Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONTRATAÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO DAS ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS DO LEGISLATIVO, DIANTE DO QUADRO DA EXCESSIVA INTERFERENCIA DO EXECUTIVO, POR MEIO DA UTILIZAÇÃO DOS INSTITUTOS DA MEDIDA PROVISORIA E DA URGENCIA CONSTITUCIONAL.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO. MEDIDA PROVISORIA (MPV).:
  • CONTRATAÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO DAS ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS DO LEGISLATIVO, DIANTE DO QUADRO DA EXCESSIVA INTERFERENCIA DO EXECUTIVO, POR MEIO DA UTILIZAÇÃO DOS INSTITUTOS DA MEDIDA PROVISORIA E DA URGENCIA CONSTITUCIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2001 - Página 13000
Assunto
Outros > LEGISLATIVO. MEDIDA PROVISORIA (MPV).
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUTORIA, LUIS FERNANDO VERISSIMO, ESCRITOR, CRITICA, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS, BRASIL, USURPAÇÃO, EXECUTIVO, FUNÇÃO LEGISLATIVA.
  • CRITICA, BANCADA, APOIO, GOVERNO, ADIAMENTO, VOTAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REGULAMENTAÇÃO, EDIÇÃO, REEDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
  • LEITURA, TRECHO, DISCURSO, ALMINIO AFFONSO, EX-DEPUTADO, DESPEDIDA, MANDATO PARLAMENTAR, ANALISE, REDUÇÃO, FUNÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, EXCESSO, PODER, PRESIDENTE DA REPUBLICA, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
  • CRITICA, OMISSÃO, CONGRESSO NACIONAL, FUNÇÃO, FISCALIZAÇÃO, EXECUTIVO.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria que a Casa estivesse mais tranqüila para iniciar o meu discurso.

O talentoso cronista Luis Fernando Veríssimo, em sua coluna de O Globo, com a sua verve característica, seu fino humor, atingiu o Congresso Nacional, hoje, de forma a nos deixar constrangidos. Diz ele em certo trecho de sua crônica:

Na Inglaterra o parlamento governa e a monarquia dá o espetáculo.

No Brasil, acontece o contrário. Somos antiingleses. Aqui o parlamento é a família real e o rei é o parlamento. Como não tem mais nada para fazer, já que o país é administrado por medidas provisórias, o Congresso dá espetáculo. Nos revela a sua intimidade, os seus conflitos de lealdades e escrúpulos, os seus podres, as suas culpas e expiações - e suas rainhas-mães e seus maus atores - e concentra o interesse de imprensa e público num debate sobre nada muito relevante. Enquanto isso, o rei não apenas usurpou a função do parlamento como recuperou alguns privilégios da monarquia absoluta, anteriores a todas as revoluções, como a inviolabilidade da sua vida privada, além do poder de governar por decreto. Os escândalos do palácio, ao contrário dos escândalos do parlamento, nunca se criam. O direito divino do soberano foi substituído pela presunção tácita da sua honorabilidade pessoal, mas a intenção é a mesma, mantê-lo acima do feio espetáculo dos “comuns” se interdevorando em público.

            Termina Luis Fernando Veríssimo:

Na própria Inglaterra já tem muita gente achando que a monarquia é um anacronismo condenado, cujo custo não compensa o teatro. Vão acabar dizendo o mesmo do Congresso brasileiro.

Usei essa crônica de Luis Fernando Veríssimo como introdução ao meu discurso de hoje.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em mais uma nova manobra protelatória, a bancada governista na Câmara dos Deputados, na semana passada, conseguiu adiar a votação da PEC nº 472/97, do Senado Federal, que restringe a edição e a reedição das medidas provisórias.

Assim, o Congresso Nacional vai colecionando oportunidades perdidas e não retoma a sua função legiferante, da qual, num triste exercício de servidão voluntária, abdicou desde a promulgação da Carta de 1988.

Ao longo da última década, multiplicaram-se estudos acadêmicos de cientistas políticos os mais eminentes que comprovam essa abdicação em números. No qüinqüênio 90/95, cerca de 95% das proposições legislativas transformadas em lei tiveram sua origem no Poder Executivo e, no passado, 83% dos projetos votados pela Câmara foram propostos pelo Palácio do Planalto.

Como se fosse pouco o sufocamento do debate parlamentar pelo expediente da “urgência constitucional”, que bloqueia a pauta em privilégio das prioridades do Executivo, há o que costumo chamar de ditadura constitucional das medidas provisórias.

            Nesse sentido, Sr. Presidente, deveríamos atentar para a dolorosa verdade contida no discurso de despedida à Câmara de meu conterrâneo Almino Affonso, proferido nos últimos dias da legislatura passada.

