Discurso durante a 68ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CRITICAS AO USO ABUSIVO DAS MEDIDAS PROVISORIAS E O CONSEQUENTE ESVAZIAMENTO DA COMPETENCIA LEGISLATIVA DO CONGRESSO.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEDIDA PROVISORIA (MPV).:
  • CRITICAS AO USO ABUSIVO DAS MEDIDAS PROVISORIAS E O CONSEQUENTE ESVAZIAMENTO DA COMPETENCIA LEGISLATIVA DO CONGRESSO.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/2001 - Página 12607
Assunto
Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV).
Indexação
  • REITERAÇÃO, PROTESTO, CONTINUAÇÃO, EXISTENCIA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), REEDIÇÃO, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS, ESTADO DE DIREITO, PREJUIZO, DEMOCRACIA, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • DENUNCIA, USURPAÇÃO, EXECUTIVO, FUNÇÃO LEGISLATIVA, CONGRESSO NACIONAL, OMISSÃO, CONGRESSISTA.
  • OPOSIÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REGULAMENTAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), DEFESA, ELABORAÇÃO, PROPOSIÇÃO, FUTURO, MANDATO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • TRANSCRIÇÃO, APARTE, AUTORIA, MARIO COVAS, EX SENADOR, DISCURSO, ORADOR, DEBATE, MEDIDA PROVISORIA (MPV).

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sejam as minhas primeiras palavras de alegria e satisfação de ver o nobre Senador Nova da Costa presidir esta sessão. Anos de convívio nos unem desde quando, então, Superintendente da Sudeco, na década de 1970, iniciávamos o processo de colonização no longínquo e promissor hoje Estado de Rondônia, então Território Federal.

O mundo dá voltas, mas os ideais não se separam. Os mesmos ideais de amor a este País e à Amazônia permanecem unidos. Tenho certeza de que para nós, neste momento, é uma dádiva da glória que só o tempo nos reservou.

Sr. Presidente, volto a esta tribuna para tratar de uma matéria sobre a qual eu poderia dizer que já me manifestei nesta Casa à exaustão. Volto para, em mais uma oportunidade, falar das medidas provisórias. Eu me perguntava se devia falar desse tema. Já inventei todos os raciocínios, busquei a construção de todas as frases do ponto de vista de estilo - pobre que tenho, é verdade - e não teria mais nada a acrescentar nem de conteúdo nem de forma, porque tenho pregado sobre esta matéria desde o meu primeiro pronunciamento, em 25 de fevereiro de 1991. Não mudei de opinião, não mudaram os fatos nem as providências desde aquela data até este momento.

Será que deveria eu continuar a pregar neste vazio? Outras pessoas muito mais ilustres do que eu pregaram às ondas do mar, às areias do deserto; outras, aos ventos. Ao menos tenho a chance de vir a esta Casa pregar aos Anais, algo mais denso, porque ficará registrada na memória desta Casa a minha insubordinação, a minha divergência sobre aquilo que ocorre em termos de poder legislativo conferido ao Poder Executivo, a teor do disposto no art. 62 da Constituição Federal.

Retomo uma tese, Sr. Presidente, que já em 1991, tanto no meu discurso do dia 25 de fevereiro como no do dia 20 de março, a ela fazia referência. Poderia aqui enumerar uma dezena de oportunidades, como ainda recentemente o fiz nesta Casa, por exemplo, em 14 de janeiro de 2000.

Depois dessa oportunidade, voltei ainda trazendo a lição do sempre lembrado e respeitado patrono desta Casa, Rui Barbosa. Mas não adianta o escólio dos mestres, não adianta evocar os Princípios do Direito, não adianta falar na Constituição, que é uma lei que não emana da Legislatura, mas sim do povo. Porque a lei ordinária ou até complementar tem como base, como fundamento, a representação popular, mas a Constituição é a vontade do povo que se edifica em norma fundamental.

Tenho mostrado ao longo desse tempo que vivemos um momento difícil em termos de afirmação da Lei e do Direito. Vivemos um momento em que há uma ordem que não é a constitucional, que não é uma ordem legal, mas uma ordem sem face, que não identifica a sua origem nem as razões que a edificam; é uma ordem que vige, que comanda acima da Constituição, embora não tenha o teor e a qualidade constitucional. É uma ordem que se constrói sorrateiramente, sem face, mas que manda, que governa. Não é a vontade da lei, mas é a lei da vontade, que vai construindo condutas e procedimentos neste País.

Sr. Presidente, eu que abomino todas as tiranias, venham de onde vierem, sejam elas quem forem, eu, que não tolero a tirania, que sempre fui um devoto e um amante da liberdade, da manifestação da consciência e do pensamento livre, não tolero essa ordem que querem impor sem legitimidade, sem ser uma decorrência da vontade popular, sem se assentar na soberania popular, fonte última do poder, vejo que hoje se implanta no País essa ordem que parece ser diferente da ordem constitucional, que realmente é diferente e que seria uma segunda ordem. Mas, no Brasil, não há duas, nem três, nem coisa alguma, o que há é uma ordem constitucional, e o resto é desordem!

