Discurso durante a 73ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O NARCISMO PRESIDENCIAL, OS GASTOS COM PUBLICIDADE OFICIAL E O AUMENTO DA DIVIDA PUBLICA.

Autor
Lauro Campos (S/PARTIDO - Sem Partido/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • REFLEXÕES SOBRE O NARCISMO PRESIDENCIAL, OS GASTOS COM PUBLICIDADE OFICIAL E O AUMENTO DA DIVIDA PUBLICA.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2001 - Página 13261
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OMISSÃO, CRISE, ENERGIA ELETRICA, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, ORÇAMENTO, PROPAGANDA, GOVERNO.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUTORITARISMO, GOVERNO, ALIENAÇÃO, SOCIEDADE, REPUDIO, DESTINAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA, AUSENCIA, INVESTIMENTO, SAUDE, EDUCAÇÃO.

O SR. LAURO CAMPOS (Sem Partido - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Sua Majestade o Presidente da República afirmou que ficou surpreendido com a crise do setor energético brasileiro, com o apagão. O apagão já o encontrou apagado também para esse setor importante da atividade nacional.

Ele se esqueceu, ao mandar que esquecêssemos, de que, em 1991, por exemplo, ele próprio havia tomado conhecimento do futuro, da carência, da crise futura, do apagão que o esperava ao final do túnel e do mandato. E no seu programa de Governo, de 1994, ele também se lembrara de não esquecer a questão da produção, do fornecimento e da distribuição de energia elétrica no Brasil. Lá está consignada a importância e a premência de investimentos para evitar o pior. Mas o problema não está nas coisas, e sim nas relações entre os homens e entre os homens e as coisas. Apenas embarcar no mundo da idéia, com pontes para os arraiais do narcisismo, pode ser uma atividade muito perigosa, perigosíssima, porque, num governo despótico e autoritário, como soem ser os governos brasileiros, os defeitos da personalidade do Presidente, do Governador, de Sua Majestade o Presidente do Brasil, tanto no primeiro quanto no segundo reinado, em qualquer momento, esses vícios da personalidade individual, hipertrofiada, narcísica, costumam contaminar a sociedade que eles pensam presidir.

É realmente incrível como, ao inflar-se a personalidade de um Presidente com todas as características imperiais, majestáticas, atrofiam-se a sociedade e o mundo que eles julgam dominar. O Brasil se apequena diante destes governos ideais, do mundo da idéia e do narcisismo. E na medida, portanto, em que o Governo se torna mais despótico e autoritário, na medida em que o Poder Executivo avança e ingere, como se fosse uma cobra esfaimada, o Poder Legislativo estamos aqui há seis meses sem conseguirmos enganar o povo, sem fazermos com que o povo ache, pense que nós estamos realmente trabalhando. Depois de seis anos e meio sem férias, com um recesso apenas um ano, agora estamos em recesso permanente, recesso recoberto, enganado por algumas votações, como esta de hoje, que não conseguem o quórum suficiente.

Assim, em qualquer lugar para onde olhemos na sociedade brasileira, vemos cisões, vemos rupturas que se avolumam. E aqui, neste etéreo espaço em que nos encontramos, ficamos discutindo coisas e tentando retirar da ganga adusta alguma coisa brilhante, alguma coisa valiosa, fazendo discursos sobre pontos que parece que ainda não foram devorados no vórtice da crise. Fomos muito reduzidos no espaço da nossa cidadania. E o Prof. Fernando Henrique Cardoso sabia que, para a construção de uma verdadeira democracia, seria preciso haver a socialização do poder e que a sociedade se organizasse para exercer parte do poder que o despotismo e o autoritarismo concentram.

Mas o que dá para rir dá para chorar. O General Golbery sabia disso, da sístole e da diástole. Parece que o Presidente Fernando Henrique Cardoso é um dialeta muito pior do que foi o General Golbery. Na sua ânsia de poder, usando a mídia para refazer o mundo e maquiá-lo, tornando-o televisivo e propagandístico, quatrocentos e oitenta milhões foram gastos só em propaganda e publicidade por este Governo no ano passado. O Presidente passou a acreditar neste mundo que ele próprio e seus amigos construíram, enquanto a sociedade brasileira ia mergulhando em profundidades cada vez maiores neste processo de decomposição, de ruptura e de crise.

