Discurso durante a 67ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COBRANÇAS AO GOVERNO FEDERAL PARA ADOÇÃO DE PROVIDENCIAS VISANDO SANAR AS DIFICULDADES DOS MUNICIPIOS NORDESTINOS ASSOLADOS PELA SECA, EM ESPECIAL NO ESTADO DA PARAIBA.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • COBRANÇAS AO GOVERNO FEDERAL PARA ADOÇÃO DE PROVIDENCIAS VISANDO SANAR AS DIFICULDADES DOS MUNICIPIOS NORDESTINOS ASSOLADOS PELA SECA, EM ESPECIAL NO ESTADO DA PARAIBA.
Aparteantes
Francelino Pereira, Geraldo Cândido, Maguito Vilela, Nova da Costa, Ronaldo Cunha Lima.
Publicação
Publicação no DSF de 07/06/2001 - Página 12395
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, DIFICULDADE, POPULAÇÃO, PAIS.
  • ANALISE, GRAVIDADE, SECA, REGIÃO NORDESTE, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DA PARAIBA (PB), CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, PLANEJAMENTO, FALTA, PROVIDENCIA, MELHORIA, SITUAÇÃO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no nosso universo quase não temos presente. É quase sempre passado e futuro. O “já” que acabei de falar não é mais presente, é passado, ele é apenas um cursor. E eu gostaria, ao mencionar isso, de falar do nosso passado e das coisas que complicam o nosso futuro.

Quando aqui chegaram, os espanhóis vieram com três bandeiras: Deus, ouro e glória. Quando aqui chegaram, os portugueses vieram com duas bandeiras: Deus e ouro. Parece uma diferença pequena, mas não é.

Na revolução na Argentina, havia 30 milhões de habitantes e mataram 30 mil pessoas; na revolução brasileira de 1964, havia 120 milhões e morreram 200 pessoas. “Glória”, portanto, é um componente muito sanguinário, responsável por muito derramamento de sangue.

Era muito bonito alguém dizer: “Queimem os navios, só temos frente, agora!” Mas isso não era muito próprio dos portugueses, que eram mais cordatos. Eu até diria que essa era uma qualidade positiva.

Além dessa formação, tivemos alguns atavismos. Primeiramente, os que vinham para cá o faziam para enriquecer rapidamente e voltar para Portugal. Então, tinham que ganhar dinheiro rápido, muito rápido. Ninguém se conformava em ganhar pouco e todos queriam enriquecer rapidamente para voltar.

Em segundo lugar, os portugueses eram prepotentes e não se igualavam aos colonizados. A única forma de um colonizado se igualar ao colonizador era obtendo um diploma em Coimbra. Assim, toda família brasileira almejava ter um filho formado para, dessa forma, ter alguém no nível do colonizador. Até hoje, existe isso neste País e a mania do diploma persiste. Todo mundo quer ter um anel no dedo. O indivíduo pode não saber ler nem escrever, mas quer ter o diploma.

Também permanece o divórcio - outro atavismo - que havia entre aqueles que mandavam e os que eram comandados. Até hoje, os que comandam - e que, infelizmente, precisam dos votos - olham para o povo com desprezo. As elites não gostam do povo. Ao contrário, usam até adjetivações como “essa ralé” ou “a ralé que matou Cristo”. Por outro lado, o povo olha para as elites com muita raiva. Tudo o que era público não era seu, era do rei; portanto, hoje quebra praça e depreda o que é público; não tem amor e não colocou na consciência que o seu imposto é que paga e sustenta tudo aquilo.

Ainda em decorrência desse atavismo, o povo fala como se os Senadores, Deputados e Governadores não fossem eleitos por ele. Parece até que eles caem do céu. O povo se esquece de que tem o voto e não pode vendê-lo, porque essa é a única arma que tem para colocar no comando alguém que preste.

