Discurso durante a 72ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

INDIGNAÇÃO PELA FALTA DE PREVISÃO DE RECURSOS DESTINADOS A CONSTRUÇÃO DE NOVAS MORADIAS POPULARES, CONFORME O TEXTO DA LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTARIAS PARA 2002, QUE SERA VOTADO NO PROXIMO DIA 27, EM SESSÃO CONJUNTA DO CONGRESSO NACIONAL. (COMO LIDER)

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • INDIGNAÇÃO PELA FALTA DE PREVISÃO DE RECURSOS DESTINADOS A CONSTRUÇÃO DE NOVAS MORADIAS POPULARES, CONFORME O TEXTO DA LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTARIAS PARA 2002, QUE SERA VOTADO NO PROXIMO DIA 27, EM SESSÃO CONJUNTA DO CONGRESSO NACIONAL. (COMO LIDER)
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/2001 - Página 13143
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, FALTA, HABITAÇÃO, POPULAÇÃO, ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, NEGLIGENCIA, GOVERNO FEDERAL.
  • REGISTRO, GOVERNO FEDERAL, DESRESPEITO, DIREITOS SOCIAIS, MOTIVO, AUSENCIA, ATENDIMENTO, CARENCIA, POPULAÇÃO, ANALISE, CRITICA, PROJETO DE LEI ORÇAMENTARIA, INSUFICIENCIA, RECURSOS, DESTINAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, CONSTRUÇÃO, HABITAÇÃO.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, agradeço a atenção de V. Exª e gostaria de me justificar, perante este Plenário, pelo fato de estar falando neste momento pelo meu Partido, o PMDB.

O Presidente da Casa convocou, para o dia 27, no plenário da Câmara dos Deputados, a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Sr. Presidente, as distorções sobre a matéria são tão grandes, especialmente em relação ao Direito Constitucional da moradia, que pedi para falar neste momento pelo meu partido. Eu me havia inscrito para falar em primeiro lugar, mas, com deferência especial ao grande Senador José Coêlho, cedi-lhe a palavra e recorri ao meu partido.

Sr. Presidente, retorno à tribuna desta Casa para denunciar aos integrantes desta Casa e à sociedade brasileira um fato lamentável, que, de tão repetido, parece não mais sensibilizar as consciências das nossas elites e dos nossos planejadores, que vêem com indiferença o que outros povos abominam.

Neste exato momento, Srªs e Srs. Senadores, em que toda a sociedade brasileira bem nascida clama por luz, cerca de 27 milhões de pessoas clamam também por um teto, eis que vivem em uma situação subumana de desabrigo. O número desses desamparados e esquecidos, que representa, vergonhosamente, a expressiva soma de 16% da população brasileira, não pode mais ser objeto da desatenção do Governo e da sociedade.

Segundo estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, o déficit habitacional em nosso País é estimado em cerca de 5,2 milhões de residências.

A estatística oficial é otimista quando comparada com estudos baseados em condições mínimas de qualidade de vida aceitáveis por organizações internacionais. Segundo o entendimento dessas instituições, a questão habitacional diz respeito à qualidade de vida mínima aceitável e não se concentra apenas na construção direta de casas populares. Muitas outras ações governamentais contribuem para a consecução desse objetivo, destacando a melhoria da infra-estrutura urbana com a implantação de sistemas de abastecimento de água, saneamento básico, transporte, etc. Com base nesse conceito mais amplo, pode-se estimar que, além do déficit habitacional de 5,2 milhões de residências, haveria um déficit de moradia em condições dignas da ordem de 2 milhões de residências.

Na posse do atual Secretário de Estado de Desenvolvimento Urbano, o meu conterrâneo Ovídio de Angelis, o próprio Presidente da República esposou esse entendimento, quando afirmou que “a questão urbana não é fazer casas. Fosse isso, já seria muito complicado. Mas é muito mais do que isso: é poluição, é transporte, é transformar em ‘vivível’ o que hoje é dificilmente habitável”. O discurso presidencial vê, assim, a questão habitacional como um problema com dimensão muito além da simples moradia.

Há muito tenho lutado pelos direitos fundamentais da população desabrigada deste País. Em junho de 1996, o Brasil participou da Conferência Habitat II, convocada pela Organização das Nações Unidas, na qual teve a importante função de relator da Agenda do Habitat.

