Discurso durante a 74ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DISCUSSÃO SOBRE OS RUMOS DO MERCOSUL E A FORMAÇÃO DA AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS - ALCA.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • DISCUSSÃO SOBRE OS RUMOS DO MERCOSUL E A FORMAÇÃO DA AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS - ALCA.
Aparteantes
Gilberto Mestrinho, Jefferson Peres, Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/2001 - Página 13428
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANUNCIO, REUNIÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI, NECESSIDADE, ATENÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, REFORÇO, COMERCIO EXTERIOR, DEFINIÇÃO, POSIÇÃO, RELAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
  • ANALISE, PROCESSO, CRIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), DEFESA, NEGOCIAÇÃO, SALVAGUARDA, INTERESSE, BRASIL, SOBERANIA, POLITICA, PROPRIEDADE INTELECTUAL, DERRUBADA, OBSTACULO, EXPORTAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), JUSTIÇA, IGUALDADE, DIREITOS, PRIMEIRO MUNDO.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, DEBATE, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), SOCIEDADE CIVIL.
  • ANALISE, PROBLEMA, SETOR, PRODUÇÃO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, SISTEMA TRIBUTARIO, FALTA, POLITICA INDUSTRIAL, CREDITOS.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a vigésima reunião de cúpula do Mercosul, que se realiza na próxima quinta-feira, em Assunção, no Paraguai, é mais uma oportunidade para esta Casa voltar a debater os rumos do relacionamento comercial do Brasil com os países do Cone Sul e, a partir disso, com o resto do mundo e, especialmente, a criação da Área de Livre Comércio das Américas - Alca.

Os representantes brasileiros na reunião de Assunção devem ter a convicção de que a ampliação dos nossos horizontes comerciais - em que incluo o estreitamento de relações com a União Européia - só logrará êxito se mostrarmos ao mundo um bloco forte e preparado para a pesada competição internacional.

A Alca deixou de ser assunto restrito às sisudas páginas de economia e ganhou outra dimensão na agenda política nacional. O contencioso com o Canadá sobre a suposta contaminação do gado brasileiro pelo mal da vaca louca estabeleceu um divisor de águas, mostrando a clara relação entre o processo de negociação dos acordos internacionais e regionais e os rumos do País.

A reação nacional evidenciou o quanto as políticas de desenvolvimento setorial e local bem como a participação da sociedade são elementos complementares e inseparáveis de uma política de integração internacional. O assunto deixou os encontros diplomáticos e chegou ao Brasil de carne e osso. E, ao que parece, chegou para ficar.

O tema, no entanto, não é novo. As negociações para a criação da Alca tiveram início em 1994, com a Declaração de Princípios da Cúpula de Miami. A posição brasileira mudou. Até a Rodada do Milênio da Organização Mundial do Comércio (OMC), havia a crença de que a Alca acabaria subordinada a um acordo mundial de liberação do comércio, o que determinou uma postura de empurrar o assunto com a barriga, uma espécie de visão cor-de-rosa do processo de globalização, que acabou no fracasso das negociações e de um encontro que entrou para a história principalmente pela pancadaria nas ruas de Seatle. Prevaleceu, de lá para cá, a estratégia de preparar o Brasil seriamente para as negociações da Alca e outras negociações internacionais.

Da mesma forma, foi tímida a estratégia do Governo de envolvimento da sociedade na implementação dessa discussão. Em 1996, o Governo criou a Senalca (Seção Nacional de Coordenação de Assuntos relativos à Alca), com o objetivo específico de preparar as posições brasileiras no processo de negociação. A XXIX reunião da Senalca, realizada no último dia 9 de maio, significou uma mudança de posicionamento sintonizada com o sentimento da Nação e a necessidade de uma agenda de negociações.

Para avançar nesse debate, gostaria de alinhar alguns temas como contribuição, procurando, inicialmente, responder à pergunta sobre o que significa a Alca.

O primeiro passo é comparar tipos de processos de integração econômica internacional, tomando como exemplo a Área de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), o Mercosul, a antiga Comunidade Econômica Européia (CEE), a União Econômica Européia (UEE) e a própria Alca.

Nesse contexto, cabe abordar posições explicitadas em publicações do professor Henrique Ratner, coordenador do Programa ProLides Brasil - Programa de Liderança e Desenvolvimento Sustentável no Mercosul da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças.

