Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM AO HISTORIADOR CAIO PRADO JUNIOR, PELA PASSAGEM DO DECIMO ANO DE SEU FALECIMENTO.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO HISTORIADOR CAIO PRADO JUNIOR, PELA PASSAGEM DO DECIMO ANO DE SEU FALECIMENTO.
Aparteantes
Geraldo Cândido.
Publicação
Publicação no DSF de 21/06/2001 - Página 13536
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, CAIO PRADO JUNIOR, HISTORIADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CONTRIBUIÇÃO, CONHECIMENTO, TRANSFORMAÇÃO, BRASIL.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Senador Roberto Freire, proponente desta sessão de homenagem, familiares, amigos, admiradores de Caio Prado Jr. Do meu ponto de vista, Caio Prado Jr. era um grande revolucionário; revolucionário no sentido de como compreendeu e agiu neste mundo, de sorte que a sua obra e a sua trajetória estão aqui sendo louvadas pelo mérito das suas ações e das suas realizações. Esta nossa atitude, de estarmos aqui celebrando os seus méritos, os seus merecimentos, louvando as suas realizações, faz parte da forma humana de reconhecer o quanto a História é cumulativa e pode trazer às novas gerações algo que, qualitativamente, teve uma substância durável e capaz de romper no tempo, transmitindo-se às gerações do presente e do futuro.

Eu quero aqui, em breves palavras, fazer o meu registro. A minha paixão pela obra do Caio Prado Jr. se dá quando aluna de História da Faculdade de História da Universidade Federal do Acre, ocasião em que estudávamos a sua obra e o tínhamos como referência, porque, do ponto de vista da historiografia brasileira, ele deu uma grande contribuição. A sua maior contribuição foi o rompimento com a égide positivista na abordagem dos fatos históricos, que, até à época da sua brilhante obra, o livro Formação do Brasil Contemporâneo, era muito presente, ou seja, os fatos falam por si mesmos. Caio Prado Jr. introduz a análise materialista, o materialismo dialético na história brasileira, dando uma grande contribuição no sentido de que a nossa historiografia saísse do mero relato dos fatos para uma abordagem analítica desses fatos, com uma visão interpretativa e sem correr o risco de cair num relativismo que não se instituísse como ciência, mas imprimindo o ponto de vista do autor sob o aspecto econômico, histórico e assim por diante.

Um outro aspecto que considero importante é que, quando se tem essa forma de analisar e pensar o mundo não apenas como sujeito passivo, é quase inevitável o compromisso com a transformação dessa realidade que se está analisando. Passa a ocorrer uma interação viva. O autor não se coloca como um sujeito neutro, que não participa da história. Pelo contrário, Caio Prado tinha a clara percepção, como revolucionário que era, de que a história era fruto da vontade dos homens interagindo com os seus processos, de forma dialética, no sentido de que essa história pudesse ser transformada, numa perspectiva de eqüidade e justiça social, na construção de um País que pudesse oferecer um outro destino para os milhares e milhões de excluídos que temos hoje.

Além da sua participação como intelectual e pesquisador, ele teve uma participação muito forte como sujeito, o que não é muito freqüente naqueles que têm uma posição de destaque dentro da Academia. Muitas vezes, se é um brilhante pesquisador, ou um brilhante cientista, e não há um conseqüente envolvimento com a problemática do seu país, do seu povo, da sua nação, da sua comunidade. Não era esse o caso de Caio Prado Jr. Ele, inclusive, sofreu as conseqüências desse seu envolvimento, dessa sua atitude em assumir um ponto de vista, de ter opinião, de pertencer literalmente a um partido, como disse o Senador Roberto Freire na justa homenagem que faz.

Ele faz parte de uma espécie de trilogia da nossa historiografia, de tudo que existe para análise dos nossos processos históricos, culturais, sociais e econômicos. Mereceu, inclusive, elogios do nosso saudoso Florestan Fernandes, que reconhecia na sua obra o mérito de não cair na forma panfletária de utilizar a abordagem marxista para fazer determinados enunciados por demais simplistas.

Ele lançou mão, de forma pioneira, das contribuições do materialismo histórico, do materialismo dialético, sem ser simplista, sem ser panfletário, apresentando o conteúdo possível acumulado na sua época, com os meios de que dispunha, para fazer uma análise muito significativa do processo de ressuscitamento do escravismo no mundo moderno. Escravismo este que já havia sido completamente abolido no mundo antigo e que, no Brasil ressurge com muita força, como base de sustentação do antigo sistema colonial. O assunto foi muito bem tratado por Jacob Gorender, que, ao lado de Caio Prado Jr., talvez tenha feito uma das mais belas análises sobre o antigo sistema colonial, que tinha como força de trabalho, como possibilidade de reprodução, uma das formas mais perversas de exploração do homem pelo homem, que era o regime escravocrata implementado no Brasil colônia.