Naquele mesmo mês, visando a não só mitigar o déficit habitacional brasileiro, mas também a chamar a responsabilidade dessa missão para o Estado, apresentei proposta de Emenda Constitucional para incluir o direito à moradia entre os direitos sociais constantes do art. 6º da Lei Maior. Após amplos debates, foi promulgada, em 15 de fevereiro de 2000, a Emenda Constitucional nº 26, que alterou redação do art. 6º da Constituição, incluindo o direito à moradia entre os direitos sociais. Essa, nobres Colegas, não foi apenas uma vitória do Congresso; foi, sobretudo, uma vitória do povo brasileiro que, a partir de então, passou a contar com amparo constitucional para solucionar as carências habitacionais de nossos desabrigados.

Mais recentemente, como fruto de nossa ação e do apoio dos Senadores Iris Rezende e Maguito Vilela, que teve guarida junto ao Ministro Ovídio de Angelis, o Presidente da República determinou à Caixa Econômica Federal que perdoasse o saldo devedor de cento e vinte e oito mil mutuários do Programa de Ação Integrada de Habitação (PAIH), cobrando-lhes, apenas, 12% do valor de avaliação do imóvel - no meu Estado, conseguimos esse benefício para dez mil famílias. Com isso, será possível conceder-lhes a escritura definitiva, atendendo os desejos de casa própria desses mutuários, cujas rendas vão de apenas um a três salários mínimos.

Porém, embora tenhamos vencido essas etapas, quando chega a época de análise das leis orçamentárias, que é quando se tem a oportunidade de aportar maior quantidade de recursos para atendimento dessas carências, vemos que o Governo não tem manifestado o mesmo entusiasmo.

Desse modo, igualmente como ocorreu quando da apreciação do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2001, para minha surpresa, e mais, para minha decepção, Srªs e Srs. Senadores, vejo se repetir, no exame do PLDO para 2002, o descaso com que é tratado o atendimento do direito à moradia e ao que foi determinado na Constituição.

Naquela oportunidade, diante de toda aquela carência, o Projeto de LDO para 2001 mandado pelo Governo previa apenas a construção de apenas doze mil e setecentas e oito unidades habitacionais. Apenas para se ter uma idéia, alertei que, nesse ritmo, considerando que 94% da demanda por residências ocorrem nas classes sociais mais baixas, não atendidas, historicamente, pelo SFH, seriam necessários não apenas onze anos, mas quatrocentos anos para a erradicação do déficit habitacional brasileiro, isso sem se levar em conta o aumento populacional. Mas o pior estava por vir.

Na elaboração do Projeto de Lei do Orçamento para 2001, entretanto, o Governo reduziu aquela previsão da PLDO/2001 para irrisórias mil e cento e cinqüenta e quatro unidades habitacionais! Isso mesmo! Reduziu de doze mil e setecentas e oito para mil e cento e cinqüenta e quatro unidades!

Mas o quadro de deterioração não ficou nisso! Na PLDO para 2002 não está prevista a construção de nenhuma unidade habitacional para as famílias carentes!

Em que pese o fato de o Governo estar prevendo, dentro do Programa Morar Melhor, voltado para pequenos Municípios, implantar saneamento básico, melhorar as condições de habitabilidade e outras ações, o número de famílias a serem beneficiadas foi pouco superior a cento e dez mil, no caso de saneamento, e de apenas dezesseis mil e quatrocentos e cinco, no caso de melhoria das condições de habitabilidade. O Senador Saturnino conhece a realidade das favelas do Rio de Janeiro. O substitutivo da Relatora, atendendo parcialmente às nossas emendas, está elevando esses números para duzentas mil e trinta mil famílias, respectivamente. Esses números, se não são os ideais, pelo menos melhoram substancialmente o alcance da PLDO.

De qualquer modo, além da insuficiência desses recursos, o substitutivo continua não destinando um só tostão para a construção de moradias populares!

Relatórios de execução dos orçamentos anuais dão a falsa impressão de que há uma abundância de recursos para habitação de baixa renda. Tais relatórios indicam que, na média dos últimos seis anos, até 1999, R$1.603 milhões são destinados, anualmente, à habitação, correspondendo apenas 0,4% dos recursos orçamentários.