Ele faz questão, em seus trabalhos, de diferenciar área de preferência tarifária, zona de livre comércio, união aduaneira, mercado comum, união econômica.

A Alca, que, nesta etapa de negociações, reúne 34 países, à exceção de Cuba, será uma zona de livre comércio, com área de 38,4 milhões de metros quadrados e população de 783 milhões de pessoas. O PIB chega a US$11,5 trilhões. O Nafta (Canadá, EUA e México) é responsável por aproximadamente 88% do PIB das Américas, dos quais 80% correspondem aos Estados Unidos. Os países que comporiam a Alca respondem por 50% de nosso comércio exterior - esse é um dado importante - e por 70% das nossas exportações de manufaturados. Tem razão o Ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, ao afirmar que “embora o engajamento nas negociações não tenha caráter excludente, precisa ser encarado com consciência da magnitude do que está em jogo”.

A segunda questão que queria abordar neste pronunciamento é que participar ou não é, na verdade, um falso dilema.

Há a tendência, Sr. Presidente, para que a discussão em torno da Alca assuma certos contornos ideológicos. É compreensível que assim seja em função da participação dos Estados Unidos como ator principal do processo de integração. De um lado, estão o peso e o desenvolvimento da economia americana, que representariam um risco evidente à sobrevivência de competidores mais frágeis. De outro, a ideologia dominante nos meios políticos americanos, que atribui aos mecanismos de mercado e à liberdade de comércio o papel preponderante e exclusivo na integração mundial.

Daí derivam dois posicionamentos contrários à Alca: o primeiro nega seus resultados a priori; o outro a rejeita por razões ideológicas.

O Embaixador Rubens Ricupero, Secretario-Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, que tem escrito muito sobre o assunto, em um de seus artigos caracterizou a primeira posição como a daqueles que “não acreditam que, uma vez removidas as barreiras internas de proteção ou as margens de preferência aduaneira nos países latino-americanos, poderíamos competir, dentro do nosso mercado ou nos dos vizinhos, contra a primeira potência do mundo em comércio, indústria, finanças e tecnologia. Estão convencidos de que o acordo hemisférico é incompatível com o Mercosul e acabará por engoli-lo, inviabilizando, no mesmo golpe, a aspiração de edificar uma identidade econômica e diplomática para a América do Sul”.

Para o Embaixador Ricupero é um equívoco tachar a Alca de inevitável ou de inconcebível, pois “o simples enunciado sumário de tese e antítese basta para indicar que não nos defrontamos com o trivial de secos e molhados, mas com problemas cruciais que poderão definir o projeto de país para os próximos cem anos. A fim de evitar erros de conseqüências talvez irreparáveis, deve-se afastar de saída as duas posturas apriorísticas, a da inevitabilidade porque psicologicamente entrega a negociação antes de começar e a de que o acordo é inconcebível porque torna qualquer negociação inviável”.

A resistência ideológica evidencia-se mais explicitamente no campo da esquerda. De uma forma simplista acaba confundindo ser contra participar das negociações da Alca com o combate ao capitalismo global.

Rejeitar a globalização em si, pelo seu aspecto integrador em nível mundial, em vez de combater os seus efeitos e pensar na construção de uma sociedade alternativa é como propor a ação de “desplugar” uma determinada nação do contexto internacional.

Não é razoável, porém, confundir essas visões estratégicas com a condução da política de comércio exterior do País. Os riscos de imobilismo e perda de oportunidade são demasiadamente sérios para que deixemos que uma abordagem desse tipo contamine um debate como este, do qual estou querendo participar hoje desta tribuna.

A negociação sobre a Alca não pode ser tratada isoladamente, pois ela só tem sentido quando analisada nos marcos de uma estratégia mundial. “O PIB brasileiro corresponde a 35% do PIB latino-americano e a 66% do PIB do Mercosul. Ele, porém, é apenas 7% do PIB americano.” Apesar disso, a Alca não terá sentido sem o Brasil, na minha opinião. A extensão territorial e a importância e diversificação da nossa economia credenciam-nos para uma inserção de cunho global no cenário internacional. E é justamente essa estratégia que fortalece o nosso papel no processo de negociações e, mais do que isso, nos permite uma maior independência.

A diplomacia brasileira tem trabalhado a Alca simultaneamente com as negociações entre o Mercosul e a Unidade Econômica Européia. Além de correto, esse é também o melhor caminho para evitar os embaraços no âmbito regional.