Estamos diante de uma crise institucional, quando cada um quer exercer com exclusividade uma competência que não é a sua. O Poder Legislativo que proceder a julgamentos que se estabelecem, a priori, muitas vezes, na mídia. O Poder Executivo quer legislar sobre todas as matérias, usurpando a competência exclusiva do Congresso Nacional, e, como disse Rui Barbosa, só o Congresso Nacional legisla. O Poder Judiciário se insinua como o supridor da ausência legislativa. A divisão dos Poderes não é absoluta, a teoria de Montesquieu, em muitos pontos, é superada, mas não se pode perder de vista a idéia dos freios e contrapesos, porque só o poder limita o poder. E nós, mais do que nunca, que juramos respeitar a Constituição, temos que fazer um esforço hercúleo para manter as instituições, o respeito a elas, sua incolumidade e, sobretudo, a democracia, que ainda claudica no País.

Sr. Presidente, tenho sido defensor de algumas idéias fundamentais ao regime democrático e, sobretudo, nunca me afasta a idéia do devido processo legal. O direito material à norma é meramente do dever ser, é um comando abstrato que se encaminha para a realidade, mediante a afirmação das normas de processo. Sem essa contribuição processual coercitiva, o direito se torna letra morta e poderá perecer no estado de mero dever ser. Para se tornar efetivo, há de passar pelo caminho da afirmação processual. Por isso, a importância da democracia está no respeito à idéia do devido processo legal.

Quando falo assim, sobretudo me referindo à questão das medidas provisórias, estou convicto que, se fosse observado o que estipula o art. 62 da Constituição, não seria necessária nenhuma regulamentação; não seria a norma, mesmo de caráter complementar, que iria impor o respeito à norma constitucional. Ou se respeita a Constituição, ou não se respeitará a lei complementar e outras disposições até de caráter constitucional que se possam inserir no texto atual.

Sr. Presidente, em 1991, ao tratar deste assunto nesta Casa, eu recebi apartes brilhantes, inclusive, naquele momento, do grande Senador, do grande político nacional que foi Mário Covas. Com sabedoria, afirmava ele, citando a Constituição Federal: “as medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes”. Ora, não se trata sequer de rejeição de medida. Há duas hipóteses: ou a medida é aprovada, ou não é aprovada! E ela pode não ser aprovada através de vários mecanismos: ou porque não foi votada, ou porque foi rejeitada, ou porque foi transformada num projeto de lei de conversão. Em qualquer circunstância, ela perde a eficácia desde a edição. V. Exª trata disso com uma clareza absolutamente meridiana. Hoje, a tendência tem sido diferente. A reedição da medida provisória constitui uma continuidade do processo, de tal maneira que não se leva em consideração a anulação daquilo que ocorreu, a perda de eficácia ocorrida nos trinta dias anteriores”.

E prossegue, num raciocínio claro e matemático, o então Senador Mário Covas - e será transcrito novamente o aparte de S. Exª ao meu discurso - , para concluir: “Finalmente uma interpretação lógico-sistemática leva a concluir que o Presidente da República não poderá disciplinar por medidas provisórias situações ou matérias que não podem ser objeto de delegação. Seria um despautério que medidas provisórias pudessem regular situações que sejam vedadas às leis delegadas”.

Por isso, a interpretação dada aqui pelo então Senador Mário Covas constitui uma referência que o Poder Judiciário poderia sustentar em uma interpretação, como ele fala, “lógico-sistemática da Constituição”.

Se olhássemos, não apenas o art. 62, caput, mas sobremodo o parágrafo único citado aqui: “as medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes”.

Significa que só o Congresso pode disciplinar as conseqüências jurídicas dos atos praticados com base em medidas provisórias, sobretudo não transformadas em leis até 30 dias da sua edição.

Sr. Presidente, é visível que o texto da Constituição per se, espanta qualquer idéia de reedição e, por outro lado, limita as matérias que podem ser objeto de edição de medidas provisórias.

Em primeiro lugar, são aquelas que não podem ser delegadas. Tratam fundamentalmente do Direito Processual, da organização do Poder Judiciário, dos direitos e garantias individuais, da nacionalidade, da cidadania, dos direitos políticos e eleitorais, dos planos plurianuais, das diretrizes orçamentárias e dos orçamentos. Essa é a essência da competência legislativa.

Poderíamos dizer que, na concepção dos barões que impuseram a Magna Carta a João Sem Terra, em 1215, essas idéias fundamentais estavam plasmadas como dever, começando pelas garantias individuais do devido processo legal e todos os direitos e garantias individuais, inclusive a criação de tributos. O tributo, a partir de 1096, antes até da Magna Carta de 1215, já era uma reserva legal. Só a lei, e a lei deve ser essa emanação das Casas Legislativas, dos corpos legislativos, a lei que se edifica não como medida provisória, que é uma lei sob condições mas ainda não é uma lei no sentido específico e estrito da palavra.

Por isso, Sr. Presidente, nós, naquele momento, salientávamos que o que não pode ser objeto de lei delegada jamais poderia ser objeto de medidas provisórias. É óbvio! E as reservas legais, como a instituição de tributos, também estavam preservadas, porque há um princípio de legalidade que não pode ser revogado por ato do Poder Executivo.

