Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM AO HISTORIADOR CAIO PRADO JUNIOR, PELA PASSAGEM DO DECIMO ANO DE SEU FALECIMENTO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO HISTORIADOR CAIO PRADO JUNIOR, PELA PASSAGEM DO DECIMO ANO DE SEU FALECIMENTO.
Publicação
Publicação no DSF de 21/06/2001 - Página 13558
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, CAIO PRADO JUNIOR, HISTORIADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, OBRA INTELECTUAL, VIDA PUBLICA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a década de 30 assistiu ao surgimento de três referências fundamentais para a formação do conhecimento histórico disponível sobre o Brasil. A primeira, Evolução Política do Brasil, de Caio Prado Júnior, datada de 1933. Em seguida, no mesmo ano, veio Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre. Por último, em 1936, Sérgio Buarque de Holanda publicou o seu Raízes do Brasil.

Os três autores formam, no dizer de Francisco Iglésias, “o élan inovador da década de 1930, à qual tudo o que vem depois se liga, direta ou indiretamente. A historiografia adquiria maioridade e status nobre”. A opinião é compartilhada por Bernardo Ricupero, para quem, “assim como os modernistas que os haviam precedido, os três cavaleiros de 1930 parecem ter encarado como sua principal tarefa a criação de um país ou, ao menos, da idéia que se faz dele (...)”.

Caio Prado Júnior, a quem estamos hoje homenageando, tinha, ao produzir a sua Evolução Política do Brasil, somente 26 anos, uma demonstração inequívoca de seu talento e de sua sólida formação. Foi o primeiro historiador brasileiro a utilizar o instrumental do marxismo para tratar a história de nosso País.

O seu talento, a excelência da sua formação e a sua importância como historiador acabaram se confirmando em dois outros títulos, imprescindíveis à compreensão do Brasil. Refiro-me, entre tantas obras suas, a Formação do Brasil Contemporâneo, de 1942, e História Econômica do Brasil, de 1945.

Dentre suas inúmeras viagens, destacam-se para efeito da compreensão da sua obra, as que fez pelo Brasil. Freqüentemente acusado de não se utilizar de fontes primárias em suas obras históricas, Caio preferia se valer do conhecimento in loco da realidade brasileira. E, numa nota de pé de página da Introdução de Formação do Brasil Contemporâneo, explicava seu método, citando um professor estrangeiro que lhe havia dito que invejava os historiadores brasileiros que podiam assistir pessoalmente às cenas mais vivas do seu passado dado o anacronismo da nossa organização social e econômica.

Mas Caio Prado não foi apenas um notável historiador. Durante seus 83 anos de vida, dedicou-se a muitas outras realizações. Analisando-se tudo o que fez, entretanto, percebe-se nele um extraordinário amor ao País e às idéias. Queria mudar o Brasil e via nas idéias, firmemente ancoradas na realidade, o caminho para isso.

Da educação primorosa, proporcionada por seus pais, Caio fez ferramenta para uma busca incessante do desvendamento e transformação do País. Embora fosse formado em Direito, freqüentou por dois anos o curso de Geografia e História, tendo sido aluno de Deffontaines, o pai da Geografia humana moderna. Seus conhecimentos de Geografia viriam a servir como alicerce firme para sua obra historiográfica.

Irrequieto, Caio começou, entretanto, muito jovem, pela militância política. Em 1928, inscreveu-se, aos 21 anos de idade, no Partido Democrático, que nascera, em São Paulo, em oposição ao tradicional Partido Republicano Paulista. Militante laborioso e disciplinado, lançou-se, então, ao trabalho de organização do novo partido.

Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, após a Revolução de 30, Caio ocupou a delegacia revolucionária de Ribeirão Preto, uma das muitas organizadas para apurar os erros e desvios. Diante da evidência de que os processos não conduziriam a nada, das dissensões entre os vencedores e da sua falta de programa, o jovem idealista foi se desencantando. Afastou-se do Partido Democrático, ao qual tanto se dedicara, filiando-se, em 1931, ao Partido Comunista, do qual nunca mais sairia.

Com o Partido Comunista estabeleceu uma relação peculiar. Apesar da sua independência em relação à orientação do Partido, o que poderia ter lhe valido punições ou mesmo a expulsão, sempre foi respeitado, em parte pelo currículo de militante, em parte pela admiração que adquirira como historiador, como explica Jacob Gorender. Além disso, passara pelas prisões com um comportamento dignificante.

Se nunca foi punido, Caio Prado também nunca ocupou cargos importantes na estrutura partidária, nem pretendeu sair do Partido, apesar das divergências explícitas que com ele mantinha. Como bem notou Hélio Jaguaribe, Caio era talvez o único teórico marxista do Partido Comunista Brasileiro, e que por isso mesmo (mantinha) sua autonomia intelectual, não se deixando levar para a mera repetição mecânica de chavões de propaganda.

Depois de duas prisões sob Getúlio Vargas e algumas viagens à Europa, onde militou no combate ao fascismo, na França, e na ajuda aos republicanos, na guerra civil espanhola, Caio voltou ao Brasil e, em 1947, foi eleito deputado estadual por São Paulo. O mandato não durou muito: o clima de guerra fria posterior à II Guerra Mundial levou à cassação do Partido Comunista e à perda dos mandatos dos seus deputados.

Dedicou-se, então, às idéias e à sua disseminação. Já havia fundado a Livraria e Editora Brasiliense, às quais, ao lado de seu trabalho intelectual, devotou-se completamente. Além disso, em setembro de 1955, Caio deu partida a outra de suas importantes empreitadas no campo das idéias, a Revista Brasiliense.

A Revista foi mantida por 52 números, até o seu fechamento pelo regime militar de 1964. Mesmo não sendo um órgão do Partido Comunista, a Revista Brasiliense, que teve em Caio seu principal colaborador, sempre manteve uma linha de oposição, embora acolhesse colaborações de variadas tendências. Em seu manifesto de fundação, Caio Prado afirmava que ela não teria ligações de ordem política e partidária e seria orientada por seus próprios redatores e colaboradores.

Caio também fundaria a Gráfica Urupês, cujo título, emprestado de uma de suas obras principais, era uma homenagem ao amigo Monteiro Lobato. Seu objetivo, com ela, era viabilizar a impressão de livros e revistas de quantos o desejassem, ensejando a expressão plena das idéias, tão caras ao seu projeto de mudança do País.

Parte do reconhecimento que se deve a Caio Prado Júnior, foi-lhe prestado ainda em vida. Recebeu, em 1966, o Prêmio Juca Pato, como intelectual do ano, pela publicação de A Revolução Brasileira. Em 1988, recebeu, do Ministério da Ciência e Tecnologia, o Prêmio Almirante Álvaro Alberto, para a área de Ciências Humanas.

Mas Caio Prado Júnior foi muito maior. Sua grandeza está inscrita em sua obra, reverenciada por todos os que conhecem os temas a que esse grande mestre se dedicou. Se Caio não mudou o Brasil na velocidade que desejava, lançou e debateu idéias que permitem que se o compreenda e que possibilitam às novas gerações trabalhar pelo desenvolvimento de nosso País.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/06/2001 - Página 13558