O Mercosul passou a enfrentar sérias dificuldades após a mudança do regime de câmbio e conseqüente desvalorização do real, em 1999. Brasil e Argentina representam, no entanto, 97% da economia do bloco do Mercosul. Tendo em vista as negociações da Alca, a viabilidade do Mercosul dependerá em grande parte da ação brasileira e de uma necessária reflexão conjunta sobre os futuros da integração sul-americana. Fato para essa discussão, Sr. Presidente, é a alteração na política cambial adotada pelo Governo argentino no fim da semana passada, cujos efeitos para a recuperação econômica daquele país ainda são uma enorme interrogação.

A pauta de negociações, quando voltamos a discutir a Alca, é bastante extensa. Porém, alguns temas são essenciais para garantir a participação do Brasil na criação da Alca.

A primeira delas - e está aqui o Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, que vai patrocinar, com a CAE, nos próximos dias, alguns eventos sobre o assunto - é assegurar que as discussões incluam as barreiras não tarifárias. Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, 60% de nossas exportações para os Estados Unidos enfrentam algum tipo de restrição não tarifária. É o caso, por exemplo, do aço, e esse é um assunto que conheço, pois a CST, no Espírito Santo, produz esse minério.

Segundo, garantir que as medidas trabalhistas, sanitárias e fitossanitárias, ainda que necessárias, as quais defendo e tenho defendido neste Congresso, nesta tribuna, não sejam utilizadas como barreiras ao comércio, o que é um absurdo, como ocorreu no recente episódio do embargo canadense às exportações de carne brasileira.

            Terceiro, evitar uma nova investida dos americanos, para além dos acordos já existentes no âmbito da Organização Mundial do Comércio, OMC, na política de propriedade intelectual. E a legislação do nosso País sobre propriedade intelectual já avançou muito.

            Deve-se trabalhar ainda para reduzir o arbítrio e garantir igualdade de direitos e tratamento na adoção de medidas antidumping e de compensações, usadas de forma abusiva pelos países do Primeiro Mundo, como é o caso do Canadá na disputa com a Embraer.

Cabe-nos ainda evitar novas investidas dos Estados Unidos para acelerar e ampliar o escopo das discussões sobre o comércio eletrônico.

Por fim, assegurar mecanismos que minimizem o desequilíbrio entre parceiros, especialmente no que diz respeito à infra-estrutura e logística.

A reunião ministerial de Buenos Aires trouxe novidades importantes para a discussão do tema. Os ministros acordaram que maio de 2002 é a data para que as negociações de acesso a mercados propriamente ditas tenham início. Isso faz dos próximos onze meses um período decisivo para a capacitação brasileira.

Nessa etapa, creio que há iniciativas a serem viabilizadas. A primeira é ampliar a nossa participação no processo de negociação. Temos que envolver os meios acadêmicos, sindicatos, integrar as políticas de desenvolvimento local e nacional e mobilizar todos os demais setores que possam contribuir para a discussão. O assunto é por demais importante para ser tratado exclusivamente por diplomatas.

Há um conjunto de iniciativas em andamento no Congresso Nacional. Portanto, o melhor caminho é a unificação de esforços.

Grande parte do sucesso nas negociações depende de um grau apurado de conhecimento dos impactos por setor e atividade da nossa economia (incluindo a relação com temas técnicos da negociação, tais como regras de acesso - como citei anteriormente -, tarifas aplicadas e consolidadas, antidumping e direitos compensatórios, de forma a evitar restrições futuras aos produtos brasileiros, como já ocorre em outros casos). Nesse sentido, devem ser aprofundados os esforços de coordenação pelo Itamaraty e garantida a realização de amplos e apurados estudos econômicos que analisem a situação de cada setor da economia brasileira frente à criação da Alca, frente à discussão com o Mercado Comum Europeu e, possivelmente, com outros blocos no futuro.

É importante lembrar que, conforme a Organização Mundial de Comércio (OMC), uma zona de livre comércio deve abranger 85% da economia dos países-membros. As negociações da Alca prevêem um prazo de até quinze anos para liberação completa. Portanto, devemos saber muito bem entre quais setores nos interessa estar dentre os 15% não compreendidos na liberação tarifária e qual o prazo de adaptação para o restante.

