Discurso durante a 72ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUEBRA DOS CONCEITOS ETICOS, O ABUSO DE PODER E O DESRESPEITO AO ESTADO DE DIREITO.

Autor
Eduardo Siqueira Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEDIDA PROVISORIA (MPV). CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUEBRA DOS CONCEITOS ETICOS, O ABUSO DE PODER E O DESRESPEITO AO ESTADO DE DIREITO.
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/2001 - Página 13198
Assunto
Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV). CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
Indexação
  • ANALISE, ATUALIDADE, FALTA, ETICA, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ABUSO DE AUTORIDADE, ABUSO DE PODER, CONDENAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), SUSPENSÃO, DIREITOS, CONSUMIDOR.
  • ELOGIO, INICIATIVA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REVISÃO, DISPOSITIVOS, CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, GARANTIA, DIREITOS, CONSUMIDOR.

            O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PFL - TO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não desejo fazer essas considerações como jurista, que não sou, nem propriamente na condição de Senador da República, mas apenas como expressão do povo, do povo simples da rua, estático e preocupado diante do que está acontecendo em nosso País, repetindo aqui os conceitos e as palavras que se ouvem na rua, nos lares, preocupações e conceitos que se tornam cada vez mais unanimidade nacional, expressa na opinião pública, cada vez mais distantes dos que governam.

É que não podem, Sr. Presidente, nobres Senadores, as elites dirigentes, o Estado ou os que o governam, em qualquer dos poderes, ou dos níveis de poder, dissociar-se das aspirações do povo, do modo de ser do povo, frustrando suas esperanças e suas expectativas de ter, em suas elites, a representação mais fiel de suas aspirações.

Quando isto ocorre, é inevitável que se gerem as crises em toda ordem social, perigoso caminho para a desagregação da autoridade, que leva ao caos social ou aos governos de força.

Não quero me referir neste pronunciamento às questões da ética da vida pública, enquanto concebida como comportamento moralmente inatacável da parte dos detentores da autoridade, postura que seria a forma do Poder Público se contrapor às mais diversas formas de corrupção, essas formas que a imprensa e a opinião pública brasileira têm manifestado a todo momento: repulsa e indignação.

Desejo, referir-me e alertar para uma forma mais sutil de quebra dos conceitos éticos, forma esta que, iniciando pelo desrespeito aos direitos individuais, resvala rapidamente para o abuso do poder, o desrespeito à lei e o conseqüente atentado ao Estado de Direito.

O desrespeito aos direitos do cidadão começa pelo simples abuso da autoridade, quer seja do policial na rua, quer seja do burocrata atrás do balcão, quer seja da ordem de serviço ou da portaria que desconhece os direitos do cidadão ou a lei.

Este comportamento tem sido comum no Brasil e vem se tornando cada vez mais freqüente, e o que é mais grave, sem que os que o cometem tenham suficiente consciência de sua gravidade, utilizando, para isto, das mais variadas justificativas. Ganhar-se tempo, por exemplo, até que a Justiça decida - constitui uma justificativa para, freqüentemente, burlar a lei.

Ora, Sr. Presidente, este é um comportamento estranho num Estado de Direito, comportamento que raia obviamente a contravenção ou o crime. Não basta ter o poder para se fazer o que se quer fazer. O que se faz, no exercício do poder, há de submeter-se à ética, à lei, ao direito. Sempre!

Exemplos deste comportamento desviado e antiético tem se multiplicado no País, nas coisas mais comezinhas, como em questões que geram, posteriormente, graves danos à Nação ou ao próprio Governo, por elas responsável. Cito o caso das sucessivas tentativas de cobrança de contribuições de aposentados que o princípio constitucional e a jurisprudência têm definido sempre como direito adquirido. Cito o caso da correção do Fundo de Garantia, que levou a um impasse entre o Executivo e as decisões da Justiça, ou entre os que têm direito a receber e a capacidade do Governo de pagar. Poderia citar uma dezena de “espertezas” cometidas pelos mais diversos escalões da burocracia, com conseqüências graves para os direitos do cidadão ou para o tesouro do Estado.

No entanto, não sei de nenhum caso em que os responsáveis por essas espertezas, que revelam o desconhecimento ou a inconsciência dos compromissos éticos, ou de princípios jurídicos, tenham sido punidos pelo que fizeram. Desta forma, introduz-se, sorrateiramente, a esperteza como um procedimento normal e aceitável nas esferas governamentais.

Este desvio vem se tornando cada vez mais grave, e é preciso repetir que não basta ter o poder para se fazer o bem, mesmo que sob o aparente objetivo de defender os interesses do Estado. Isto permite dizer que não basta ter o poder para impor ou formular leis, normas, ou o que seja ao sabor dos interesses do poder, por mais legítimos que sejam, porque também a lei há de submeter-se aos princípios da ética e do direito. Esta é uma questão ética que tem sido menos considerada, no contexto da prevalência do combate à corrupção.

Tenho sido, Sr. Presidente, neste plenário e na minha vida pública, um defensor contínuo dos direitos do Consumidor e, por extensão, dos direitos do cidadão. Não poderia, em conseqüência, deixar de registrar a minha condenação aos termos da Medida Provisória que suspende dispositivos do Código do Consumidor, bem como, simultaneamente, elogiar o Presidente Fernando Henrique por rever aqueles dispositivos - evidentemente que seria um retrocesso na luta pelos direitos do consumidor e uma afronta à lei e aos princípios constitucionais.

Por mais que sejam graves as questões que têm inspirado as medidas governamentais, devo afirmar que o respeito aos direitos do cidadão constitui um princípio ético e, no caso, com claro abrigo na Constituição, o que o transforma num princípio jurídico intocável, mesmo por meio da Lei, e tanto mais quando imposto por Medida Provisória.

Devo deixar registrado também que a suspensão de direitos constitucionais e mesmo de direitos individuais adquiridos, consagrados em lei, só se justificaria em estado de emergência extrema e na inexistência de qualquer outro instrumento eficaz.

Neste caso porém, de suspensão de direitos constitucionais, a própria Constituição regula a adoção do Estado de Emergência o que, acredito, não deva ter sido cogitado, no contexto dos problemas atuais e, creio, nem deva ser o caso.

Faço essas considerações, Sr. Presidente, no sentido de colaborar com todos aqueles que, neste momento, neste País e nesta Casa, se preocupam, não apenas, com a eliminação de fatos consideráveis na vida pública, mas também com o aperfeiçoamento dos processos, não apenas com as coisas, mas com as instituições, não apenas com a moeda, ou com a água, ou com a energia, mas com a lei, o direito e a cidadania. Sei que o Presidente Fernando Henrique está entre os que se preocupam com os processos, com o Direito e com a Cidadania. Devo dizer que o desrespeito à Lei, ao Direito e à Cidadania - que em última análise constituem a expressão da ética pública, é tão grave, ou mais grave ainda que a própria crise da energia.

Porque não há apagão maior do que apagar o Estado de Direito. Não há escuridão maior do que a perda da Democracia, que começa sempre pelo desrespeito à Lei ou ao Direito.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/2001 - Página 13198