Discurso durante a 72ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ESCLARECIMENTOS ACERCA DO PROJETO DE LEI DE SUA AUTORIA, QUE MODIFICA O ARTIGO 20 DA LEI 9.433, QUE INSTITUI A POLITICA NACIONAL DE RECURSOS HIDRICOS, PARA ACRESCENTAR SITUAÇÕES EM QUE, MANTIDA A OUTORGA, SERIA DISPENSADA A COBRANÇA PELO USO DA AGUA.

Autor
Juvêncio da Fonseca (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Juvêncio Cesar da Fonseca
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • ESCLARECIMENTOS ACERCA DO PROJETO DE LEI DE SUA AUTORIA, QUE MODIFICA O ARTIGO 20 DA LEI 9.433, QUE INSTITUI A POLITICA NACIONAL DE RECURSOS HIDRICOS, PARA ACRESCENTAR SITUAÇÕES EM QUE, MANTIDA A OUTORGA, SERIA DISPENSADA A COBRANÇA PELO USO DA AGUA.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Lúdio Coelho.
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/2001 - Página 13149
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, AGUA, MEIO AMBIENTE.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, DEFESA, MANUTENÇÃO, CONCESSÃO, ESPECIFICAÇÃO, HIPOTESE, SUSPENSÃO, COBRANÇA, UTILIZAÇÃO, AGUA.

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os Parlamentares do Congresso Nacional têm sempre muita precaução, quando tomam a iniciativa de algum projeto para modificar ou trazer nova redação a algum artigo da legislação ambiental do País.

A legislação ambiental que temos hoje é avançada em vários setores. Trata-se de uma legislação amadurecida, que cresceu pela pesquisa dos Parlamentares e do Poder Executivo, como também pelas decisões judiciais. Mas, antes de tudo, esse bom nível da legislação foi alcançado pela conscientização ambientalista do País.

Embora tenhamos feito algumas críticas a respeito da legislação dos crimes ambientais - esta, sim, tem alguns defeitos sanáveis e necessita de urgentes reparações -, quando falamos de modificação ou intervenção na lei que instituiu a política nacional de recursos hídricos no Brasil, ou seja, a Lei nº 9.433/97, devemos ter muita precaução, pois é um texto de lei dos mais primorosos do País. A Lei nº 9.433 tem perfeição tecnicista, traz uma sistematização importante para a gestão dos recursos hídricos do País.

Não há nenhuma pretensão de que um projeto meu, do qual falarei em instantes, venha corrigir, simplesmente, a Lei nº 9.433. Ele vem, sim, aperfeiçoá-la. O Código de Águas trata muito mais da questão do direito das águas; em contrapartida, a Lei nº 9.433, que instituiu a política nacional dos recursos hídricos, traz-nos uma primorosa sistematização da gestão das águas.

Sabe-se, mundialmente, que a questão das águas é extremamente delicada, porque, de todas as águas do planeta, 3% são águas doces; 2%, águas polares ou glaciais; e apenas 0,8%, mais ou menos, águas doces aproveitáveis pela humanidade. Sabe-se também que, de toda a água consumida no planeta, 70% são para a agricultura; 23%, para a indústria; e apenas 7%, aproximadamente, para o consumo humano.

Esses dados são importantes, porque inserem no contexto universal o consumo das águas e permitem que se analise bem qualquer projeto que chegue a nossa mesa.

A Lei nº 9.433, de suma importância, fruto da Eco 92 e da Agenda 21 - que fizeram com que todos os países despertassem para a necessidade de preservação da quantidade e da qualidade das águas -, tem institutos de grandeza para a preservação das águas.

No entanto, tive a ousadia de oferecer um projeto que modifica, um pouco, o seu art. 20, que diz o seguinte: “Serão cobrados os usos de recursos hídricos sujeitos à outorga, nos termos do art. 12 desta lei”. Eu acrescento: “salvo quando para as seguintes finalidades”. Observem que a minha proposta não pretende extinguir a outorga, que continua a ser importante. Ela é a licença, ela é a garganta da gestão administrativa dos recursos hídricos. É instituto fundamental para toda e qualquer administração pública nesse sentido.

