Discurso durante a 73ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ANALISE DAS SUGESTÕES OFERECIDAS POR ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS A REVISTA VEJA, NO SENTIDO DE COMBATER A CULTURA DA CORRUPÇÃO.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • ANALISE DAS SUGESTÕES OFERECIDAS POR ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS A REVISTA VEJA, NO SENTIDO DE COMBATER A CULTURA DA CORRUPÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2001 - Página 13242
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, AUSENCIA, PROVIDENCIA, SOCIEDADE, COMBATE, CORRUPÇÃO, BRASIL, REGISTRO, IMPRENSA, DIVULGAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.
  • ANALISE, ENTREVISTA, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, COMBATE, CORRUPÇÃO.
  • DEFESA, INVESTIGAÇÃO, PUNIÇÃO, CORRUPÇÃO.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é de hoje que se sabe ser a política em nosso País um meio de que muitos fazem uso para o enriquecimento ilícito ou para a obtenção de impunidade para quaisquer desmandos e desvios dos recursos públicos. Isso ocorre, por um lado, pelo entendimento distorcido que se costuma fazer, dentro e fora das esferas de Governo, da instituição da imunidade parlamentar. Por outro lado, a corrupção parece já fazer parte da cultura política do brasileiro. A aceitação do favorecimento, do nepotismo, do percentual “por fora” é expressa até em frases muito difundidas sobre alguns políticos, como a célebre “rouba mas faz”.

O pior, Srªs e Srs. Senadores, é que, mais que um conformismo desanimado, essa cultura do “é assim mesmo” torna-se, com freqüência, uma espécie de contramoral. Não é incomum se ouvir, quando do estouro de grandes escândalos de corrupção, figuras do povo dizerem, ao serem entrevistadas pelos repórteres de televisão, que “todos os políticos são assim” ou que “faria o mesmo se estivesse lá”. Quando se trata de casos de nepotismo, lá vêm os entrevistados dizendo coisas como: “ah, se ele não ajudar a família e os amigos, como vai ajudar o povo?”. Nesse quadro, como disse uma vez o grande tribuno Rui Barbosa, o homem probo acaba por se envergonhar de ser honesto.

Queremos crer, entretanto, que algo está mudando em nossa cultura política. Queremos crer que já não são aceitos como naturais os casos de corrupção que pontilham o noticiário. Pelo menos, parece haver um começo de reação, uma semente de mudança de costumes na divulgação intensa pelos meios de comunicação e nas manifestações de revolta e de indignação populares - ainda que muitas vezes um tanto ingênuas - em casos como o do TRT de São Paulo e do juiz Nicolau dos Santos Neto. Pode estar-se consolidando uma massa crítica na opinião pública no sentido da inconformidade e da revolta. Muito em breve, o cinismo e a desfaçatez haverão de perder o seu “encanto rebelde”.

Envoltos que estamos agora em mais uma onda de denúncias de corrupção, de prevaricação, de violação da ética, diante desses escândalos, é oportuno trazer ao debate as sugestões feitas à reportagem da revista Veja, de 18 de abril do corrente ano, quando quatro estudiosos do assunto “corrupção”, a saber: David Fleischer, Presidente da organização não-governamental Transparência, Consciência e Cidadania; José Pastore, Professor da Universidade de São Paulo; Eduardo Ribeiro Capobianco, da organização não-governamental Transparência Internacional; e Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

Pretendo, neste pronunciamento, apontar as sugestões apresentdas, em número de dez, e fazer um pequeno comentário sobre a sua propriedade, exeqüibilidade e provável efetividade, caso implantadas. Além disso, quero abordar a entrevista do ativista alemão Peter Eigen, Presidente e fundador da Transparência Internacional, concedida à mesma publicação no número seguinte.