Mas o que ocorreu? Num primeiro momento, a falta de atuação e preservação da competência legislativa pelo próprio Poder Legislativo.

Tenho dito que o poder monocrático para legislar foi instaurado no Palácio do Executivo - e aqui não faço nenhuma referência a este ou aquele Presidente; faço uma referência institucional, porque todos usaram e abusaram das medidas provisórias: o Presidente atual, os do passado e, com certeza, o farão os do futuro. Os Chefes do Poder Executivo usarão essa prerrogativa mal interpretada, e com a conivência desta Casa ampliada ao infinito.

Esse edifício legislativo, hoje situado no âmbito do Poder Executivo, repito, foi construído sobre as colunas curvadas dos Parlamentares, que não ousaram e não souberam defender sua competência, usurpada por atacado cada vez mais, ampliando-se de modo a esvaziar a competência legislativa do Congresso Nacional.

Sr. Presidente, é hora de dizer que a regulamentação não seria necessária. Se não é respeitada a Constituição Federal no texto atual, não o será no texto futuro. E o mais grave, destaco, é que a proposta de emenda à Constituição, que não regulamenta, mas, na verdade, amplia a competência considerável do Poder Executivo, traz no seu bojo uma arma mortal ao Poder Legislativo: a competência exclusiva de dispor sobre as conseqüências jurídicas dos atos praticados durante a vigência das medidas provisórias.

Sr. Presidente, trata-se de um mecanismo de freio e contrapeso, capaz de exercer um difícil papel, um papel de frenagem - repetindo de maneira tautológica -, fazendo com que o Poder Executivo adote uma postura mais equilibrada no sentido de não usar desse mecanismo quando bem lhe aprouver. No entanto, na medida em que o Congresso remete o ponto das conseqüências jurídicas decorrentes do decurso de prazo, o Poder Executivo pode editar qualquer medida sobre qualquer matéria, fugindo da competência que o novo texto poderá conferir-lhe.

Nessa circunstância, não há nenhuma pena, e o mecanismo de controle do Congresso é nenhum, porque, não convertida em lei, rejeitada a medida, as conseqüências jurídicas serão sempre confirmadas, revalidadas por certo pelo Governo, que sempre terá mecanismos de fazer com que flua o prazo da decorrência para a convalidação das medidas.

Por isso, Sr. Presidente, digo mais uma vez: deve-se respeitar a Constituição, dando interpretação conveniente ao sistema consubstanciado no corpo constitucional, interpretação que siga os mais elementares princípios de Hermenêutica, e o Poder Judiciário não deve se acomodar na posição de Pilatos - de lavar as mãos -, por entender que essa é uma questão interna corporis, pois se trata de questão política, sobretudo que começa pela idéia do exame daquilo que seja urgência e relevância.

O Congresso Nacional jamais rejeitou uma medida em qualquer tempo da vigência do texto constitucional, demonstrando que aquela matéria não era urgente nem relevante - e muitas matérias não tinham nenhum desses pressupostos -, mas complacentemente deixou o carro da legislação do Executivo passar pelos corredores, pelos plenários, pelos prazos, pelas comissões, por sobre o próprio Congresso. E um Congresso que não zela pela sua competência realmente perde a sua condição moral de exigir que o Poder Executivo freie, que, de maneira benigna, deixe de usar aquilo que é uma competência restrita e que foi se ampliando pela participação e pela omissiva do Congresso brasileiro.

Sr. Presidente, é hora de dizer que ninguém vai regulamentar a matéria durante esta legislatura. Não tenho dúvidas disso, porque não interessa ao Poder Executivo. Os partidos que têm representação nesta Casa e que servem de sustentação vão sempre se alinhar na vontade do Poder Executivo, que atualmente comanda.

A minha proposta, para fugir da cadeia de pressões, de interesses, é o Congresso brasileiro pensar na sua dignidade, na autonomia que lhe é própria, na sua competência exclusiva e dispor sobre a matéria para um próximo mandato. Só assim, talvez, o Congresso brasileiro poderá criar aqui as condições de respeitabilidade, de usar a sua competência própria de legislar, de vedar e de restringir a capacidade legislativa do Poder Executivo, restaurando, assim, a incolumidade de um Poder que se desmoraliza a cada dia.

Não vejo outra saída, Sr. Presidente, senão pensarmos para frente. Antes tarde do que nunca. O lema “Liberdade ainda que tardia” foi que, na Inconfidência Mineira, animou os revolucionários da época. Entendo que é chegada a hora de refletir se desejamos ou não construir no País um Poder Legislativo independente, genuíno na sua competência. Do contrário, a cada dia, a cada legislatura, ele será menor.

Por essa razão, Sr. Presidente, deixo o desafio às Lideranças para que reflitam a respeito das medidas provisórias. Jamais será regulamentada coisa alguma, porque existem duas forças: uma que quer manter a sua capacidade legislativa e outra que quer devolver ao Congresso Nacional a sua competência própria e genuína.

 

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            DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR AMIR LANDO EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO:

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/2001 - Página 12607