É aí que está havendo um pouco de controvérsia com referência ao meu projeto. Fica, portanto, reafirmado que o projeto não dispensa a outorga.

Diz, sim, que:

Art. 20. Serão cobrados os usos de recursos hídricos sujeitos a outorga, nos termos do art. 12 desta lei, salvo quando para as seguintes finalidades:

I - dessedentação de animais;

................................................................................................................

            E eu gostaria de justificar por quê: para que os animais matem a sua sede.

Diz a Lei nº 9.433, no seu art. 12:

Estão sujeitos à outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes usos de recursos hídricos:

I - derivação ou captação de parcela de água existente em um corpo de água para consumo final;

II - extração, também para consumo final.

            Derivação, captação e extração. Quando os animais vão ao rio matar a sua sede não é por extração que a água chega a eles, nem por derivação e nem por captação. Portanto, a boiada de Lúdio Coelho, por exemplo, em Mato Grosso do Sul, quando sai do pasto e vai ao rio matar a sua sede, atravessa as matas ciliares, degrada o terreno, possibilita e cria condições físicas para a sedimentação dos rios, causando o assoreamento que nós conhecemos. Um dos grandes exemplos é o rio Taquari, em Mato Grosso do Sul.

O fazendeiro, vendo o que está acontecendo - os bois indo ao rio e provocando o desequilíbrio ambiental -, toma uma providência, após fazer a reflexão: “Essa situação não pode continuar. Eu preciso fazer que minha atividade produtiva seja sustentável, ou seja, não deprede o meio ambiente; que a minha produção esteja em consonância com a Política Nacional do Meio Ambiente”.

Mas se ele faz a captação da água no rio, sem mexer com a mata ciliar, e leva essas águas por um espigão e, lá em cima, na sua fazenda, deriva essas águas para os piquetes, para aguadas fora do leito do rio, se ele faz isso, continua a outorga mas ele é obrigado a pagar a água.

Então, quando o proprietário, quando o produtor moderniza a sua propriedade e procura estar em consonância com o meio ambiente, ele é apenado pela própria lei, que diz que agora ele vai ter de contribuir com algum valor.

E isso ocorre porque nós entendemos, pela Lei n° 9.433, que a água tem valor econômico. Inclusive a cobrança pelo uso da água é educativa, pois faz que a população não desperdice mais a água.

Observe, Senador Bernardo Cabral, V. Exª que é um especialista no direito das águas, como há uma contradição na própria lei. A Lei n° 9.433 diz que a gestão das águas tem de estar em consonância com a Política Nacional do Meio Ambiente. A lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente diz que toda e qualquer ação produtiva tem de estar em consonância também com o meio ambiente.

Então, quando o produtor rural se adequa à legislação, ele é apenado. E se ele é isento, apesar de ter outorga, para fazer suas aguadas fora do rio, a legislação o está incentivando a preservar as matas ciliares e os rios. O que não significa que ele esteja livre para usar como bem entender as águas da sua fazenda. De forma nenhuma! Continua o princípio da outorga, continua o princípio de que a água tem valor econômico, continua o princípio de que a água é de uso múltiplo, de todos os usuários, enfim, todos os princípios estão assegurados. Apenas o produtor deve ser estimulado, motivado para a modernização da sua propriedade, em benefício do meio ambiente.

O segundo ponto que também coloco como ressalva é que, havendo outorga, haja isenção do uso da água.

É justamente o caso da piscicultura em geral, são os casos de uso por derivação ou captação, em que os recursos hídricos são lançados de volta ao corpo de água originário logo após a sua utilização.

O que está acontecendo hoje no País? A pescaria está desenfreada, a depredação dos rios, inclusive dos peixes, é impressionante. Já não se pesca mais como antigamente - até é bom que não se pesque para levar para casa, que haja o "Pesque e Solte", mas até nesse caso está difícil. Por que? Porque os peixes estão desaparecendo dos nossos rios.