A primeira das sugestões dos quatro consultados é a do financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais. Nesse ponto, estou de pleno acordo. O modo como são financiadas hoje as campanhas eleitorais praticamente deixa os políticos na inevitabilidade da escrituração de um “caixa dois” enquanto candidatos; e, uma vez eleitos, deixa-os seriamente comprometidos com as pessoas e empresas que os financiaram. Ou seja, mais que um convite, a campanha eleitoral é uma porta escancarada para a entrada da corrupção e da fraude. Importante também será a implementação de penalidades severas para os candidatos que violarem a lei do financiamento público e incorrerem em qualquer forma de financiamento particular para suas campanhas.

A segunda sugestão incide sobre as regras de licitação, que, segundo os estudiosos consultados, precisam ser alteradas para evitar qualquer favorecimento. No meu entendimento, as regras previstas na lei para licitações são, de maneira geral, boas. O atual Governo Federal, aliás, andou na contramão dessa recomendação ao abrandar as exigências legais para licitações. Mas o que penso ser mais importante que as leis é o seu cumprimento, sobretudo por parte dos governantes. Um dos traços mais característicos, talvez, da vida brasileira é precisamente o fato de existirem leis que “não pegam”.

A propósito, é uma exigência de uma nova atitude, menos tolerante em relação a toda sorte de frouxidão moral ou da observação das leis, a própria consciência da inutilidade de um complexo sistema legal, que prevê isso, aquilo e o que mais, tornado inaplicável pela complexidade e pela quantidade de brechas e meandros que deixa abertos aos violadores.

A terceira das sugestões chega a ser óbvia: para os consultores, os pagamentos a fornecedores devem ser efetuados sempre no prazo acordado, para evitar o recurso às famigeradas “caixinhas”. De minha parte, sou de opinião de que ser adimplente é condição primeira de continuidade de qualquer instituição ou pessoa. A conhecida “falência do Estado” e a sua crônica incapacidade de honrar compromissos seria, em minha visão, muito mais conseqüência do que causa da corrupção.

Em quarto lugar, eles sugerem a reforma do Judiciário, fechando, segundo a reportagem, “as brechas jurídicas que os advogados usam para retardar processos”. Ora, não acredito que isso, como está expresso, diga respeito a uma reforma do Judiciário, mas a uma reforma das leis processuais. Não devemos, porém, nos esquecer jamais do fato de que o Estado democrático de Direito está fundado, entre outros pilares, no pleno direito de defesa do cidadão. Se, a pretexto de agilizar a tramitação dos processos, reduzirmos o direito de defesa, estaremos enveredando por um caminho muito perigoso, o da perseguição ditatorial. De todo modo, concordo com a noção segundo a qual é preciso buscar modos de agilizar o procedimento jurídico no Brasil.

A quinta sugestão é do enxugamento da burocracia do Estado, no sentido de evitar a “criação de dificuldades para venda de facilidades”. Neste ponto não sei se eles acertaram o alvo. De fato, é possível demonstrar que o Brasil não figura entre os países com maior índice de servidores públicos em relação à população. Pelo contrário: o índice dos Estados Unidos, meca do liberalismo, atinge mais do dobro do brasileiro. O que se faz necessário, de fato, é a profissionalização dos servidores públicos, o aumento de sua qualificação técnica e seu conseqüente descompromisso com os políticos de passagem.

Sr. Presidente, ao dizer isso, já estamos praticamente abordando o ponto seguinte, o da sexta sugestão, de melhoria da remuneração dos servidores para que valorizem a profissão e não sejam tentados a aceitar propinas. Ora, isso é também muito claro, mas parece que o Governo não enxerga assim, pois manteve praticamente congelados os salários dos servidores desde o lançamento do Plano Real, apesar da existência, sim, de uma inflação não desprezível nesses seis anos.

A sétima sugestão toca em um ponto nevrálgico da questão do combate à corrupção: os tribunais de contas. Eles sugerem acabar com a influência política nas nomeações de conselheiros para os tribunais de contas. De fato, progressivamente, os tribunais de contas vêm mostrando grande progresso na qualidade de seus corpos técnicos, fato que é lamentavelmente prejudicado por continuarem seus membros -- os que realmente tomam as decisões -- a ser nomeados pelo Executivo, sempre tendo em vista conveniências políticas. Por isso, os tribunais de contas não fazem o que deveriam, ou não o fazem como deveriam, agindo no acobertamento dos corruptos e dos corruptores.