O Brasil foi se reduzindo. E Sua Majestade estava tão alheio ao mundo real que parece não haver percebido, por exemplo, que o orçamento brasileiro é uma ficção. Setenta por cento dos recursos orçamentários do ano passado se destinaram ao pagamento dos serviços das dívidas. O Brasil é um País de 30%! E ficamos aqui como aqueles que olham uma estrela que já desapareceu há cinco milhões de anos. Mas como a estrela desapareceu há cinco milhões de anos, a luz que irradiou dela há muito tempo, a luz que ela emitiu antes do apagão encontra-se a caminho e enxergamos essa luz como se a estrela ainda estivesse viva.

O Brasil só existe, agora, há muito tempo e cada vez mais, em 30%. Trinta por cento dos recursos do Orçamento é que se destinam a algo real, concreto, que pode se destinar ao social, porque 70% não pertencem mais ao Brasil. E o Brasil, que não consegue recursos em dólar sequer para girar o serviço da dívida externa, este País, que cada vez se apequena mais, está completamente anestesiado e não escuta sequer aquilo que o Presidente George Bush, repetindo a Srª Margaret Tatcher, falou a nosso respeito: “O país que não puder pagar a dívida em dólar paga-la-á em terra”. No caso brasileiro, o pagamento será com as terras do Amazonas - os credores já o disseram.

Isso lembra a história dos Estados Unidos. De invasão em invasão, de agressão em agressão, muitas vezes tendo como desculpa a dívida dos países pobres, os Estados Unidos deixaram de ser aqueles 13 iniciais Estados da Confederação, pequenos, modestos e democráticos, para se transformar nas 50 estrelas do grande falcão norte-americano.

Srs. Senadores, há muito tempo, o Brasil perde espaço. Há muito tempo, está proibido de agir. Cito um exemplo: em 1972, o General Ernesto Geisel pretendia investir US$28 bilhões na construção de usinas termonucleares. Esse projeto foi apelidado de “o investimento do século”. É desimportante o fato de que, até então, a Alemanha nunca havia produzido nenhuma usina termonuclear. Em 1957, recuperou parte de sua soberania e, após esse ato, tal como aconteceu com diversos outros países derrotados na Segunda Guerra Mundial, foi proibida de desenvolver a indústria atômica e nuclear. Ainda assim, compramos da Alemanha, que nunca havia produzido, e fizemos um contrato de US$28 bilhões.

Logo em seguida, ocorreu algo muito pior. Collor de Mello lançou uma pá de cal no Nordeste, mostrando que o Governo brasileiro havia desistido de fazer qualquer incursão ou investimento nessa área. A Embraer e as indústrias militares brasileiras, que começavam a se desenvolver naquela ocasião, foram proibidas de produzir armas e congêneres, como ocorreu na Argentina e em todos os países periféricos. Toda a produção bélica concentrou-se na divisão internacional do trabalho, do poder, do capital e da exploração que se seguiram à Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos.

Portanto, é natural que agora, no dito final da Guerra Fria, o Presidente Bush faça esse cinturão antimíssil. E ele afirma que o custo inicial será de US$280 bilhões, mas técnicos americanos já disseram que os gastos do Governo dos Estados Unidos com esse cinturão antinada serão acima de US$1 trilhão, porque os países não podem produzir, ou não têm condições de fazer isso, ou estão destruindo e deixando enferrujar a produção dos setores bélicos e espaciais, como ocorre na Rússia. Obviamente, trata-se de uma necessidade interna dos Estados Unidos e da sua reprodução realizar esses gastos, alimentar as guerras internacionais e as de conquista sobre seus vizinhos, como fizeram desde o alvorecer da chamada civilização norte-americana.