Temos outros exemplos, como o atavismo de acreditar em Messias. Sempre achamos que vai haver uma mágica e que alguém vai aparecer com as soluções dos problemas. Penso que isso é oriundo do tempo em que, em Portugal, por ter desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir, acreditava-se que D. Sebastião, um dia, voltaria como o Messias. Até hoje, esperamos que aconteça algo semelhante, que Fulano vá combater os marajás, que Beltrano vá fazer isso, como se pudéssemos, por milagre, resolver os nossos problemas, esquecendo-nos de que em economia e administração não há milagres, mas muito trabalho e muito suor.

Na área rural, onde o inimigo eram as serpentes, as cobras e os índios, que combatiam os colonizadores, eram feitos terreiros em volta das casas. Essa é a razão do atual terreiro longo e de ninguém gostar muito de jardim. Hoje, não há uma casa de fazenda que não tenha um terreiro grande para que se possa ver adiante.

No entanto, talvez um dos nossos piores atavismos decorra da escravidão. Temos cinco séculos de existência, dos quais quatro, sob o regime da escravidão, em que só se trabalhava debaixo de pau. Que estímulo teria um escravo para fazer algo que não era para si e pelo que não ganhava nada? Então, havia o feitor. Neste último século, mesmo sem escravidão, o feitor continuou sendo necessário. Até hoje, se não há alguém para tanger, se não há alguém para fiscalizar, a grande massa não se move. É incrível.

Ontem, nobre Senador Maguito, lembrei-me do desabafo que o Ministro Raul Jungmann nos fez em São Paulo, quando S. Exª disse que, há onze dias - hoje já são treze -, deu ordem para que carros-pipa chegassem ao seu destino. Mas, até hoje, não chegaram! Está faltando o feitor, alguém que cobre pelas ações.

Sr. Presidente, eu poderia citar mais de cem atavismos aqui. Mas a quê eles nos levam? A crer que não basta ensinar a escrever e a ler. Além disso, temos que mudar a cabeça das pessoas, temos que mostrar que este País não é mais uma colônia, que, hoje, somos senhores deste País, que o que é público é nosso, que quem está no comando - e fomos nós que o colocamos ali - tem que nos prestar conta!

Sr. Presidente, com muita honra, na minha Paraíba, todos os dias eu uso o rádio para prestar contas, porque a voz que se faz ouvir aqui não é a do Ney Suassuna e sim a voz da Paraíba, do povo de lá que aqui represento. Por isso, não tenho que escolher temas, tenho que saber o que o meu povo quer falar.

Sr. Presidente, um dia desses eu fazia o meu pronunciamento, e um Senador disse: “Vai falar em seca de novo?!”. Vou falar em seca mil vezes se o povo da Paraíba quiser que eu o faça. Aqui, não é o Ney Suassuna que fala; quem fala aqui é o representante da Paraíba, clamando por ações no meu Estado, em favor do povo que represento.

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Ouço, com muita honra, o aparte de V. Exª.

