Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA REALIZADA ENTRE EMPRESARIOS BRASILEIROS DA ADESÃO DO BRASIL A ALCA.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. COMERCIO EXTERIOR.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA REALIZADA ENTRE EMPRESARIOS BRASILEIROS DA ADESÃO DO BRASIL A ALCA.
Aparteantes
Lúcio Alcântara, Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 21/06/2001 - Página 13604
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, PESQUISA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), OPINIÃO, EMPRESARIO, APOIO, INCLUSÃO, BRASIL, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), INSUFICIENCIA, PROVIDENCIA, GOVERNO, INCENTIVO, INTEGRAÇÃO, EMPRESA NACIONAL.
  • REGISTRO, LOBBY, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ANTECIPAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), ANALISE, RESTRIÇÃO, ECONOMISTA, SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES, EMBAIXADOR, EX PRESIDENTE, INSTITUIÇÃO DE PESQUISA, ITAMARATI (MRE), DEFESA, ENTENDIMENTO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), PREVENÇÃO, PREJUIZO, BRASIL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recente pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo no último dia 10, revelou que o empresariado brasileiro quer a inclusão do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas - ALCA, mas considera que as medidas governamentais de apoio à empresa nacional, visando à integração, são insuficientes; e mais: enquanto 12% dos entrevistados disseram que o País está preparado para se inserir no mercado comum proposto pelos Estados Unidos, que reunirá trinta e quatro países de todo o continente americano - à exceção de Cuba - 44% afirmaram o contrário.

Paralelamente à opinião do empresariado, setores diversos da economia nacional e especialistas em economia e comércio exterior têm alertado o Governo brasileiro para os riscos desse processo de integração, que deverá concluir-se em 2005. Os Estados Unidos, como é do conhecimento geral, têm pressionado o Governo brasileiro e os demais países do Continente não só a firmarem os acordos de integração, como também a agilizarem todas as etapas, de forma a concluir o processo no ano de 2003. A pressão americana, que beira o constrangimento, é um elemento a mais para que nós, brasileiros, reflitamos profundamente sobre a nossa inserção na ALCA.

Não sou derrotista nem arauto da catástrofe, mas julgo-me no dever de passar adiante algumas observações e advertências de especialistas, de variados matizes ideológicos, acerca desse processo de intervenção. A mais grave das restrições que se fazem à participação do Brasil na ALCA refere-se à assimetria do estágio de desenvolvimento e da economia dos países envolvidos. A desigualdade de condições, alertam os estudiosos, pode levar os Estados Unidos - detentores de um Produto Interno Bruto de US$8 trilhões e de um PIB total de US$11,4 trilhões da região - a se beneficiaram ainda mais desse acordo, restando aos países periféricos uma situação de subalternidade.

O Jornal dos Economistas, publicação do Conselho Regional do Sindicato dos Economistas e do Instituto dos Economistas do Rio de Janeiro, indaga, em sua edição bimestral de abril/maio últimos, se a ALCA interessa ao Brasil. A discussão, não bastasse a iminência das negociações mais adiantadas, foi desencadeada também pela ofensiva do governo americano no sentido de acelerar as etapas de consolidação da ALCA. Essa investida, como se sabe, resultou na exoneração do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, contrário à adesão brasileira, da presidência do Instituto de Pesquisas e Relações Exteriores do Itamaraty.

Os Estados Unidos, com a ALCA - adverte o Embaixador, ouvido pelo Jornal dos Economistas -, realizarão seu desígnio histórico de incorporação subordinada da América Latina a seu território econômico e à sua área de influência político-militar. Aliás - continua -, esse é o objetivo declarado dos Estados Unidos com a ALCA: aumentar suas exportações de bens e serviços e seu saldo comercial com essa região, sem prejudicar seus setores sensíveis, tendo em vista suas dificuldades de equilibrar seu comércio com outras regiões, como a União Européia, o Japão e a China, com quem têm grandes déficits.