Se você tira o peixe do rio e o coloca nos tanques, fora do leito do rio, com a piscicultura, que está crescendo neste País, crescendo de maneira impressionante, você alivia o leito do rio, traz a produção dos peixes para os tanques, você está em consonância com o meio ambiente e com a legislação que estou propondo. Você está estimulando a piscicultura a crescer cada vez mais, porque é uma vocação nossa, não apenas do Centro-Oeste, mas do Norte, do Nordeste, do Sul, de todo o País. E a piscicultura está crescendo. Ela é inclusive um fator, hoje, de produção, que traz para o País novas formas de desenvolvimento.

O terceiro item é muito discutido. Até me disseram que, pelo fato de ser do Pantanal, eu estaria incluindo o terceiro item como "boi de piranha" - colocando um boi para as piranhas comerem enquanto passa a boiada. Mas, na verdade, eu o incluo com convicção. O terceiro item é sobre a pequena irrigação de área não superior a dois módulos de parcelamento por propriedade. Dois módulos por área!

Sabemos que em Dourados, que possui terras mais produtivas, o módulo de parcelamento é de 20 hectares. Então, por propriedade, são 40 hectares de irrigação com outorga, mas com isenção. O objetivo do terceiro item é promover a agricultura familiar, aquela de pequeno porte, a pequena agricultura, que pode perfeitamente, como está acontecendo hoje, dar uma sustentação muito grande à produção de alimentos neste País.

O Sr. Lúdio Coelho (Bloco/PSDB - MS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS) - Concedo um aparte ao nobre Senador Lúcio Coelho, do meu querido Mato Grosso do Sul.

O Sr. Lúdio Coelho (Bloco/PSDB - MS) - Senador Juvêncio, V. Exª está tratando de um assunto que é motivo das maiores preocupações para a população brasileira, principalmente para a população da área rural. Quase todo dia e toda hora somos questionados sobre a lei das águas. Esses pontos todos que V. Exª abordou têm enorme fundamento. Se você pensar, por exemplo, nessas pessoas que têm uma pequena horta lá no Pantanal - aquilo alaga completamente, e, decerto, quando há sobra de água, ela barateia, porque ali se entra na água todo dia. E no Nordeste, onde não há água para os nossos irmãos, a Nação deveria decerto pagar para eles terem água para beber. Penso que este assunto deverá ser, como V. Exª está fazendo, estudado muito cuidadosamente, e na prática. Parece que o prejuízo maior que a água sofre é proveniente da contaminação dos rios. Temos enorme quantidade de rios cujas águas não servem mais, porque estão sendo poluídas, principalmente pelas indústrias, pelas fábricas, pelas cidades. Meses atrás, pensei em apresentar um projeto de lei criando estímulo para que os proprietários rurais fizessem represas de qualquer tamanho. Se conseguíssemos armazenar água pelo País afora, em todas as cabeceiras, em todas as depressões, se a livre empresa fizesse represas pequenas e grandes, haveríamos de armazenar um enorme quantidade de água para o País, o que seria muito bom. Anos atrás fui ao México examinar o sistema de irrigação daquele país, pois lá existe uma grande quantidade de rios que não chegam ao mar - são represados, são aproveitados, porque, teoricamente, a água que vai para o mar não serve para mais nada. Além disso, V. Exª abordou um tema que me chamou a atenção: a pescaria, uma especialidade de V. Exª. Deixei de pescar para não faltar com a verdade, companheiro Juvêncio, porque os pescadores são conhecidos por não falarem a verdade. Portanto, preferi parar de pescar a faltar com a verdade. Felicito-o pelo pronunciamento, tão oportuno e de tão alto interesse público.

