Discurso durante a 72ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

TRANSCRIÇÃO DE PRONUNCIAMENTO DO DEPUTADO PEDRO VALADARES (PSB/SE), SOBRE AS PRIVATIZAÇÕES OCORRIDAS NO BRASIL.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • TRANSCRIÇÃO DE PRONUNCIAMENTO DO DEPUTADO PEDRO VALADARES (PSB/SE), SOBRE AS PRIVATIZAÇÕES OCORRIDAS NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/2001 - Página 13195
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, PRONUNCIAMENTO, PEDRO VALADARES, DEPUTADO FEDERAL, ANALISE, EFEITO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA DE ENERGIA ELETRICA, EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES, BANCO DE INVESTIMENTO, REDUÇÃO, QUALIDADE, QUANTIDADE, SERVIÇO, FALTA, LUCRO, ESTADO.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, requeiro a transcrição, na íntegra, para que conste dos Anais da Casa, do seguinte discurso pronunciado pelo Deputado Pedro Valadares, do Partido Socialista Brasileiro de Sergipe, que faz uma análise oportuna e abrangente sobre as privatizações ocorridas no Brasil.

            PRIVATIZAÇÕES

            Números Gerais:

O PDN - Programa Nacional de Desestatização - foi instituído em 1990, pela Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, época em que o então Presidente Fernando Collor dava os seus primeiros passos rumo a um governo desastroso que conduziria ao impeachment. Criava-se, então, a figura do estado pesado, do estado improdutivo, associado a um elefante, e aliado aos crimes de corrupção. A propaganda pela privatização alardeava que a venda do patrimônio das empresas estatais seria a grande saída para que o Governo deixasse de se onerar para que pudesse direcionar seus gastos para os setores de saúde e educação, contemplados nos programas sociais.

No período 1991-2000, as privatizações geraram recursos da ordem de US$ 102,2 bilhões, sendo US$ 67,5 bilhões oriundos das privatizações federais e US$ 34,7 bilhões das privatizações estaduais. Das privatizações federais, US$ 30,9 bilhões vieram das telecomunicações, e US$ 36,6 bilhões dos setores privatizados pelo PND. Mas esses valores não levam em conta o que foi gasto pelos cofres públicos na grande operação dos leilões.

No período 1991-2000, o BNDES disponibilizou US$ 6,5 bilhões para que os leilões tivesses êxito. Além disso, o Governo arcou com US$ 26,9 bilhões com a permissões para as empresas abaterem o imposto de renda futuro o ágio que pagaram nas privatizações Paradoxalmente, a privatização no Brasil tem dependido do financiamento público.

Além dos argumentos ideológicos, o Governo apresentou duas razões para o programa agressivo de privatizações: alegou que os recursos obtidos seriam necessários para financiar tanto o déficit em conta corrente como o déficit fiscal, ambos conseqüência do mirabolante Plano Real. Só que nada disso aconteceu. Com o aumento das taxas de juros, a dívida pública só aumentou. E, no final das contas, a privatização no Brasil só serviu para diminuir, a curto prazo, a pressão sobre o orçamento do governo.

E não é só isso: a participação do BNDES nos financiamentos pode ser considerada uma substituição do uso das chamadas “moedas podres”, nome dado aos títulos de dívidas públicas que foram usados para pagar grande parte das privatizações federais. Com os papéis valendo menos do que o Real da época, na prática os compradores pagaram menos pelas empresa que o valor de leilão.

Se fizermos as contas, temos que o prejuízo do Banco Central, somado ao ágio das privatização arcado pelo Governo e o prejuízo do PROER somam um prejuízo total de US$ 69,2 bilhões. Se considerarmos que só as privatizações federais geraram uma receita de US$ 56,1 bilhões, temos um saldo negativo de US$ 13,1 bilhões.

            A CPI das PRIVATIZAÇÕES:

Em 1993, a CPI das privatizações, da qual orgulhosamente fiz parte, apresentou seu relatório, já concluído por irregularidades e solicitando ao Ministério Público que tomasse as providências cabíveis. Apontava o Relatório a subavaliação dos patrimônios ofertados para venda, e a inadequação do processo de venda nas seguintes palavras:

“A fixação em uma única modalidade de venda - o leilão - e a despreocupação com a formação de oligopólios e monopólios nos setores de aço, fertilizantes e petroquímicos, foi o coroamento do leque de favores e obséquios no uso e abuso do bem público.”

