEFESA DO MEIO AMBIENTE. SUGESTÃO A CAMARA DE GESTÃO DA CRISE DE ENERGIA QUE BUSQUE FONTES ALTERNATIVAS DE ENERGIA LIMPA E RENOVAVEL.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. ENERGIA ELETRICA.:
  • COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA MUNDIAL DA DEFESA DO MEIO AMBIENTE. SUGESTÃO A CAMARA DE GESTÃO DA CRISE DE ENERGIA QUE BUSQUE FONTES ALTERNATIVAS DE ENERGIA LIMPA E RENOVAVEL.
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/2001 - Página 12250
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • REGISTRO, DIA INTERNACIONAL, DEFESA, MEIO AMBIENTE, CRITICA, GEORGE W BUSH.
  • BUSH, PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DIFICULDADE, NEGOCIAÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL, PROTEÇÃO, NATUREZA.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, FALTA, CONTROLE, CONSUMO, ENERGIA ELETRICA, ANTERIORIDADE, RACIONAMENTO, AUSENCIA, INVESTIMENTO, ENERGIA, MOTIVO, SUBORDINAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, FALTA, PROJETO, SOLUÇÃO, CRISE, ENERGIA ELETRICA, NECESSIDADE, CAMARA DE GESTÃO, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO, FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, RESULTADO, DESMATAMENTO, QUEIMADA, FALTA, CHUVA, PRODUÇÃO, ENERGIA.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, FALTA, AGUA, RESERVATORIO, REGIÃO NORDESTE, MOTIVO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, COMPANHIA HIDROELETRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF), PRODUÇÃO, ENERGIA, REGIÃO SUDESTE.

A SR.ª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Como Líder.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, hoje é a abertura da Semana do Meio Ambiente, portanto Dia Mundial de Defesa do Meio Ambiente. Há um ano, no dia 5 de junho de 2000, lembrei, neste plenário, que aquela data era a última do século e do milênio. Este é o primeiro dia mundial da primeira Semana do Meio Ambiente de um novo século, do novo milênio. Até este momento, o novo milênio está onde o antigo milênio sempre esteve: sob o império do poder econômico.

           Quem nos trouxe de volta a esta realidade foi o Presidente norte-americano, George W. Bush. Em lugar da luminosidade e das mudanças que nossas esperanças talvez tenham idealizado nas celebrações de passagem do século, Bush trouxe ao topo da agenda o obscurantismo dos poderosos. Seu recado: o mundo, o meio ambiente, o “resto” da humanidade devem se submeter às necessidades e interesses dos Estados Unidos. Não o contrário, como é de se esperar daqueles que têm a pretensão de querer agir como se fossem o juiz, a balança do mundo. Enquanto a ciência reafirma a possibilidade de graves desastres ambientais, com o aumento da temperatura em todo o planeta, em razão do efeito estufa, por emissão de gases, Bush anuncia que seu país -- campeão mundial de emissões poluentes -- não assumirá, de forma alguma, os compromissos estabelecidos pelo Protocolo de Kyoto para a redução dos riscos.

           Na verdade, os Estados Unidos vêm dificultando as negociações sobre a Convenção de Alterações Climáticas desde antes da Eco-92. Entretanto, ao assumir uma posição intransigente, o Governo dos Estados Unidos interrompe as negociações e incentiva outros países a seguirem essa posição, no mínimo, irresponsável.

A atitude de Bush sinaliza, portanto, o primeiro indicador de ação que nos cabe neste início de século: redobrar a luta, sacudir a acomodação que porventura nos tenham trazido as conquistas do século XX, retomar a criatividade, reformular e ampliar as alianças cada vez mais e mostrar a questão ambiental como o foco de um conflito que é social econômico e humano.

A truculência de Bush é apenas a parte mais visível e conjuntural do problema. Se analisarmos o que aconteceu após a Eco-92, perto de completar dez anos de sua realização, veremos os gargalos e pontos críticos a que a intransigência dos poderosos nos conduziu, fazendo com que muitos dos documentos assinados na conferência tenham sido desernegizados, esvaziados de seu potencial e transformados em retalhos de implementação. Um bom exemplo é o da Agenda 21.