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - É impressionante, Senador Ney Suassuna, o que V. Exª está dizendo. Como um Ministro diz que, há treze dias, mandou chegarem ao seu destino os carros-pipa e até hoje isso não aconteceu? Penso que seria o momento, Senador, de fechar o registro de água do Ministério e deixar aquele órgão sem água por treze dias. O que aconteceria? Penso que o mundo acabaria. Mas, no que diz respeito aos pobres paraibanos, esses podem ficar sem água, podem ficar sem o carro-pipa. Por isso, digo que, neste Governo, não há pessoas com sensibilidade. Os assessores não têm sensibilidade política, não têm sensibilidade humana. Quando fui Governador de Goiás, aconteceu o mesmo no nordeste do meu Estado: faltou água. Imediatamente, no mesmo dia em que chegou a notícia de que estava faltando água, mandei furar tantos poços quantos fossem necessários. Naquela oportunidade, o Secretário da Fazenda argumentou que não havia dinheiro para tal, e eu lhe disse que não queria saber se havia ou não verba, mas que eu estava mandando furar os poços artesianos e que o dinheiro haveria de aparecer. Nobre Senador, o que não pode acontecer é pessoas passarem sede; as pessoas não podem ficar se misturando com animais irracionais - cavalos, vacas, bodes - para tomarem água. Então, não há que se falar que a burocracia está emperrando, que o Ministro está esbarrando na burocracia. Passe por cima de tudo e mande água para a Paraíba, de qualquer forma! A vida humana está acima de tudo e de todos. Portanto, sou solidário a V. Exª. Ontem, V. Exª fez esse mesmo apelo. Anteontem, estávamos em São Paulo, e V. Exª, na Veja, na Editora Abril, na Folha de S.Paulo, clamou pelo seu povo, pelo seu Estado, pela sua gente, pelos seus conterrâneos. Ainda bem que a sede deles está doendo em V. Exª. Muito obrigado.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Eu é que agradeço a V. Exª, que faz um aparte vibrante. Com muita honra, peço que o seu aparte seja incluído no meu discurso.

Sr. Presidente, comecei falando sobre atavismos brasileiros. Inclusive, falei até do início dos lemas dos espanhóis e dos portugueses. E eu ainda diria que cada um de nós, brasileiros, somos uma máquina de resolver problemas. O brasileiro é um safo, no bom sentido, pois consegue sair de qualquer embrulhada, de qualquer dificuldade, e o povo só enfrenta dificuldades. Não há o aumento da tabela do Imposto de Renda, e é o povo que tem que pagar sem dever. Há falta d’água, falta de luz, falta de planejamento. Um Presidente toma todas as poupanças do povo. Portanto, cada um de nós somos uma máquina de resolver problemas. Somos pessoas espertas, por obrigação, porque todo o nosso caminho é feito apenas de obstáculos. É pedra e mais pedra.

Comparando-nos a pessoas de outras nacionalidades, eles até parecem bobões, desconectados, desligados: um é especialista na mão esquerda, o outro, no braço direito, mas, no conjunto, formam um amálgama que funciona. Mas nós não podemos ser assim, porque acreditamos - e todos esses atavismos nos mostram - que o Governo que escolhemos está contra nós! A elite e o povo não têm nada a ver; a elite quer que o povo se dane.

Fico cá comigo me perguntando: “Até quando isso acontecerá?”. Tenho muito orgulho de ser latino, de ser brasileiro, mas há horas em que digo: “Meu Deus, quando iremos nos livrar desses atavismos? Quando iremos nos desligar dessa herança maldita que trazemos no nosso psiquismo, no nosso inconsciente coletivo, que não nos permite mudar?”.

Vivemos em um país em que não se sabe quando irá faltar luz. Os americanos estão fazendo planejamento para 400 anos, e aqui não sabíamos que iria faltar luz até anteontem.

Repito: tenho muito orgulho de ser latino. Somos afetuosos, afetivos, simples, abertos. Os americanos até nos chamam de shake hand, porque temos a mania de apertar a mão a toda hora. Mas eles têm aquele negócio da bolha psicológica, pois ninguém chega perto de ninguém; há sempre dois passos de distância. Aqui colocamos a mão no ombro, abraçamo-nos. Tenho muito orgulho disso! Mas há momentos em que fico muito preocupado.

O Sr. Nova da Costa (PMDB - AP) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Nova da Costa (PMDB - AP) - Senador Ney Suassuna, o pronunciamento de V. Exª, além de didático, cartesiano, mostra o conhecimento profundo que V. Exª tem sobre aspectos sociológicos do interior. Vivi muito tempo no interior. E aqui quero destacar um dos mais importantes aspectos citados no rol de atavismo que V. Exª enumera, com muita propriedade, que é o escravismo. A marca do escravismo, ainda presente e alimentado ante a humildade e a bondade de pessoas de menor nível social, é a prepotência dos dirigentes. Não há um sentido cristão. E posso dizer que esse assunto é muito oportuno. V. Exª, abordando um tema dos mais importantes, presta uma grande contribuição para o planejamento deste País, o qual está muito concentrado. Poder-se-ia levantar o lema da interiorização do desenvolvimento, buscando aquelas localidades que V. Exª citou ontem, com muito entusiasmo e com muito conhecimento. Parabéns, portanto. E meu apreço ao seu pronunciamento. Muito obrigado.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador. Também incorporo o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento.