Já está claro, Sr. Presidente, que há setores em situações diferenciadas no País. É só passar um olhar pela economia brasileira. O setor de química, o de informática e o de seguros, não há dúvida, estariam absolutamente ameaçados em uma integração como essa. Já o têxtil necessitaria, na verdade, de uma antecipação do livre comércio. O mesmo sucederia com o siderúrgico, que necessitaria também, pelos números que temos, de conjugar a integração com uma política de aumento de capacidade instalada. Para outros, como o eletrônico, haveria de se criar oportunidade em determinados nichos.

Em resumo, precisamos aprofundar o conhecimento de forma a estruturar as nossas estratégias de negociação.

O debate sobre a Alca é particularmente importante, para lançar luz sobre o papel de planejador, coordenador e indutor do Estado brasileiro no que tange ao desenvolvimento econômico nacional. O desafio é fazer com que a capacitação para as negociações da Alca, bem como de outros processos de integração internacional que citei neste discurso, articule-se com uma agenda de construção da competitividade setorial do nosso País e a superação das nossas vulnerabilidades internas e externas.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Nobre Senador Paulo Hartung, sempre gosto de ouvir o discurso de V. Exª, pela clareza com que aborda os temas que apresenta e, especialmente, pela seriedade no exercício do mandato. Concordo com a observação de que não podemos ser, de pronto, em primeira mão, contrários ou favoráveis à Alca, que se está consolidando e se vai consolidar. O importante é estarmos preparados para as negociações. Precisamos corrigir nossas deficiências e não atuarmos no processo como segundos. Vamos ser parceiros iguais. Vamos mostrar a nossa importância no processo e defender os nossos interesses de acordo com os nossos interesses e não como geralmente é feito, ou seja, defendendo mais os interesses dos outros que os nossos. Essa é uma dolorosa realidade. Pessoalmente, em determinados segmentos, não tenho a menor preocupação com a influência americana no processo. Aquilo que já exportamos para os Estados Unidos, o segundo mercado logo depois da Comunidade Européia, vamos continuar exportando, só que com mais facilidade. O que podemos conseguir são maiores nichos no mercado. A preocupação que temos com o Mercosul é até extemporânea, porque o Mercosul - vamos ser realistas - está vivendo, a continuar a política econômica argentina, os últimos dias, ou os últimos meses. Não há como se afastar disso. E o problema argentino é tão sério que vai acabar em uma adesão - não se trata de negociação - ao Nafta. Isso é natural. Ora, ainda temos uma grande potencialidade de crescimento. Podemos, pois, preparar-nos para isso. Nas negociações, inclusive, geralmente aborda-se aquilo que mais nos preocupa: as barreiras não-tarifárias. Essas são as que mais preocupam a todos os países, especialmente os países subdesenvolvidos, aqueles escolhidos para não serem desenvolvidos. Sim, porque o mundo foi dividido entre aqueles que têm o direito de ser desenvolvidos e aqueles que não têm esse direito. O Brasil está incluído entre os países que não têm esse direito, os tais emergentes. E a esses são criados todos os embaraços: barreiras sanitárias, ambientais, sociais, etc. Ora, se fizermos uma mobilização, ouvindo a todos, para que o Brasil negocie efetivamente com quem entende de negócios - têm que ser convocadas as pessoas que entendem de negócios, e não aqueles contumazes negociadores que aparecem sempre -, o Brasil pode marcar uma posição boa e não temer nenhum prejuízo em relação à Alca, quando ela vier. Isso é que é importante. Parabéns pelo discurso de V. Exª.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Senador Gilberto Mestrinho, agradeço e acolho o aparte que V. Exª apresenta ao meu pronunciamento. Mas tenho uma pequena discordância em relação ao Mercosul: penso que se trata de algo que precisamos discutir e aprofundar um pouco mais. No entanto, o aparte que V. Exª apresenta vai também ao encontro do discurso que estou fazendo nesta tarde no Senado.

O Sr. Roberto Saturnino (PSB - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT - AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Se o Presidente permitir - S. Exª já acendeu as luzes, mostrando que o meu tempo está se esgotando - eu gostaria de conceder um aparte, ainda que rapidamente, ao Senador Roberto Saturnino e, posteriormente, ao Senador Jefferson Péres. Para tanto, vou abrir mão do final do meu pronunciamento, considerando-o lido.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - A Presidência está inteiramente de acordo. Pede apenas aos Srs. Senadores que sejam breves em seus apartes, porque precisamos iniciar a Ordem do Dia.