            Neste momento, deveríamos estar ocupados com a implementação avançada da Agenda 21. Ou seja, deveríamos estar já num ponto pelo menos inicial de um trajeto balizado por uma nova ética fundada na qualidade ambiental e na justiça social. Entretanto, até aqui, os propósitos da Agenda 21 estão perdendo a corrida. Eles têm servido apenas como instrumento de planejamento de alguns governos e organizações locais, sendo solenemente desprezados por muitos governos nacionais e, sobretudo, por corporações transnacionais e pelo sistema financeiro internacional.

A aplicação do princípio da precaução, uma conquista importante do direito ambiental, consagrado na Eco-92, tem sido também exemplo de má vontade oficial, inclusive no nosso País. Segundo esse princípio, mesmo na ausência de provas cabais - que, em certos casos, seriam a própria destruição do planeta --, devem ser tomadas precauções para evitar o agravamento de determinadas situações de degradação ambiental, desde que existam indícios científicos consistentes da possibilidade de dano futuro significativo. É o caso das mudanças climáticas globais. Bush jogou para o alto o princípio da precaução em nome do interesse imediato e hegemônico dos Estados Unidos.

No Brasil, nesta semana, estamos vivendo uma outra forma ainda mais radical de desprezo oficial pelo princípio da precaução. Nem mesmo a certeza dos especialistas mobilizou o Governo com a antecedência necessária ante o problema energético. Esta semana do meio ambiente também é a primeira semana do racionamento de energia no nosso País. Nós, brasileiros, estamos atônitos diante da crise energética propriamente dita, diante das seguidas precipitações e recuos do Governo, diante da negligência das autoridades em enfrentar o problema tantas vezes anunciado dentro e fora do Governo.

Ontem, o Presidente Fernando Henrique anunciou mais uma mudança, amenizando as medidas injustamente punitivas que tinham sido impostas à população. O equívoco maior ficou por conta da insistência em querer transformar em aplauso o que é revolta; em, mais uma vez, querer dar ao recuo a interpretação de que se trata de um novo lance de perfeita harmonia, compreensão e conjugação de esforços entre um Governo aberto ao diálogo e a sociedade. Não é isso! A sociedade reagiu à altura da incapacidade do Governo de verificar as suas necessidades estratégicas.

O Presidente disse - e é verdade - que a sociedade está iluminando o Brasil, mas não como aparece nas desculpas presidenciais, e sim na demonstração de maturidade para poupar energia e na resistência à imposição autoritária de regras e ônus financeiro àqueles que não têm culpa pelo rumo das coisas. Foi por essa resistência, por “desobedecer”, indo à Justiça em busca de seus direitos, que a sociedade conseguiu fazer o Governo recuar. Realmente, a sociedade é iluminada e demonstra, pacificamente, mas com firmeza, que não irá como um rebanho conformado para o matadouro.

Nosso problema é que o Governo não se deixa iluminar pela sociedade. Age com arrogância e imprevidência. Não tem criatividade e é submisso ao FMI. Tem uma preocupante tendência ao autoritarismo e, como muitos especialistas têm apontado, mostra-se incompetente. E o que é pior: age com falta de sinceridade, de uma maneira compulsiva e constrangedora, como ficou demonstrado nessa crise de energia. A confissão de surpresa, de não saber da gravidade da crise, tudo isso está desmentido. O Governo vem sendo alertado há muito tempo, inclusive pelos seus próprios setores especializados. As provas fartas e documentadas estão nos jornais e nas revistas. Não só o Governo e o Presidente sabiam da crise que se avizinhava, como receberam inúmeras sugestões e propostas de encaminhamento de providências com a devida antecipação. Devemos reconhecer, portanto, que as razões profundas da situação em que vivemos agora estão na opção do Governo de não investir, seguindo as determinações do FMI.