Em seu oitavo ponto, os especialistas entrevistados pela revista sugerem que as pessoas que fazem negócios com o Governo deveriam, espontaneamente, abrir o acesso a suas vidas, assinando um documento que autorizasse o Estado a fazer qualquer investigação em caso de suspeita. Em minha opinião, isso é ou bem inefetivo, pois as suspeitas poderiam ser levantadas somente muito mais tarde, com milhões já desviados, ou bem é excessivo em termos de invasão da privacidade dos cidadãos. Não sei se é possível atingir-se um equilíbrio que funcione, nesse caso.

O nono ponto, curiosamente, diz respeito ao funcionamento do Legislativo, e não do Executivo, onde as decisões, aliás, são tomadas e os eventuais acordos fraudulentos são feitos, nem do Judiciário, onde os julgamentos podem se arrastar indefinidamente, favorecendo os criminosos de colarinho branco. Não. Eles sugerem que as CPIs deveriam servir mais para investigação do que como palanque político. Ora, muito bem, eu pergunto: para que têm servido as CPIs, senão como instâncias especiais de investigação? Com foi que o País chegou a destituir um Presidente da República que vilipendiou a dignidade do cargo, ao fazer do assalto ao Erário a própria razão de ser de governar? Quem cortou na própria carne ao investigar os anões do Orçamento, senão o Congresso Nacional, com suas CPIs?

A décima e última sugestão é no sentido da criação de uma agência governamental encarregada de investigar os casos de corrupção, mantida com recursos públicos, mas sem sofrer influências da política. Além disso, essa agência deveria ter liberdade de monitorar a vida das pessoas que participassem dos processos de contratação junto ao poder público, e liberdade também para monitorar pessoas que demonstrem sinais exteriores de riqueza incompatíveis com sua renda. Essa agência teria ainda o poder de congelar os bens de suspeitos e estaria em condições de garantir proteção a testemunhas.

Ora, vejo nisso um caso agudo de "agencite", ou a vontade de sair criando agências ad hoc para cada necessidade real ou aparente do Estado. Penso que, antes de mais nada, a Polícia Federal deveria estar aparelhada para desempenhar algumas dessas funções, e o Ministério Público para as outras. Sabem, não me parece razoável inventar novidades quanto se pode aprimorar o que existe e tem constitutivamente as funções pretendidas.

Da entrevista de Peter Eigen, quero destacar a noção de que os políticos e altos funcionários são preparados e escolhidos para tomar decisões que afetam milhões de pessoas. Por isso mesmo, devem ser mais bem qualificados que o cidadão comum e, conseqüentemente, ser julgados mais severamente. Sua condição de pessoas excepcionais deveria servir de agravante, nos casos de desvio da lei, nunca de atenuante ou de circunstância de exclusão da punibilidade. Como disse o próprio Cristo, "a quem muito foi dado, muito será cobrado". Considero isso um princípio fundamental a ser seguido no julgamento de casos de corrupção.

Peter Eigen diz ainda que um grande desserviço é prestado à democracia por pessoas e partidos que propagam a idéia segundo a qual o roubo, sendo parte da natureza humana, é imbatível. O cidadão, além de se conformar com a roubalheira do Governo, passa a achar que também pode roubar. A convivência civilizada vai-se tornando impossível.

Espero que esse não seja o rumo que as coisas estão a tomar no Brasil. Prefiro acreditar que estamos, pouco a pouco, expurgando da vida nacional os focos de corrupção, no passo que nos é possível.

No entanto, uma coisa não deve ser esquecida: se há corruptos, com toda certeza há corruptores. A investigação sobre a identidade desses e sua punição é tão importante quanto as medidas de prevenção da corrupção incidentes sobre os agentes do Governo. As duas pontas da linha precisam ser atacadas, ou nunca mataremos a hidra da rede de corrupção.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2001 - Página 13242