            É preciso observar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que as advertências do Embaixador Samuel Guimarães não anulam as vantagens intrínsecas de um mercado unificado, representadas pelas amplas possibilidades de intensificação comercial, crescimento econômico e eventualmente outras, como melhoria da eficiência produtiva. Não fosse assim, o empresariado nacional estaria cerrando fileiras contra a adesão brasileira à ALCA.

Segundo Samuel Guimarães, os Estados Unidos, além das vantagens comerciais, econômicas e financeiras, podem até acenar com a redução de barreiras não-tarifárias. “Porém - assinala -, nada garante que outras barreiras não-tarifárias não possam surgir, reproduzindo situação semelhante à que ocorreu com a Organização Mundial do Comércio.”

Na ocasião, lembra Samuel Guimarães, argumentou-se que o Brasil seria beneficiado porque os Estados Unidos não utilizariam medidas unilaterais no comércio com o Brasil, mas não foi o que aconteceu. Até o mais desvairado dos brasileiros sabe que o governo americano estabelece barreiras para o nosso suco de laranja, para os calçados, para o aço e outros produtos de exportação. Há pouco, tivemos um eloqüente exemplo de como funciona o comércio internacional com a proibição do governo canadense de importar carne brasileira, sob o pretexto de que o rebanho nacional estaria contaminado pela “doença da vaca louca”.

Aliás, em todos esses anos de globalização econômica e de abertura do mercado brasileiro, nossa balança comercial vem registrando sucessivos déficits, que se explicam pela política deliberada de valorização cambial, mas também pela obsolescência do nosso setor produtivo, pela ausência de uma efetiva política industrial e, também, pela timidez de nossa política externa. Impõe-se assinalar, nesse caso, que a globalização, como já reconheceu o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, tem sido uma via de mão única para prejuízo nosso.

Na situação do Brasil, a melhor atitude nas negociações internacionais para Samuel Guimarães seriam entendimentos de caráter multilateral na OMC, evitando-se o compromisso de estabelecer tarifa zero, prevista pela ALCA. A Europa e o Japão, lembra o Embaixador, se recusam a celebrar acordo de livre comércio com os Estados Unidos, “pois conhecem muito bem a força econômica, tecnológica e financeira das megamultinacionais norte-americanas e a importância de proteger e fortalecer as suas empresas, e defender o emprego de seus trabalhadores.”

O Sr. Lúcio Alcântara (Bloco/PSDB - CE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Com muito prazer, Senador Lúcio Alcântara.

O Sr. Lúcio Alcântara (Bloco/PSDB - CE) - Estou atento ao pronunciamento de V. Exª porque esse é um assunto que me preocupa, não só como Senador, mas como Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, envolvida em um trabalho para fomentar esse debate, trazendo autoridades do Governo, sindicalistas, empresários e acadêmicos para discutir o assunto. A situação não é tão simples. Não é simples aderir-se gratuitamente à ALCA, como também não é simples negá-la absolutamente. Há riscos, que não são pequenos, e pode haver oportunidades. O judicioso é pesar-se bem tudo isso e fazer-se uma opção que contemple o interesse nacional. Não podemos nos isolar. Imagine V. Exª se a Argentina, o Chile e outros países negociarem diretamente com os Estados Unidos - de repente, nós nos veremos isolados. O Brasil tem uma riqueza, que é a grande diversidade do seu comércio internacional. Não me lembro bem - o Senador Lauro Campos talvez até possa me socorrer, pois é um especialista no assunto -, mas o percentual do nosso negócio com os Estados Unidos é em torno de 20%. Temos negócios com a Europa e outros países, e essa multilateralidade é um patrimônio nosso. Precisamos aumentar o volume de negócios e não podemos, amanhã, nos atrelar somente aos Estados Unidos. Também não podemos, de repente, nos ver isolados porque outros países da América do Sul fizeram entendimento direto com os americanos. Então, é um jogo de sombra e luz, de avanços e recuos que requer, primeiro, muita perspicácia, muita capacidade de negociação e uma noção bem clara do que é o real interesse do Brasil. Todo esse debate que estamos realizando - e V. Exª faz um excelente pronunciamento - coloca bem isso. Para mim, o Presidente Fernando Henrique, em Quebec, foi feliz, porque definiu cerca de quatro marcos sem os quais seria impossível negociar a ALCA. Não me recordo de todos, mas um deles está relacionado ao dumping. A legislação antidumping, nos Estados Unidos, é fundamentalmente de proteção das empresas americanas. Temos que ir para esses marcos. A legislação antidumping é de defesa da concorrência e há outras tantas que precisamos identificar. Nesse sentido, fiz uma indicação - o nobre Senador Paulo Hartung é o Relator e já está oferecendo parecer favorável a ela - para que o Senado brasileiro diga: “Tudo bem, o Presidente vai negociar a adesão do Brasil à Alca, desde que obedeça aos seguintes pressupostos”. Nobre Senador, trata-se de uma contribuição que estamos oferecendo para fortalecer a posição do Presidente nessas negociações. Era isso que eu queria trazer, como colaboração, ao discurso de V. Exª, que faz um alerta, que é fomentador do debate e da discussão dos diferentes aspectos envolvidos na matéria.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Lúcio Alcântara, que, como Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, enriquece o meu pronunciamento, que tem exatamente o objetivo de discutir o assunto, como V. Exª salientou. Tenho inclusive dados do empresariado brasileiro em que apenas 14% se manifestam inteiramente favoráveis, e uma margem muito grande defende justamente os cuidados que deveriam ser tomados e que o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso já frisou.