Esse talvez seja um dos piores componentes da crise e explica a maior crise - a de confiança - expressa nas últimas pesquisas de opinião. O Governo perde credibilidade. Mas não devemos ficar satisfeitos com a impopularidade do Presidente, pois hoje ela significa que a maioria da população reconhece que aqueles que dirigem o País são fracos, não têm rumo e que, ao primeiro sinal de pânico, jogam a responsabilidade sobre os elos mais fracos e desprotegidos, procurando salvar a própria pele. Isso é diferente de ser contra uma determinada orientação econômica ou política. É mais do que isso: é o reconhecimento da desorientação e da fragilidade dos governantes. Isso deixa-nos inseguros. Não é bom para ninguém. Culpar a falta de chuvas é absurdo; é como se estivéssemos culpando o bilheteiro pelo fracasso do espetáculo. Em várias tentativas, observamos que o Governo e alguns dos seus setores tentam passar essa visão errática para a sociedade.

Esse é um componente essencial da análise sobre a crise de energia. A tentativa de entender o porquê vai forçosamente nos tirar do campo específico da oferta de energia e levar-nos para o da falta de estratégia, da falta de projeto. Sob a capa falsa de um projeto de modernização, vemos mera administração da conjuntura. Em lugar de políticas integradas, vemos um comportamento errático, que desfaz aqui o que fez ali, que anula até as boas iniciativas, porque falta coerência para que elas se sustentem em toda a cadeia de causas e efeitos.

Nesse Dia Mundial do Meio Ambiente, nada mais apropriado que apontar a crise de energia como indicador da falta de pensamento estratégico, que, por sua vez, está soberba e tragicamente exemplificada na política de meio ambiente.

Não vamos tornar a falar, Sr. Presidente, do isolamento do setor ambiental do Governo, da ausência de sensibilidade ambiental nas macrodecisões de Governo. Vamos nos restringir a evidenciar a discussão ambiental no quadro dos equívocos que explicam a crise energética do nosso País.

É sabido que o uso do solo altera o regime hidrológico. Desmatamentos e práticas agrícolas inadequadas carreiam sedimentos pelos rios, sedimentos estes que se depositam principalmente nos reservatórios das hidrelétricas. Embora esse seja um cálculo considerado na construção de reservatórios no Brasil, o ritmo desse assoreamento tem sido muito mais intenso que o previsto, contribuindo para a configuração geral da crise que hoje nos afeta. Mas esse componente, se ainda não é um elemento decisivo, poderá vir a ser no futuro, pois o País, com a conivência das políticas governamentais, continua considerando desmatamentos e práticas agrícolas predadoras como necessárias para o crescimento econômico.

Refém e ao mesmo tempo praticante desse economicismo barato, o Governo deixou de ter um efetivo projeto de desenvolvimento para o País. Um projeto consistente deveria necessariamente estar baseado no uso inteligente de nosso incomparável patrimônio de recursos naturais, para garantir energia, comida, emprego e crescimento. Ao contrário, tratando nossos problemas de desenvolvimento como partes estanques e tendo como guia as imposições do FMI, o Governo fez o País desembocar de modo traumático nessa crise de energia. E ainda produzirá outras, agindo como aprendiz de equilibrista que tenta segurar todos os pratos no ar, correndo de um lado para outro, chegando a ponto de deixar todos caírem.

A substituição do pensamento estratégico pelo economicismo equilibrista e tarefeiro está presente praticamente em todas as decisões do Governo. Um exemplo: a usina de Sobradinho, na Bahia, integrante do sistema Chesf, foi usada para mandar grande quantidade de energia para o Sudeste, em 2000. Se a água de Sobradinho e de outras barragens da Chesf tivesse ficado estocada, hoje o Nordeste não teria a falta excepcional de água em seus reservatórios. Para que isso não tivesse sido feito, o Sudeste deveria ter sofrido alguma forma de contenção desde o ano passado, mas seguramente não um racionamento drástico a que está sendo submetido hoje.