O Sr. Roberto Saturnino (PSB - RJ) - Serei breve, Sr. Presidente. Senador Paulo Hartung, agradecendo a oportunidade e cumprimentando V. Exª pelo discurso e pela seriedade com que levanta esta questão, que é crucial para o Brasil de nossos dias. Temos que pensar nas conseqüências que, certamente, advirão de uma integração comercial da América como um todo. Umas das conseqüências certas é a liquidação do Mercosul, sim. Nesse ponto, estou de acordo com o Senador Gilberto Mestrinho. O Mercosul passa por uma crise extremamente grave, pode até naufragar por ela. Mas, por outro lado, surgem manifestações, como, por exemplo, da Venezuela, mostrando seu desejo de ingressar no Mercosul; o Chile, que esteve por abandonar, parece que retornou e novamente estuda a sua integração. Isto é, há alguns acenos animadores. Só que o Mercosul precisa de tempo para concluir o seu projeto de integração comercial. Assim, a simples abertura das negociações da Alca, em 2005, já vai liquidar inteiramente, a meu juízo, esse projeto do Mercosul, como também prejudicará, certamente, o nosso relacionamento com a União Européia, porque vamos ficar muito mais intimamente ligados à grande potência americana. Outra conseqüência, Senador Paulo Hartung, é a quase inevitável dolarização. Já estamos começando a perceber os movimentos de dolarização. A crise argentina, com a insustentabilidade da sua moeda, no fundo, reflete isso. E com a implantação da Alca será quase inevitável que toda a América caminhe para a unificação monetária. O que penso, no entanto, é que essa questão, pela grandeza e pela profundidade das suas conseqüências, deveria passar por um debate muito mais amplo e profundo com toda a sociedade brasileira. Estou de acordo com V. Exª. Isso não pode ser decidido por diplomatas, por mais competente que seja o quadro do Itamaraty; mas diria também que até mesmo o Congresso Nacional, com toda a sua representatividade, não poderia substituir a opinião da Nação brasileira como um todo, discutindo com profundidade, avaliando as conseqüências e os sentimentos, porque os sentimentos nacionais também são importantes em uma decisão dessa natureza. A União Européia foi precedida de vários plebiscitos. Penso que o Brasil também deveria fazer um plebiscito no ano próximo, coincidente com as eleições, a respeito da questão da Alca. Apresentei um projeto nesse sentido, que está tramitando no Senado, mas queria expressar essa minha opinião. Entendo que toda a Nação brasileira deveria participar dessa decisão, que será muito grave, que terá conseqüências muito maiores do que aquelas que estão limitadas, digamos assim, ao nosso comércio exterior e ao nosso próprio desenvolvimento econômico. Cumprimento V. Exª pelo pronunciamento sério, oportuno e muito importante.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Senador Roberto Saturnino, agradeço a V. Exª o aparte. Evidentemente que V. Exª trouxe temas novos, que precisávamos debater, e creio vamos ter chance de fazê-lo.

O objetivo desse pronunciamento é um só: trazer um pouco desse debate aqui para o Senado. Por isso, concedo um aparte ao Senador Jefferson Péres, Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que tem tomado iniciativas sobre o assunto e que vai preparar uma série de debates, junto com a CAE, nos próximos meses sobre o tema Alca. Assim poderemos debater e aprofundar muito o tema.

Concedo um aparte a V. Exª, Senador Jefferson Péres, com prazer.

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT - AM) - Serei breve em meu aparte porque vejo a angústia do Presidente, Senador Edison Lobão, em relação ao tempo. Estou chegando de um almoço com o Chanceler Adalberto Giavarini, o Chanceler Celso Lafer e a cúpula do Itamaraty, onde senti que realmente, superadas as dificuldades circunstanciais por que passa a Argentina em razão da paridade cambial, que já começa a ser abandonada, a Argentina terá de ser, sim, nossa parceira no Mercosul, porque concordamos que seria um desastre ela ingressar sozinha na Alca. O país não tem estrutura econômica para resistir ao impacto de uma absorção pela economia americana. Concordo inteiramente com V. Exª em que é preciso muito cuidado na inserção na Alca, porque, se apenas concordássemos com a mera desgravação tarifária, em um país que tem as mais baixas tarifas do mundo, como são os Estados Unidos, seria desastroso para nós. As barreiras não-tarifárias constituem o ponto crucial da nossa integração à Alca. Já iniciamos o debate aqui, V. Exª contribuiu muito com sugestões e queria até antecipar o debate para junho, mas será em agosto. E, como disse o nobre Senador Roberto Saturnino, esse debate tem que permear toda a sociedade brasileira, para que nós não façamos uma inserção equivocada e precipitada na Alca. Mas que teremos que fazer algum dia. Parabéns a V. Exª, como bem disse o Senador Gilberto Mestrinho, pela lucidez, que é uma constante nos pronunciamentos de V. Exª.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Muito obrigado a V. Exª, Senador Jefferson Péres.