Quanto à privatização do setor petroquímico, o Relatório denunciava uma venda irregular, com formação de oligopólios e fixação de preços mínimos abaixo do preço de mercado: “A PETROQUISA foi forçada a homologar os preços mínimos estabelecidos pela Comissão Diretora do PND sem ter tido acesso aos estudos elaborados pelos consultores contratados pelo BNDES”. Denuncia ainda a formação de monopólios em diversos segmentos, como borracha sintética (Norquisa), barrilha (Frota Oceânica), resinas ABS e látex sintético (ITAP), polipropileno (Shell e Odebrecht) e polietileno (Odebrecht). Só neste lance, a ODEBRECHT, envolvida em escândalos e mesmo assim, tendo acesso a financiamentos do BNDES, passaria a controlar a NORDESTE QUÍMICA S.A., a COPENE e a SALGEMA.

Infelizmente, o Relatório não foi aprovado, em reunião em que havia poucos parlamentares, como uma forma de “empurrar a sujeira para debaixo do tapete”, e parar as investigações.

Àquela época, o Governo já deveria ter tomado, como procedimento cautelar, a providência de suspender os leilões, até o amadurecimento do assunto. Relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) já havia concluído, à época, que o processo de privatização havia se constituído numa verdadeira “liquidação de empresas públicas em favor de grupos privilegiados”.

Ainda no Relatório:

“Não existe nenhuma justificativa legal para que o BNDES financie a venda em condições altamente subsidiadas, num país que tem carência de recursos para investimentos básicos. Ao cobrar juros de 6,5% ao ano, quando o mercado cobra, em média, o triplo, e o próprio BNDES, para financiamentos destinados à implantação de novos projetos, cobra entre 10% e 12%, o banco está subsidiando ao comprador”.

No setor de fertilizantes, a privatização foi feita depois que o estado já havia aportado recursos e desenvolvido uma indústria bastante rentável.

Na indústria siderúrgica, o Relatório conclui que o preço de venda da CSN - Companhia Siderúrgica Nacional, foi subestimado, pois o preço fixado levou em conta uma produção menor do que a CSN era capaz de operar.

Em suma, a tendência que se firmou nos três setores foi a da concentração, formando o que chamamos de oligopólios. No setor petroquímico, do Grupo Odebrecht; no setor de fertilizantes, do Grupo FERTIFÓS, e no setor siderúrgico, do Grupo Bozano Simonsen.

            Telecomunicações:

No setor de Telecomunicações, a participação estrangeira nas privatizações foi de 60% (a maior dentre os setores privatizados). Apesar do alarde do governo sobre a futura melhoria dos serviços e dos preços, de junho de 1994 até fevereiro de 2000, as tarifas telefônicas tiveram um aumento de 343%, enquanto a inflação do período foi de 88%.

Quanto aos serviços, é notória a diminuição da qualidade para a população. A ANATEL, órgão de fiscalização, não tem se mostrado capaz de lidar com todos os problemas de forma ágil, nem de promover a fiscalização do setor.

Além disso, obtivemos dados do próprio Ministério do Trabalho que nos levam a acreditar que muitos dos empregos das empresas estrangeiras foram concedidos a estrangeiros. Em 1998, ano da privatizações telefônicas, o número de estrangeiros autorizados a trabalhar no Brasil dobrou em relação a 1997. Foram 14.113 autorizações, contra 6.221 em 1997; 4.695 em 1996; e 4.611 em 1995. As projeções só aumentam, e então eu me pergunto: será que essa privatização gerou empregos para os brasileiros? Em 1999, a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional aprovou requerimento de minha autoria para que o Ministro do Trabalho prestasse esclarecimentos sobre o alto número de vistos. Nós estamos em 2001, e a té hoje o Ministro não compareceu.

            Sistema Financeiro:

A privatização dos bancos foi conseqüência da decisão do Banco Central de absorver a parte podre dos bancos privados e estaduais sem consultar o Congresso Nacional, justificando que a ação teve o objetivo de evitar um risco sistêmico no sistema financeiro. Quem pagou a conta foi Tesouro - ou toda a população brasileira. Além disso, os recursos obtidos não foram suficiente nem para financiar o saneamento do sistema financeiro. Na prática, o Governo, com a venda das estatais, salvou os bancos que enfrentaram enormes dificuldades devido ao aumento da taxa de juros promovido pelo Plano Real.

            Energia Elétrica:

O Governo Fernando Henrique já vendeu até agora 23 hidrelétricas. As próximas, segundo o calendário oficial, serão Furnas e Copel. A argumentação básica para a venda era a de que havia carência de recursos do Estado para novos investimentos na área, e que a iniciativa privada, por visar seus lucros, investiria pesado no setor, melhorando inclusiva a qualidade dos serviços.

Do início das privatizações até hoje, o BNDES já liberou US$ 8,3 bilhões em empréstimos ao setor elétrico, dos quais R$ 5,2 bilhões serviram para financiar a participação de grupos nacionais e estrangeiros nos leilões de privatização. O próprio BNDES critica o modelo adotado para privatização do setor elétrico: aponta a falta de sincronização na transição do modelo estatal para o privado, riscos regulatórios que inibiram os investimentos privados e a falta de articulação entre as reformas dos setores elétrico, de petróleo e de gás natural. Além de tudo isso, o Governo acreditava que a transição seria curta e direcionou os recursos estatais para o saneamento financeiros das empresas que seriam privatizadas.