E por que Sobradinho foi assim usada? Porque o Governo administrou as possibilidades do ponto de vista econômico, não do ponto de vista estratégico, e menos ainda do ponto de vista de um balanço ambiental. Simplesmente contou com chuvas na região de Sobradinho, permitindo que o sistema Chesf entrasse em zona de risco para otimizar o ganho do Sudeste e melhorar o desempenho de suas contas. Ao mesmo tempo, a energia abundante no Sul e no Norte, proveniente de Itaipu, poderia ter sido usada no Sudeste, mas não o foi por falta de linhas de transmissão, investimento descartado nos acordos entre o Governo e o FMI. Ou seja, diante do raciocínio econômico, o aprendiz de equilibrista preferiu jogar com a sorte no Nordeste e poupar o Sudeste de um antecipado e necessário programa de economia energética. O racionamento atual poderia ser muito mais moderado e suportável se o Governo tivesse tido a coragem de reconhecer, há mais tempo, que estava superexplorando os reservatórios das hidrelétricas.

É preciso reconhecer que a matriz energética no Brasil está baseada em cerca de 86% nas fontes hidráulicas. Se isso é positivo por um lado, já que temos abundância de recursos d’água, por outro nos obriga a cuidar melhor de nosso patrimônio hídrico, inclusive diversificando a nossa matriz energética com base em outros recursos igualmente abundantes, como é o caso da exposição solar, dos ventos, da biomassa e do biogás. Mas tanto essa diversificação quanto o próprio padrão de utilização de energia de hidrelétricas são um problema mais político do que técnico.

            No Brasil, têm sido constantes as polêmicas em torno do impacto ambiental e social da construção de barragens, como aponta, em artigo recente, o professor Henrique Rattner. Falta planejamento regional e energético integrado. Além disso, em muitos casos faltou a devida consideração às perdas em biodiversidade e patrimônio cultural. Muitas comunidades ribeirinhas e indígenas foram negativamente afetadas. Afetou-se o equilíbrio social em muitas regiões. Isso, não raro, com a mesma insensibilidade com que o Governo tratou agora do racionamento de energia, ou seja, transferindo perdas enormes para populações indefesas. Isso sem falar em casos escabrosos como o de Balbina, que misturam erros técnicos e ecológicos crassos com escândalos financeiros.

A questão da oferta de energia não se coaduna com decisões de curto prazo e menos ainda pode ser vista como subordinada a conveniências econômicas e conjunturais. Ela envolve uma compreensão abrangente, necessariamente integrada, entre vetores ambientais, sociais e de concepção de desenvolvimento. Seu horizonte é o longo prazo, e seu principal insumo, a consciência de seu papel e dos problemas e conseqüências das mais variadas formas de oferta. Ao contrário da visão perdulária, individualista e consumista, energia é um tema indissociável da visão de comunidade, de futuro, de conceitos de conservação permanente, de necessidade de proteger o meio ambiente, de promover fontes de energia renováveis e desenvolver técnicas menos agressivas do ponto de vista ambiental e de saúde humana.

Sr. Presidente, é fundamental que, neste Dia do Meio Ambiente, tenhamos uma preocupação que vá um pouco além de fazer o diagnóstico. Devemos buscar sempre alternativas, dentro daquela perspectiva de que não estamos apostando no “quanto pior, melhor”, nem estamos comemorando essa crise energética em função do desgaste que ela pode causar ao Governo. É fundamental pensarmos que essa crise poderia ser evitada - como eu já disse anteriormente - e que existem hoje alternativas apontadas quer por experiências já em curso quer por outras que estão sendo apresentadas pela comunidade científica.

Assumir uma nova visão de longo prazo implica investir no futuro, considerar opções já existentes para minorar os problemas na área energética e dar-lhes escala compatível com o uso social e econômico. Assim, algumas providências primárias impõem-se ao Brasil diante da atual crise:

-     promover aumento emergencial dos investimentos na pesquisa de fontes alternativas de energia;

-     reforçar a pesquisa aplicada e a construção de plantas experimentais no que diz respeito à energia eólica, energia solar, uso de biomassa e biogás, entre outras.

Já temos um número significativo de projetos-piloto em todas essas categorias. Algumas dessas experiências e experimentos realizados, envolvendo a energia eólica, por exemplo, já vêm obtendo bastante resultado, principalmente no Estado do Ceará.