De sorte que esses homens corajosos e, de certa forma, iluminados merecem aqui no nosso respeito. Uma obra que é capaz de atravessar o tempo permanece presente na vida daqueles que continuam a propagá-la e beneficia a todos a não ter uma visão simplista dos processos realizados para alavancar novas maneiras de abordagem e novos procedimentos de pesquisa nas mais diversas formas que a Academia lança mão para contribuir com a sociedade.

            Esses pioneiros merecem toda a nossa homenagem e só poderia encerrar esta minha breve participação oferecendo à memória...

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Senadora Marina Silva, permite-me V. Exª um aparte?

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Pois não, Senador Geraldo Cândido.

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Quero parabenizar o Senador Roberto Freire e os demais Senadores pela iniciativa da homenagem ao grande pensador Caio Prado Jr. A homenagem é mais do que merecida porque Caio Prado Jr. foi um historiador revolucionário do Brasil, um homem de letras, historiador, economista e filósofo, que marcou um tempo de pensamento importante no Brasil. Como marxista, trabalhou a particularidade brasileira da formação social do Brasil. A grande vantagem do pensador foi analisar a colônia para entendê-la na sua totalidade. Por isso ele é capaz de reconstruir a história social e econômica do País. Também é importante o apontamento que os debatedores fazem sobre a influência do pensamento de Caio Prado Jr. na obra de vários outros pensadores que viriam trabalhar sobre a questão nacional, como Sérgio Buarque de Holanda. A preocupação recorrente de Caio Prado, por muitas décadas, seria a de construir uma economia política original, adequada à particularidade brasileira, que tomasse como ponto de partida e critério de eficácia a satisfação das necessidades de consumo da imensa maioria, mergulhada em imensa e inaceitável miséria material e espiritual. Para tanto, a tarefa política que se impunha e que, cumprida, teria significado uma completa inversão do sentido original da colonização, seria a reforma agrária. Diferentemente do PCB, no entanto, Caio Prado insiste, coerente e imperturbável, no caráter não camponês da reforma agrária: aqui se tratava, antes, de generalizar os direitos trabalhistas da massa rural, de organizar sindicatos, como o modo adequado de valorizar o trabalho e erradicar a miséria em escala nacional. Descartada a figura social do camponês, Caio Prado via na luta direta pela terra uma questão residual, circunscrita a determinadas regiões de conflito social agudo, que não devia ser posta à frente de uma inteligente e generalizada luta por reformas nas relações de trabalho, que terminasse, por assim dizer, a tarefa abolicionista. Este agrarismo “ocidental” de Caio Prado deveria cumprir a promessa de reconciliação entre país e povo, entre economia e sociedade, fornecendo o sólido ponto de apoio para reconstituição da própria economia moderna e industrial em termos efetivamente nacionais. Eis o cerne do processo da revolução brasileira, segundo Caio Prado: uma revolução simultaneamente agrária e nacional, enraizada na especificidade da História do Brasil e radicalmente voltada contra o vício congênito de nossa formação social. Essas são as minhas palavras e agradeço a V. Exª o aparte.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço a V. Exª o aparte, que complementa o meu modesto pronunciamento.

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que talvez seja por isso que, na avaliação de Antônio Cândido, os livros fundamentais para compreender o Brasil sejam A Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr.; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda; e Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. Estes três grandes gigantes deram uma grande contribuição ao pensamento social, econômico e à historiografia brasileira.

Sinto-me feliz de poder estar aqui fazendo este registro, porque muitas dessas pessoas realizaram suas pesquisas apesar dos empecilhos impostos por regimes autoritários e por forças que não gostariam de ver o pensamento historiográfico brasileiro partir para uma visão analítica dos problemas brasileiros e, sim, de continuar naquele mesmo diapasão, de repetir os fatos, de simplesmente narrar a história sem nenhum compromisso com a sua transformação.

Exatamente por isso, quero concluir a minha participação nesta solenidade, dedicando a Caio Prado Júnior um poema de Russel Champlin, que diz o seguinte:

Temível é o caso,

Lágrimas há no mero relato;

Inegavelmente chegou o tempo

Quando ninguém podia dizer;

“Eu vi”.

Jubiloso é o caso,

Alegria há no mero relato;

É chegado o tempo

Quando eu posso dizer “eu sei”,

Porque “eles viram”.

            Hoje, milhares e milhares de jovens, milhares e milhares de pessoas podem dizer que o sabem, porque eles viram e foram capazes de construir uma outra forma de pensar e de interpretar o Brasil; de pensar e de interpretar principalmente a nossa formação econômica e social, num período bastante triste da nossa História, que foi o regime escravocrata da colônia portuguesa implementado aqui, que criou o modelo mais perverso de exploração do homem pelo homem.

Concordo inteiramente com a análise que foi feita pelo Senador Roberto Freire, no sentido de que foi um equívoco transplantar o modelo marxista para se tentar encontrar o feudalismo no Brasil. Mas esses erros são inerentes àqueles que têm coragem de se debruçar sobre os acontecimentos e de tentar dar uma resposta aos mesmos.

Se eles não tivessem visto, se eles não tivessem errado, hoje não saberíamos e, com certeza, não teríamos acertado.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/06/2001 - Página 13536