O Sr. Ronaldo Cunha Lima (PMDB - PB) - Senador Ney Suassuna, V. Exª me concede um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ronaldo Cunha Lima (PMDB - PB) - Senador Ney Suassuna, ouvi, ontem, o pronunciamento de V. Exª do meu gabinete. Hoje, V. Exª renova essas preocupações. Quero, em primeiro lugar, trazer a minha solidariedade a essa preocupação de V. Exª e louvar o seu trabalho e a sua preocupação diante da situação aflitante do nosso Estado. Louvo seu gesto e me incorporo a essas ações que V. Exª, com espírito público, desenvolve. Parabenizo-o e me solidarizo com V. Exª. Apenas me permita falar de um detalhe: não podemos apenas esperar do Governo Federal ações, principalmente em relação a carros-pipa. Hoje tenho ciência de que 1.500 trabalhadores estão invadindo a BR-230, perto da cidade de Souza, à procura de carros-pipa. Mas devo lembrar que o Governo do Estado também pode nos ajudar nesse setor. O Governador anuncia, publicamente, que dispõe de R$1 bilhão em caixa. Se S. Exª dispõe desse dinheiro, S. Exª pode ajudar o Governo Federal, pelo menos no que diz respeito aos carros-pipa, para minimizar os efeitos dessa situação dolorosa em que vivemos. Mas a minha palavra visa principalmente trazer a V. Exª minha solidariedade e meus cumprimentos pela sua atuação e pela sua preocupação. V. Exª é atuante. Relatou, ontem, as suas visitas a regiões críticas e trouxe as suas preocupações, às quais me incorporo como paraibano e como seu colega. Meus cumprimentos e minha solidariedade.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador Ronaldo Cunha Lima. Fico muito orgulhoso pelo aparte de V. Exª, que exprime toda a sua preocupação com o sofrimento do povo da Paraíba.

Gostaria, no entanto, de fazer uma referência a esse valor de R$1 bilhão. O que temos dito é que há R$1 bilhão em investimentos, dos quais R$600 milhões já foram aplicados. Com isso, estamos fazendo 1,5 mil quilômetros de adutoras e mais de 30 barragens no próprio Estado. E também estamos fazendo outro tanto com o dinheiro do Governo Federal, que, graças a Deus, temos conseguido, mas que nem sempre chega a tempo. É o caso, por exemplo, da BR-230: como os recursos não chegaram a tempo, o Governo, que deveria investir R$10 bilhões, está investindo R$40 bilhões. Mas temos feito a nossa parte.

Lamentavelmente - e estou falando mais genericamente -, os atavismos divorciam o Governo do povo, fazendo com que este passe a enxergar o Governo Federal como o vilão da história.

Incorporo, com muito orgulho, o aparte de V. Exª ao meu discurso, até porque passamos muitos anos juntos - e continuamos juntos - como amigos, embora divergindo um pouco na política, o que espero seja temporário, porque quero muito bem a V. Exª. E, se Deus quiser, um dia haveremos de estar no mesmo lado, defendendo todos nós, como temos defendido, os interesses da Paraíba.

O Sr. Francelino Pereira (PFL - MG) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Com muito prazer, ouço o aparte de V. Exª.