Uma das formas eficazes de investir menos nas formas convencionais, principalmente nas grandes usinas e nas grandes linhas de transmissão, e poupar a sociedade de suas conseqüências é investir em caminhos permanentes de redução de consumo. Aqui há duas vertentes principais. A primeira delas é a da co-geração nas grandes unidades consumidoras e a prática generalizada da chamada conservação de energia.

A co-geração é o aproveitamento dos equipamentos e processos que, nos grandes consumidores, produzam vapor, calor ou frio para, simultaneamente, gerar energia elétrica. É possível fazê-lo em inúmeras indústrias e mesmo em shopping centers e em hotéis. As usinas de açúcar, com esse procedimento, já produzem excedentes de energia gerados a partir do bagaço da cana, que são entregues à rede pública.

A segunda vertente são os programas permanentes de conservação de energia, isto é, de diminuição do consumo de energia, objetivo esse atingido por meio de aperfeiçoamento das instalações industriais consumidoras. Também são uma contribuição positiva nesse sentido a imposição de padrões poupadores de energia elétrica na fabricação dos aparelhos eletrodomésticos. Essas iniciativas já estão sendo alvo de incentivos concedidos a fabricantes de eletrodomésticos poupadores de energia ou de equipamentos que servem para produzir energia.

Temos no País, há muitos anos, um programa da Eletrobrás chamado Procel, que se propõe justamente a isso. Esse programa muito já realizou, mas teria de ser reforçado e dinamizado.

Outra possibilidade importante para contribuir para um programa sério, permanente, de conservação de energia é o melhor uso dos cerca de R$220 milhões por ano que as concessionárias de energia elétrica são obrigadas a investir, por lei, em ações de conservação. Atualmente, esses recursos são mal utilizados, pois o Governo permite que eles sejam canalizados para o melhoramento das instalações próprias das concessionárias, o que elas teriam de fazer, de qualquer modo, com investimentos saídos do seu bolso, e não do bolso do consumidor, como é o caso desses R$220 milhões.

            Sr. Presidente, há previsões de que a demanda mundial de energia irá dobrar até 2030. Não podemos nos render à fatalidade do esgotamento das fontes não-renováveis e da destruição do meio ambiente. O mundo e o Brasil, particularmente, precisa resistir à tentação de pensar o problema com as limitações da visão convencional. Precisamos acionar a imaginação criadora e concentrar esforços na promoção de energia alternativa, limpa e renovável, como também na redução permanente e sistemática do consumo. É preciso que nossos governos, em suas três esferas, e, mais do que isso, que toda a sociedade inicie um amplo movimento em favor do que é verdadeiramente a procura de soluções racionais.

Eu gostaria, neste momento, que os membros da Câmara de Gestão da Crise Energética levassem em conta algumas propostas e dúvidas que aqui apresento, que são o somatório de tudo o que o meu Gabinete tem recebido diariamente. Portanto, admito que muito poderá ser desconsiderado pelos técnicos responsáveis, mas que saibam ser este um esforço sincero de muitos cidadãos ao colaborar:

Item 1) É fundamental que as diferenças regionais e estaduais sejam observadas neste momento.

Não se pode executar uma ação homogênea, linear, para todo o Brasil, principalmente porque nós, da Amazônia, já fomos historicamente apenados com a falta de energia. São milhares e milhares de pessoas que nunca contaram com esse benefício e, portanto, neste momento, deveriam receber um tratamento diferenciado. É o caso da Amazônia, pois temos especificidades bastantes claras. Não há como colocar no mesmo cesto a Amazônia, o Centro-Oeste e o Sudeste. Além disso, devemos questionar veementemente o fato de Tucuruí entregar energia subsidiada a multinacionais do alumínio, deixando de fornecê-la à população indefesa que, essa sim, precisa do subsídio do Governo.