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS) - Senador Lúdio Coelho, V. Exª é um preservacionista por natureza, porque todo aquele que é proprietário no Pantanal é um preservacionista pela própria natureza. E o Pantanal pode servir de exemplo para o mundo inteiro ao mostrar como o homem pode preservar a natureza criando gado.

            Fica, portanto, a homenagem a V. Exª, que tem esse espírito preservacionista.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS) - Concedo o aparte ao ilustre Senador Bernardo Cabral, conhecido como o “Senador das Águas”.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - Senador Juvêncio da Fonseca, V. Exª aborda um aspecto que, ao longo destes anos, deveria ter sido objeto de preocupação por parte de analistas. Veja V. Exª que também eu sempre me preocupei com isso, tendo inclusive publicado um livro, há quatro ou cinco anos, chamado Direito Administrativo - Tema Água, de quase 700 páginas, chamando a atenção para o problema da água, alertando para a falta da cultura da água em nosso País, visto que ela sempre foi considerada um bem infinito, que nunca se acabaria. Anos depois, o Senador Antonio Carlos Valadares, que preside esta sessão, também ocupou essa tribuna e fez remissão ao meu trabalho e ao que ele listava como problemas com os nossos hídricos. Fui Relator da Lei nº 9.433 no Senado, e, depois, também da proposta de criação da Agência Nacional de Águas. E, naquela altura, faltou a contribuição de V. Exª, não pelo enfoque de não se cobrar a água, mas pelo lado social, inclusive nos hectares anunciados por V. Exª e, também, pela dessedentação dos animais. E veja como as coisas vão caminhando à medida que se vai tocando para a frente, ou seja, quando a especialidade da matéria vai surgindo. Assim, se além de ser homem do Pantanal, não fosse V. Exª um advogado militante, não poderia trazer essa contribuição, nitidamente, queira ou não, uma colaboração jurídica. Sei que todos iremos nos debruçar sobre o projeto de V. Exª, até porque nele há um mérito, o de reconhecer a falta de racionalização - e aqui não confundir com racionamento - do uso das águas. E é bom que haja essa previsão agora, para que mais adiante não comecemos a tropeçar nas dificuldades que a escassez de água trará também para o nosso País, como já acontece no Extremo Oriente, na Europa Meridional e aqui no Nordeste. Só interrompi V. Exª, Senador Juvêncio da Fonseca, porque também quero contribuir com o conjunto analítico do projeto e dos estudos que V. Exª está fazendo, até porque por um ângulo que ainda não foi abordado. Não seria possível, é claro, já que o nosso Código de Águas é de 1934, que 50, 60 ou 70 anos depois, quando começamos a atualizar os problemas dos recursos hídricos, que se desse conta de tudo. Penso, portanto, que V. Exª merece a atenção devida na matéria. Quaisquer que sejam os especialistas, eles não podem pensar que são os donos da verdade. Assim, quando V. Exª der prosseguimento à sua análise, gostaria de dar a minha contribuição. E gostaria de dizer que quando V. Exª pensa no problema piscoso junto com a água, isso é oportuno, e é oportuno até para desmascarar o pobre do pescador que é chamado de mentiroso.

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS) - Obrigado, Senador Bernardo Cabral, pois V. Exª contribui não só com a cultura que tem, mas também com esse chiste jocoso, que é muito importante no nosso relacionamento e também no relacionamento com o Senador Lúdio Coelho, que deixou de ser pescador por causa disso, já que é um homem correto, sério, cujo caráter Mato Grosso do Sul conhece muito bem.

Termino as minhas palavras dizendo que essa é uma contribuição que leva em consideração - vou repetir - que o projeto não tira da lei a outorga, que leva em consideração o meio ambiente, a questão social, e que põe também em foco que do total da água consumida no planeta apenas 7% é de consumo humano, e dentro desses 7% certamente estará inserido o consumo dos animais, já que 23% é de consumo da indústria e 70% da agricultura. Então, a dessedentação de animais é de pequeno porte, e a própria lei diz que quando o consumo for insignificante, deverá ser isentado.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/2001 - Página 13149