A Companhia Vale do Rio Doce foi exemplo claro da inapetência para lidar com a privatização do patrimônio público. Em 6 de maio de 1997, a Vale foi vendida por US$ 3,338 bilhões. Só nos dois anos seguintes, o faturamento do grupo saldou a compra, o que demonstra a sua alta capacidade de gerar lucros.

No entanto, apesar da privatização, o setor elétrico não recebe não recebe investimentos públicos nem privados desde 1996. E nos últimos 10 anos, o consumo de energia elétrica cresceu 4,1%. O processo de privatização não exigiu que as concessionárias gerassem energia nova, o que aumentou ainda mais a defasagem entre produção e consumo.

Os preços subiram vertiginosamente: de 1994 a 2000, a energia elétrica sofreu um aumento de 152%, ao passo que a inflação do mesmo período foi de 88%. Além disso, houve um dramático aumento do desemprego no setor.

Quanto à qualidade dos serviços, todos nós sabemos que várias indústrias, comércio e residências já vem enfrentado o flagelo dos apagões. Os Procons de todo o país vêm registrando as reclamações de toda a ordem, não só quanto ao serviço, como também aos custos da energia. A ANEEL, empresa de fiscalização, que deveria controlar as atividades dessas empresas privatizadas, tem se mostrado incapaz de resolver os problemas da população. Isso nos leva a refletir sobre a real possibilidade de controle dos serviços das empresas privadas. O último elo do Estado com as empresas, que é simplesmente o de garantir a qualidade dos serviços para a população, parece não existir mais.

No setor de energia elétrica, restou um futuro dramático nos esperando: apagões e racionamento produzindo desemprego e retardando o crescimento econômico. As perspectivas são desalentadoras: por causa dos apagões.

E talvez ainda não tenhamos dado conta da dimensão dos efeitos avassaladores da falta de energia elétrica: pensemos no controle da segurança nas ruas e penitenciárias, nos hospitais e suas UTIs, nos alimentos que prescindem da refrigeração, na produção industrial em queda e no aumento dos preços. Haveria a redução do crescimento do PIB, mais de um milhão de postos deixando de ser criados, déficit na balança comercial, e o Governo perdendo bilhões na arrecadação de impostos.

Há duas semanas atrás, a ANEEL alegava que não havia chovido o bastante, e que todos, incluindo o Governo foram pegos de surpresa. Lamentavelmente, não dá para acreditar que três órgãos responsáveis pelo setor elétrico - ANEEL, Ministério das Minas e Energia e ONS (Operador Nacional de Sistema Elétrico) não soubessem da gravidade da situação. Além disso todos já haviam sido alertados para a possibilidade de falta de energia, mas agiram tardiamente.

            Conseqüências da Privatização:

Não há como acreditar que as privatizações tenham trazido alguma melhora ao País. Com a venda das estatais, o Estado Brasileiro simplesmente perdeu o poder de definir seus objetivos nacionais, e sua políticas públicas passaram a ser administradas ou controladas, direta ou indiretamente, pelos organismos internacionais.

Como se isso não bastasse, o Estado ainda está investindo em setores que já foram privatizados, por falta de investimento das empresas.

Há algo que precisamos ter em mente: os setores privatizados, sejam eles de telecomunicações, energia elétrica, sistema financeiro, são altamente rentáveis. Como já deduzia o relatório da CPI das privatizações, o Governo, além de não ter alocado os recursos advindos das empresas constantes do PND, deixou de receber os dividendos advindos de unidades lucrativas.

Não sou radicalmente contra a idéia da privatização. Mas a forma como vem sendo feita não está atendendo aos anseios da população, e ainda nos faz perceber o quanto estamos gastando para tornar o processo viável, financiando as venda. E, se muitas das empresas já eram rentáveis, por que promover a sua desestatização? Por que, então, os serviços estão piorando e os preços subindo? Há algo nos fatos reais que não é coerente com o discurso governista.

Em outros países, com na Inglaterra, os segmentos da sociedade que defendiam as privatizações já estão repensando o modelo. Lá, a privatização também não surtiu os efeitos desejados. O racionamento de energia americano, na Califórnia, também é efeito de um desastrado programa de privatizações.

Se até nos países chamados de Primeiro Mundo, há espaço para admitir os erros de gestão dos serviços públicos, o Governo Brasileiro poderia assumir que as privatizações, além de não terem gerado os lucros que eram alardeados, piorou - e muito - a quantidade dos serviços.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/2001 - Página 13195