Item 2) É importante que a redução linear de 20% no consumo tenha justificativa técnica mais clara. O Governo, com as informações desencontradas dos últimos dias, não dá para a sociedade garantias mínimas de que o esforço agora demandado será suficiente para que os temidos apagões não se verifiquem. É fundamental o estabelecimento de um pacto franco do Governo com a sociedade brasileira. A sociedade exige a informação da real gravidade da crise que é obrigada a enfrentar às escuras, porque, a todo momento, tem mudado a posição do Governo. Mesmo quando refaz seus planos com relação à sociedade, o Governo o faz de uma forma extemporânea, sem o cuidado de pactuar suas medidas com a sociedade.

Item 3) É básico avaliar coletivamente as diferenças de posicionamentos dos cidadãos. Nesse sentido, o Governo deveria criar as Câmaras de Cidadania, que funcionariam como fóruns definidores do tipo de racionamento a ser feito no espaço público de um bairro, de uma cidade. A residência, enquanto espaço inviolável, estaria protegida, mas a comunidade ganharia espaço maior de participação nas ações a serem efetivadas, promovendo cortes seletivos segundo critérios pactuados.

Nesse sentido, poderia haver a redistribuição da energia para bairros que mais economizassem em detrimento daqueles que não o fizessem. Os mais econômicos seriam beneficiados e os que não economizassem poderiam sofrer os cortes. Da mesma forma, poderiam ser estabelecidos critérios para as cidades.

Estamos vivendo a semana do meio ambiente sob a égide da crise energética, crise essa que não está separada da problemática ambiental que, com certeza, muito tem contribuído para o que hoje estamos vivendo em todo o nosso País.

Sabemos que os problemas ligados ao desflorestamento contribuem para a diminuição das chuvas, afetando várias regiões do País. Estudos recentes realizados pela LBA (Experimento de Grande Escala na Biosfera - Atmosfera na Amazônia) nos dão conta de que, no Estado de Rondônia, está havendo uma diminuição significativa de chuvas em função das queimadas, pela emissão de material particulado que absorve as gotículas de água. Isso tem levado a uma diminuição dramática das chuvas também em algumas regiões da Amazônia e no Estado de Rondônia - digo dramática porque a cada ano, aumentando o número de queimadas, poderemos observar o crescimento desse fenômeno, que deve ser, no mínimo, preocupante.

Se formos agir baseados no princípio da precaução, deveremos ter bastante cuidado, principalmente com a idéia de que temos de ampliar cada vez mais as queimadas, por ser um recurso no aumento da produção. Esse meio, num curto prazo, poderá significar grandes problemas para a produção, principalmente pela escassez de chuvas.

Finalmente, destaco que todos os aspectos que abordei, dos técnicos aos políticos, no fundo são meros referenciais para uma reflexão mais profunda e, mais do que nunca, necessária: nossa relação com a natureza e o que ela revela de nós mesmos. Estamos falando de energia como mero insumo daquilo que chamamos de nossa civilização. Mas, antes de tudo, a energia é uma força da natureza da qual nos apropriamos, é uma oferta, é energia no sentido mais simbólico de nossa vida no Planeta. E nós, por outro lado, o que podemos dizer de nossa capacidade de retribuir a essa oferta, de gerar harmonia entre os direitos da natureza e os nossos, que somos apenas uma parte dela? Na verdade, infelizmente - e o Brasil de hoje é um exemplo -, o que oferecemos em troca é muito mais nossa inabilidade para lidar com essa relação e, portanto, nossa inabilidade para lidar com a nossa própria condição humana, que, há muito, já nos ensina que não somos um ser isolado da natureza nem parte dominante na depredação da natureza.

Mas as conseqüências podem ocorrer, apesar de muitos não acreditarem nisso. Os exemplos e os fatos ocorrem para que sejam observados e vivenciados, principalmente pelo negativo, pelos prejuízos, como o problema do apagão que agora estamos enfrentando.

            Sr. Presidente, não poderia deixar de concluir este registro sem antes dizer que os mais de 19 mil quilômetros quadrados, devastados entre o período de 1999 e 2000, contribuíram para o conjunto desses problemas que estamos vivenciando. O Brasil, lamentavelmente, não tem tratado, de forma adequada, todo o seu potencial de recursos naturais. Poderia até assumir uma visão de longo prazo, dentro de um pensamento estratégico, colocando-se numa posição de detentor de recursos naturais imensuráveis, que poderão fazer deste País uma potência em termos de desenvolvimento e, até mesmo, quanto à posição que ocupa na relação com os demais países, principalmente do mundo desenvolvido.