Por último, absurdo dos absurdos, o Presidente George W. Bush pensa em soprar as brasas da Guerra Fria, concedendo talvez até empréstimos a esses setores bélicos russos ou de outros países, a fim de justificar a dissipação desse trilhão de dólares aplicado nesse cinturão antimíssil, que o pacífico e democrático sistema norte-americano acaba de colocar em ação.

Desse modo, nessa divisão internacional do poder, dos gastos, do consumo, da exploração do trabalho, da tecnologia, nesse processo de divisão internacional do trabalho, que concentrou o poder - e o poder dos poderes, o poder bélico e espacial - nos Estados Unidos, é óbvio que tenhamos que dar uma espécie de contribuição para a guerra, como fizemos durante a Segunda Guerra Mundial. E uma de nossas contribuições para a Guerra Fria do Sr. Bush é o pagamento ao capital financeiro nacional e internacional de 70% dos recursos do Orçamento, que não podem ser tocados nem por Deputados, nem por Senadores, nem por pequenos Partidos, nem por grandes Partidos! Esses 70% dos recursos orçamentários não podem ser mexidos, são intocáveis. De acordo com o art. 166, § 3º, letra “b”, da Constituição de 1988, não pode ser aprovado nenhum projeto à Lei Orçamentária que implique redução dos montantes destinados ao pagamento dessa prioridade envergonhada, que é o pagamento da dívida externa brasileira!

Assim sendo, o Brasil é um país 30%! Os outros 70% já têm destino certo! Os outros 70% daquilo que foi produzido pelo esforço dos trabalhadores e da coletividade brasileira não podem ir para a saúde, para a educação, para a cultura, ou para as estradas! Estas se esburacam. A saúde apodrece, está na UTI. A educação, infelizmente, segue a mesma trilha. E todos os setores sociais encontram-se nesse estado deletério. E não adianta ficarmos falando, conversando aqui, porque os Deputados e Senadores podem retirar os recursos, sim, da educação, para colocar na saúde; ou da saúde para colocar noutro item qualquer do Orçamento. Depois, mentem aos seus eleitores, dizendo a eles que, mediante seu trabalho como representantes do povo, aqueles recursos foram conseguidos. Ora, retirar verbas de um item do Orçamento para colocar noutro significa trocar seis por meia dúzia! E esses ditos representantes jamais apresentam um projeto que reduza o montante destinado ao pagamento da especulação desse capitalismo internacional financeiro, senil e em crise.

Permanecemos, então, também trocando seis por meia dúzia, sugerindo o óbvio e o evidente: que determinados setores são carentes de recursos e que algum banco colabore, como se não houvessem falido todos os bancos de desenvolvimento do País - com exceção do execrável BNDES -, como se fosse possível ride again, cavalgarmos novamente o desenvolvimentismo, como se o nosso desenvolvimento econômico não se houvesse transformado numa crise de 20 anos - 20 anos perdidos, 20 anos sem crescimento, 20 anos tentando subir por uma ladeira ensaboada. O sabão é o pagamento do serviço aos grandes agiotas mundiais.

Este nosso Governo já soube disso, já tangenciou tais verdades - porque li - e sabe que tem de ser cada vez mais prepotente e autoritário para retirar do povo o essencial - da mesa do povo, da saúde do povo, da educação do povo - e conduzir os recursos da vida para a morte, da vida para a especulação, da vida para a agiotagem internacional de que somos vítimas e escravos.

Sr. Presidente, falarei cada vez menos. Não virei jamais defender, por exemplo, os 130 milhões de empréstimos externos que sempre critiquei. É uma maravilha que sejam destinados 130 milhões para Brasília, para fazer isso e aquilo. Daria até para roubar mais um pouco. Ocorre que são 130 milhões acrescidos aos quase US$300 bilhões de dívida externa; são 130 milhões que se somam à nossa escravidão, à nossa falta de cidadania, à nossa carência geral e ao apagão das consciências.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2001 - Página 13261