Contudo, devemos ter cautela na análise desses dados, para evitarmos conclusões errôneas acerca do volume de recursos efetivamente gastos para a oferta de residências à população carente.

Pasmem, Srªs e Srs. Senadores, mas, na verdade, o volume destinado à população carente é bem menor, próximo a ínfimos 0,09% do total orçado anualmente. Isso ocorre porque na rubrica há valores que pouco ou nada contribuem para o aumento da oferta de residências a essa população. Incluídas entre os gastos com habitação, estão ações destinadas à construção, reparo e conservação de unidades habitacionais de órgãos públicos, bem como ao Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS), cujo objetivo é, basicamente, a cobertura do resíduo resultante de contratos firmados com o Sistema Financeiro de Habitação - SFH. Obviamente, esse tipo de despesa em nada contribui para a redução do déficit habitacional, extremamente concentrado nas classes mais baixas.

Dessa forma, apenas cerca de 20% dos recursos da habitação são realmente destinados à população carente, por meio de ações que visam à construção de casas populares, saneamento básico e melhoria das condições de vida.

Além da insuficiência de recursos, regra geral, o que temos visto é que o Orçamento aloca recursos num montante para atender a uma programação, mas a execução dessa programação fica muito aquém do autorizado. Para exemplificar, uma pesquisa superficial no Orçamento de 1999 leva à conclusão de que R$1.062 milhões foram destinados à habitação. No entanto, desse montante, apenas cerca de R$183,5 milhões, ou seja, somente cerca de 17,3%, Srªs e Srs. Senadores, destinaram-se à oferta de moradias às populações carentes. E, o que é pior, a execução da previsão foi ainda mais baixa, tendo ficado em R$117,3 milhões (64%), assim mesmo distribuídos entre ações destinadas à construção de moradias populares, saneamento básico e melhoria das condições de vida.

O Sr. Roberto Saturnino (PSB - RJ) - Permite-me V. Exª um breve aparte, Senador Mauro Miranda?

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Se for possível.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Valadares) - Advirto o nobre Senador que não existe possibilidade de aparte, uma vez que S. Exª está falando como Líder. Seria um prazer ouvir V. Exª, sem dúvida.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Lamento muito, Sr. Presidente, e peço a paciência da Mesa para externar a minha indignação com esse problema da LDO. Já que vamos votá-la na próxima quarta-feira, gostaria que os eminentes Senadores pudessem me ajudar a reverter esse processo, essa mancha que está na LDO deste ano.

Houve uma queda percentual nas dotações aprovadas na lei orçamentária e créditos adicionais destinados à habitação de 34,3%, em 1998, e de 31,1% em 1999, passando de R$2.344 milhões em 1997 para R$1.062 milhões em 1999, o que evidencia a tendência de decréscimo nas aplicações em habitação.

Ademais, a simples análise do montante de recursos destinados diretamente à redução do déficit habitacional, excluindo-se despesas que não aumentem a oferta de residências à população, mostra uma forte redução nos dois últimos exercícios financeiros, totalizando, entre 1997 e 1999, 45,2% de queda.

Quando se analisa a execução orçamentária é que fica mais desesperadora a situação. O “Programa Morar Melhor”, por exemplo, que recebeu uma dotação orçamentária de R$713 milhões, viu uma execução de apenas R$383,1 milhões. Dentro dele, a ação “construção de unidades habitacionais em parceria com instituições financeiras públicas”, que havia recebido uma dotação de 76,1 milhões teve a ridícula execução de somente R$ 500 mil, ou seja, menos de 1% do que havia sido previsto. Na lei de orçamento para 2001 esse programa recebeu uma dotação orçamentária de R$ 613,5 milhões, porém, até agora, nada foi executado! Para as referidas construções de unidades habitacionais as dotações foram reduzidas a míseros R$ 5 milhões e, nem assim, nada se executou!

Considerando todos os recursos destinados aos programas de melhoria das condições de habitação e construções de unidades, na LDO para o ano 2001 foram aprovados R$ 1.375 milhões, o que corresponde a uma redução de 24% do total de recursos destinados em 2000. O montante de recursos orçados regressou a patamares de 1995.