Lamentavelmente, não tem sido essa a visão e a postura do nosso País, porque aposta sempre no curto e no médio prazo e não tem visão estratégica. Apesar do discurso falacioso da modernidade, age de forma primária, conservadora e até retrógrada em relação ao desenvolvimento e à questão do meio ambiente.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Senadora Marina Silva, V. Exª me permite um aparte?

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Ouço V. Exª com prazer.

O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) - Senador Casildo Maldaner, a Presidência alerta V. Exª para o fato de que a Senadora Marina Silva já excedeu 12 minutos de seu prazo e V. Exª é o próximo orador inscrito.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Serei breve, Sr. Presidente. Hoje, é um dia para reflexão e V. Exª, Senadora Marina Silva, trata o assunto com grande conhecimento e com a profundidade que a data exige, para que a análise seja feita e com mais atenção. Traz-nos e a todo o Brasil a idéia da forma de se discutir a questão com o conjunto da sociedade, a todo momento - na escola, na entidade organizada da sociedade civil, na igreja, na rua, enfim, em todos os lugares. Devemos descobrir como conviver com o meio ambiente, com a natureza. Às vezes brincava com o Governador do meu Estado, dizendo, no sentido figurado, que não se tratava do meio ambiente, mas de todo o ambiente. Porque, na verdade, onde vivemos, respiramos e atuamos, esse conjunto todo é o meio em que nos encontramos, o habitat e significa saúde, significa bem-estar. Não adianta cuidarmos só de nós se o meio em que nos inserimos não é tratado com o devido respeito. Porque tudo é vida no meio em que circulamos; não é só a pessoa que é vida: a água é vida, a natureza é vida, as flores são vida, o conjunto de tudo isso, portanto, é vida. Esse, me parece, o tratamento que tínhamos que dar ao assunto para evitar os prejuízos, a depredação do meio ambiente. Por isso, nesta pequena parte que quero inserir no pronunciamento de V. Ex.ª, se o aceitar, eu gostaria de cumprimentá-la pelo seu pronunciamento e pela reflexão que faz. Eu diria que todos os setores da Nação deveriam receber essa proposta como algo para se levar como discussão, não só hoje, mas como uma proposta de vida, uma proposta de debates, pelo País afora. Meus cumprimentos a V. Ex.ª, Senadora Marina Silva.

A SR.ª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço o aparte de V. Ex.ª e o incorporo ao meu pronunciamento.

            Concluindo meu pronunciamento, gostaria de observar que V. Ex.ª, Sr. Presidente, fez um registro muito significativo: apesar de toda a falta de avanços em termos de uma política ambiental integrada, o crescimento da consciência ambiental aumentou em todo o mundo e particularmente no País. Apesar de muitas resistências, eu diria que hoje elas estão a cada dia minimizadas, até porque existe sempre um espaço para aprendermos com a realidade. E o processo de aprendizagem é altamente rico à medida que vamos percebendo que não é incompatível defender o meio ambiente e ao mesmo tempo ter um projeto de desenvolvimento econômico e social. Ao pensarmos um projeto de desenvolvimento econômico e social, se não pensarmos a questão ambiental, o nosso projeto, com certeza, não terá futuro e não será sustentável. O registro de V. Ex.ª é feliz ao mencionar que, hoje, as escolas e os movimentos, de modo geral, não apenas os movimentos ambientalistas, que cuidam especificamente dessa militância, mas a sociedade como um todo, têm uma preocupação com o meio ambiente, que eu espero, nesta Semana do Meio Ambiente, possa estar se refletindo nesta Casa e nas ações de cada pessoa. Que possamos buscar, cada vez mais, ampliar essa consciência e, o que é mais importante, traduzir essa consciência em ações efetivas, seja por parte de governos, seja por parte dos procedimentos de cada indivíduo como responsável pela preservação do meio-ambiente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/2001 - Página 12250