O Sr. Francelino Pereira (PFL - MG) - Senador Ney Suassuna, V. Exª está falando de posicionamentos atávicos da sociedade brasileira. Refere-se a Portugal, aos colonizadores, aos espanhóis, dos quais temos algumas recordações, ou seja, são fatos que ainda não se apagaram da nossa memória e dos nossos horizontes. Uma dessas lembranças é o fato de que a sociedade brasileira, até há poucos anos, voltava-se para o problema do ensino no Brasil de uma forma distorcida. Era importante à sociedade brasileira, ou seja, à sua elite, que fossem poucos os letrados, que fossem poucos os que tinham direito ao caminho da escola. E por quê? Exatamente para que a direção do País, o comando da vida social, econômica, cultural, política e financeira do País ficasse nas mãos de poucos. Esse é um atavismo que continua até hoje, porque efetivamente vivemos em um Brasil injusto, desigual, onde empresários de todos os tipos não contribuem para que o Brasil seja um país letrado, onde todos possam falar e possam ter oportunidades de trabalho. Mas o Brasil está se democratizando, as portas se abriram, a democracia está aí: os pobres continuam pobres, mas estão se comunicando com o Brasil inteiro e acompanhando atentamente o que se passa no País. Os próprios meios de comunicação já fazem com que a nossa organização parlamentar chegue a todos os recantos da Nação brasileira. O que é importante agora, portanto, meu caro Senador Ney Suassuna, é que tenhamos um pouco de otimismo. Nascer na Suíça é triste. Nascer na Alemanha é triste. Ser francês não é tão bom assim. O bom é ser brasileiro, nascer em uma pátria onde um cidadão da Paraíba, que nasceu na terra seca e distante, possa estar hoje aqui, empresário e político vitorioso, dando uma contribuição para que esta Nação de 170 milhões de brasileiros - e 48% vivem em indicadores sociais negativos - possa receber desta organização e do empresariado brasileiro uma contribuição para que todos caminhem naquilo que Milton Campos chamava “de caminho para a igualdade social”. Esse é um atavismo que ainda persiste entre nós, mas temos a felicidade de ter nascido neste País, de acreditar nele e de saber que cada um de nós, diferentemente dos suíços - na Suíça, o cidadão nasce e já sabe o que vai acontecer no seu futuro, na sua trajetória de vida -, pode mudar o seu futuro. Temos a felicidade de viver em um País onde se pode sair da Paraíba, tornar-se carioca e, ao mesmo tempo, brasileiro e estar na tribuna do Senado da República. Isso é o milagre brasileiro. Esse é o otimismo que transmito a V. Exª nesta hora de dor e pessimismo que V. Exª está enfrentando.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado pelo aparte de V. Exª, que fala como um otimista. V. Exª é tão otimista que está aqui pregando que esses atavismos devem ser superados, que todos temos que cuidar não só da instrução do nosso povo, ensinando-o a ler e a escrever, mas também do combate a esse inconsciente coletivo, a essa parcela negativa. E há muitas parcelas positivas.

É muito difícil fazermos uma análise de todo o painel em apenas 20 minutos. Mas faço este meu discurso no sentido de que deixe de haver o componente negativo, que nos prejudica tanto na falta de planejamento como na falta de solidariedade, que nos prejudica de várias formas, mas que, com certeza, poderá ser suprimido por meio da educação, porque esta, sim, é que liberta, é que permite que as pessoas saibam que não vivem mais no Brasil Colônia, que este País é de todos nós e que é possível o cidadão sair da Paraíba, migrar, largar a sua família e enfrentar as dificuldades lá fora para poder arranjar emprego, porque na sua terra ainda não há emprego, não há sequer água para beber e haverá o primeiro apagão.

Neste momento, nobre Senador, não existe tranqüilidade na minha terra. O que o nobre Senador Ronaldo Cunha Lima disse é verdade. No sábado, qualquer carro que passar com comida entre Sousa e Cajazeiras será saqueado - vão tomar tudo e já avisaram -, pois não há comida, não chega ali a cesta básica, enfim, não há nada.