Cabe ao Congresso Nacional corrigir essa vergonhosa e declinante trajetória. No momento em que a sociedade se volta para as ações governamentais visando a redução do déficit habitacional, em obediência ao dispositivo constitucional que inclui a moradia entre os direitos sociais, não é mais aceitável que se trabalhe com volume de recursos iguais ou inferiores aos utilizados há quase cinco anos.

Os recursos destinados à habitação nesse País, Srs. Parlamentares, destinam-se, basicamente, à cobertura de uma dívida (FCVS) que beneficiou, exclusivamente, as classes mais favorecidas. O Secretário de Estado de Desenvolvimento Urbano, Ministro Ovídio de Angelis, muito bem apontou, em seu discurso de posse, que “o Sistema Financeiro da Habitação ... foi ineficiente no atendimento da população de baixa renda, a quem teve e continua tendo o propósito de proteger”. Recentemente, o Ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias, também se manifestou favorável a criação de condições para o aumento da produtividade da construção civil, de forma a capacitá-la para oferecer “casa popular acessível a parcelas maiores da população”. Para tanto, estaria encaminhando ao Presidente da República a proposta de criação do Ministério da Habitação, de modo a possibilitar uma melhor coordenação da ação governamental nessa área.

            De fato, das 5,2 milhões de novas habitações necessárias, 94% são para famílias com renda até cinco salários mínimos, sendo que cerca de 4,2 milhões são demandas urbanas e 1 milhão para a área rural. Percebe-se que o problema se projeta fundamentalmente sobre a população pobre das cidades, favorecendo, junto com os fatores, o aumento da criminalidade e da violência nas cidades brasileiras.

            Então, se o Presidente da República é favorável a uma política de ampliação da oferta de moradias condignas à camada mais carente da sociedade brasileira, se o Secretário de Estado e Desenvolvimento Urbano também esposa esse propósito, se o Ministro do Desenvolvimento igualmente entende que a visão governamental deve se renovar para melhor atender essas demandas, porque razão os recursos destinados à habitação popular são tão ínfimos, para não dizer inexistentes?

Acredito que a resposta isto deve ser buscada em duas direções. Numa, conclamo o Ministro do Planejamento e Orçamento, Sr. Martus Tavares, que é um dos responsáveis pela elaboração das leis orçamentárias, e a relatora do substitutivo do PLDO/2002, Deputada Lúcia Vânia, a reverem sua posição e atuarem para que no Projeto de Lei do Orçamento para 2002 a construção de unidades habitacionais para a população carente não fique mais uma vez esquecida.

Noutra, entendo que a responsabilidade é do próprio Congresso Nacional. O Congresso precisa assumir efetivamente o seu papel de co-participante na elaboração da lei orçamentária, rediscutindo amplamente as prioridades de investimento, de modo a voltar a sua atenção para a melhoria das condições de habitabilidade da população carente.

Se isto não ocorrer, seremos, perante a história e a sociedade dos brasileiros esquecidos, considerados cúmplices pela responsabilidade no agravamento das condições humilhantes que tem sido imposta de forma cruel aos seus desafortunados integrantes.

Assim, neste momento, conclamo meus colegas Senadores, e também aos demais parlamentares, para que unamos esforços e determinação no sentido de conferir ao processo orçamentário a qualidade de instrumento verdadeiro de redução das desigualdades sociais deste País, começando pela observância irredutível de tornar realidade o direito a moradia inserido na Constituição Federal.

Sr. Presidente, ao encerrar, faço um apelo aos meus nobres Pares para que nós não aceitemos, em hipótese nenhuma, o que consta na Lei de Diretrizes Orçamentárias, ou seja, a não destinação de um centavo sequer para a construção de novas moradias no País. Trata-se de um enorme desrespeito à Constituição! E muito mais do que isso, é um desrespeito para com as pessoas humildes e pobres que necessitam de um teto.

Portanto, ao fazer esse apelo, o faço de coração a esta Casa, pois precisamos reverter o que está escrito na LDO. Infelizmente, a relatora do processo da LDO não mudou uma vírgula sequer, deixou exatamente como nos enviou o Poder Executivo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/2001 - Página 13143