            Com o costumeiro brilho, ele analisou o impasse das medidas provisórias, associando-as à crise geral de identidade vivida pelo Poder Legislativo em nosso País e dedicando-lhe as seguintes palavras:

Extremamente grave, porém, é a castração do Parlamento, a partir da instituição das medidas provisórias. A Comissão Mista, integrada por Senadores e Deputados, tem a prerrogativa de recusar de plano a medida provisória que não atenda aos requisitos de relevância e urgência. Rejeitada a sua admissibilidade, a proposição será arquivada, ‘baixando o Presidente do Congresso Nacional ato declarando insubsistente a medida provisória, feita a devida comunicação ao Presidente da República’.

Jamais, em tempo algum, Sr. Presidente, medida provisória alguma foi rejeitada de plano por inadmissível. V. Exª, até o final de seu mandato de dois anos, não terá oportunidade, seguramente, de exercer essa prerrogativa do cargo; ou seja, rejeitar uma medida provisória e comunicar ao Presidente da República que a estava rejeitando porque ela não preenchia os requisitos de urgência e relevância. Jamais o Congresso Nacional fez isso. É vexaminoso para nós.

            Em prosseguimento à sua análise, reconheceu Almino Affonso que, nesse passo,

...as medidas provisórias se vão convertendo em leis de fato. E (...), quando o Congresso Nacional assumir a tarefa de votá-las, tantos serão os efeitos de sua vigência, que já não sobrará alternativa senão aprová-las.

            O Presidente da República [concluiu Almino], por esse procedimento tortuoso, esbulha o Congresso Nacional em sua principal função e transforma-se, cada vez mais, no ‘legislador unipessoal’, enquanto a ‘função legislativa’ converte-se em mero ‘ato homologatório’.”

Srªs e Srs. Senadores, não é apenas no cumprimento de nossas atribuições legislativas que nós, Congressistas, temos faltado ao nosso compromisso com a Nação, pois vimos falhando, também, na função de fiscais do Executivo, exibindo um deplorável comportamento que oscila entre a tibieza e o servilismo, na relutância em criarmos e instaurarmos CPIs para apurar muitas denúncias. E fracassamos, por último - mas não em último! -, no desempenho de nosso papel “tribunício” que consiste em repercutir e debater as grandes questões que angustiam a consciência nacional na atualidade. Permito-me voltar à oração de despedida de Almino Affonso, para nela colher a triste constatação de que “a tribuna emudeceu”.

Onde estão os grandes oradores do Congresso Nacional que, à falta de televisão, atraíam multidões às tribunas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal? Onde estão Carlos Lacerda, Vieira de Melo, Afonso Arinos, Aliomar Baleeiro e muitos outros? Simplesmente as grandes questões nacionais não são objeto de interesse de quase ninguém neste Congresso, Sr. Presidente.

Agora, porém, não nos resta sequer o “conforto” propiciado pelo álibi da ditadura militar, não apenas atrabiliária e homicida, mas também “logocida”. Tampouco podemos culpar os institutos autoritários do decreto-lei e do decurso de prazo. Aliás, esses sintomas da nossa patologia política são gêmeos entre si: pouco ou nada temos a dizer ao povo brasileiro, porque renunciamos à prerrogativa de formular nossa própria agenda legislativa, em favor de prioridades e conveniências externas que mais alto se alevantam.

Diante desse quadro melancólico e acicatado por uma sucessão de escândalos envolvendo autoridades do primeiro plano do Congresso e do Executivo, parcelas consideráveis da opinião pública manifestam desapreço crescente à figura inocuamente teratológica do Parlamento que não fala, do Legislativo que não legisla, do fiscal que não fiscaliza. Em suas versões mais cruamente exaltadas, algumas dessas manifestações questionam a utilidade, o próprio direito à existência dessa instituição.

Será possível que nem isso nos desperte desse maldito torpor? Será que nem mesmo a consciência dos altos compromissos históricos embutidos em seu nome de família refresque a memória do jovem Deputado Aécio Neves quanto a uma de suas principais promessas de campanha à Presidência da Câmara, qual seja, a definitiva regulamentação do uso e a inapelável proibição do abuso das medidas provisórias? Será que ainda temos capacidade de reagir, assumindo a responsabilidade de honrar a tradição de combatividade e decisão legada por um Rui Barbosa, um Carlos Lacerda, um Vieira de Melo, um Pedro Aleixo, um Marcos Freire, um Franco Montoro e, claro, um Almino Affonso, entre tantos nomes que engrandeceram o Congresso Nacional?

Ou pior, já não estaremos chegando atrasados ao nosso encontro marcado com o País destas e das próximas gerações, restando-nos calçar as chinelas do conformismo e resignar-nos à irrelevante posição de espectadores passivos do drama nacional?

A resposta depende unicamente de nós Congressistas, Sr. Presidente.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2001 - Página 13000