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Peço ao nobre Presidente que me permita conceder um último aparte ao meu querido amigo, o nobre Senador Geraldo Cândido.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Peço apenas a V. Exª, Senador Geraldo Cândido, que seja breve, pois o tempo do orador já está esgotado.

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Pois não, Sr. Presidente, serei breve. Senador Ney Suassuna, quero parabenizá-lo pelo pronunciamento que faz e me solidarizar com V. Exª, com todos os paraibanos e, de modo geral, com os nordestinos. Ainda ontem estive em Recife, no Estado de Pernambuco, e fui informado de que 128 Municípios também decretaram estado de emergência por causa da seca, da falta de água, enfim, por causa de uma situação que ocorre em todos os Estados do Nordeste. A situação é mais grave na Paraíba, mas não deixa de existir também em Pernambuco, no Rio Grande do Norte, no Ceará e em outros Estados do Nordeste. Estamos vivendo um momento de grandes dificuldades para todos nós, porque a Nação brasileira também está sofrendo as conseqüências da falta de energia: o apagão, o corte de luz, a sobretaxa, a falta de água, a falta de emprego. A situação é desesperadora para toda a população, principalmente para os carentes, os pobres, que necessitam de formas de sobrevivência. Senador Ney Suassuna, com relação ao que V. Exª falou sobre a escravidão, vou um pouco além. V. Exª disse que a escravidão, no Brasil, durou 400 anos; e, depois, haveria 100 anos sem escravidão. Costumo dizer que, no Brasil, a escravidão ainda continua. Falo sempre - e falei sobre isso neste ano, no dia 13 de maio, que é o dia da “libertação dos escravos” - que a abolição da escravatura foi um ato de dignidade e de solidariedade da Princesa Isabel, mas que, na prática, não funcionou. A abolição da escravatura acabou sendo muito mais um ato simbólico, porque a relação que existe na sociedade, a relação dos afro-brasileiros deste País é ainda pior do que com a população branca. Os afro-brasileiros vivem em uma sociedade que, da época da escravidão até hoje, não mudou praticamente nada, pois continuam morando nos mocambos, nas favelas, nos morros, não têm emprego, ganham salários menores, vivem, portanto, uma relação de semi-escravidão. Parabenizo, pois, V. Exª. Sou solidário com os bravos paraibanos, com V. Exª e com todos os nordestinos. Muito obrigado.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Obrigado, nobre Senador Geraldo Cândido.

Sr. Presidente, ao encerrar o meu discurso, gostaria de dizer que todos esses atavismos se refletem na falta de exportação; na falta de combate à seca - prometeram combatê-la, e, até hoje, nada foi feito -; na crise da água, que será a próxima crise, como o próprio Presidente já disse - e isto é verdade -; na falta de alimentos, da qual falou aqui o Senador Maguito Vilela; no apagão que estamos vivendo; na autofagia que os brasileiros praticam.

Vou dar um exemplo, Sr. Presidente: passamos 30 anos em primeiro lugar no futebol, e nunca ninguém elogiou esse feito. Perdemos esse posto por um ano, mas já voltamos a ser os primeiros de novo. Mas a imprensa, no dia em que perdemos o primeiro lugar, massacrou todos os jogadores. Voltamos a ser os primeiros de novo. Alguém ouviu alguma notícia sobre isso? Talvez eu seja o único a anunciar que voltamos ao primeiro lugar novamente. Nós nos atacamos, devoramo-nos permanentemente. Somos os primeiros a dizer que no Brasil não existe turismo por causa dos assaltos. Ajudamos nossos concorrentes quando divulgamos informações sobre o descuido da Amazônia, a ausência de preocupação com a infância e a juventude, a falta de programas industriais e agrícolas, etc.

            Sr. Presidente, agradeço a compreensão de V. Exª.

Este é o meu chamamento: não permitamos que esses atavismos continuem se refletindo na nossa sociedade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/06/2001 - Página 12395