Sr. Presidente, apenas para concluir, ao tempo em que solicito a publicação do meu pronunciamento na íntegra, já que o tempo não me permitiu fazê-lo, gostaria de resumir um último raciocínio em relação as nossas vulnerabilidades internas.

Creio que esse debate também nos ajuda a pensar e a refletir sobre os constrangimentos que a produção nacional enfrenta no nosso País. Constrangimentos em relação ao modelo tributário existente no País; constrangimentos em relação à falta de uma política industrial que este País abandonou, numa visão absolutamente equivocada; constrangimentos em relação à falta de uma política de crédito - teremos a oportunidade de votar a nova Lei das S/A, que entendo será uma pequena contribuição nesse campo. E essa reflexão sobre a Alca, sobre a União Econômica Européia, sobre as nossas relações comerciais internacionais, permite-nos também debater as dificuldades e os constrangimentos por que sofre o parque produtivo brasileiro.

É esse o sentido. Acredito que temos que debater mais em Plenário, nas Comissões e construirmos, nesse preparo, uma agenda sólida, que precisa ser um pré-requisito para o nosso ingresso ou não na Alca ou em outro bloco econômico.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, A ÚLTIMA PARTE DO DISCURSO DO SR. SENADOR PAULO HARTUNG.

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O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Continuando, Sr. Presidente, hoje, o lado fraco da economia brasileira é o déficit externo. Ele limita a possibilidade de o Brasil crescer a taxas muito superiores a 4% ao ano (superada a crise energética). Por um lado porque uma taxa maior ampliaria o déficit externo e colocaria em risco a estabilidade da economia; de outro, porque a necessidade de obtenção de recursos para o refinanciamento de amortizações e de parte do déficit corrente, impõe a manutenção da taxa de juros em um patamar que acaba inibindo o próprio crescimento.

Assim, na mesma medida em que a ALCA pode representar uma ameaça, em função da baixa competitividade de alguns setores internos, a discussão dela decorrente é essencial para dar visibilidade às dificuldades econômicas que estamos enfrentando.

Mesmo que ela não estivesse em andamento, o Brasil precisaria ampliar sua competitividade a fim de equacionar possibilidades de crescimento, de desenvolvimento econômico e para reduzir nossa instabilidade frente aos efeitos da propagação internacional da economia globalizada.

Papel de destaque deverá ter a política de Ciência e Tecnologia, no sentido de criar um novo patamar de desenvolvimento sustentável para o País. Há estudos que apontam que, enquanto em nossa pauta de importações há uma predominância de produtos relacionados com setores dinâmicos da economia mundial, o inverso ocorre no caso de nossas exportações. Boa parte da ampliação da competitividade brasileira dos últimos tempos foi sustentada por ganhos no âmbito dos processos de produção, o que pode representar uma fragilidade frente às estratégias globais de realocação produtiva promovida por empresas mundiais e países desenvolvidos.

Há importantes esforços sendo realizados por setores do governo, dos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e de Relações Exteriores. Há setores empresariais e organizações não-governamentais trabalhando com uma visão não corporativa. O Congresso Nacional tem somado forças no mesmo sentido. Exemplo é a série de audiências públicas e debates que estão sendo programados no âmbito das Comissões de Assuntos Econômicos e de Relações Exteriores para debater o tema. Precisamos acreditar na força da participação e construir uma posição nacional coesa.

A postura dos empresários, conforme pesquisa do Datafolha, publicada no último dia 09 de junho, é de apoio à ALCA, mas de desconhecimento sobre os seus impactos. Apenas 12% consideram o País bem preparado para competir. 

É mais um argumento em defesa da nossa posição:

Precisamos ampliar a mobilização e investir recursos para melhorar nossa capacidade de negociação e promover as reformas estruturais que melhorem nossa competitividade.

Precisamos ganhar tempo, e neste caso são nefastas tanto a incapacidade de gestão como as ambigüidades ideológicas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/2001 - Página 13428