O Sr. Roberto Saturnino (PSB - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Nobre Senador Roberto Saturnino, gostaria de prosseguir um pouco mais. Em seguida, com o maior prazer, darei o aparte a V. Exª.

O Chile, Srªs e Srs. Senadores, tem vivido essa experiência. Após ter optado por sua inserção na Alca, em detrimento do Mercosul, e por negociar diretamente com os Estados Unidos, está reconsiderando sua decisão. Essa, por sinal, é uma diferença característica nos entendimentos da Comunidade Européia, que prefere negociar em bloco, valorizando a integração regional, e dos Estados Unidos, que sistematicamente negociam com um só parceiro a cada vez.

Os países parceiros no Mercosul, felizmente, estão dispostos a somente negociarem em bloco sua inclusão na Alca, como, aliás, propusera o Presidente Fernando Henrique Cardoso, no encontro de Quebec.

A desconfiança em relação aos benefícios que podem advir da nossa inserção na Alca é compartilhada, como disse, por economistas, políticos e empresários de posições ideológicas diversas. Em artigo assinado em conjunto e publicado no já citado Jornal dos Economistas, a professora e ex-Deputada Maria da Conceição Tavares e o economista e Deputado Aloísio Mercadante advertem:

O Brasil tem uma estrutura industrial e agrícola não complementar à dos Estados Unidos e com níveis de integração produtiva, desenvolvimento tecnológico e escalas de produção substancialmente menores, o que nos coloca numa clara posição de inferioridade para competir com a indústria norte-americana.

Uma liberalização do comércio hemisférico, antes mesmo de chegar à eliminação total de tarifas e outras barreiras não tarifárias - acrescentam -, teria um impacto altamente destrutivo sobre a nossa indústria.

            No mesmo veículo, o Deputado e ex-Ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura Delfim Netto pontifica:

Os americanos têm o hábito de colocar seus motivos econômicos com certa clareza, mas neste caso não estão muito visíveis. A realidade é que a Alca é um processo político.

A urgência na criação da zona de livre comércio das Américas - continua - é parte desse processo de consolidação da influência dos Estados Unidos sobre toda a América Latina.

            Para o economista João Paulo de Almeida Magalhães, a integração de mercados pode surtir bons resultados, mas envolve riscos.

O grande problema - diz - aparece no caso de integração entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, do tipo proposto no caso da Alca.

 

Para Magalhães, as empresas americanas se concentrarão nos setores em que se revelam mais eficientes, nos setores de tecnologia mais apurada e de mão-de-obra mais qualificada, que exigem grande capacidade de pesquisa. Às empresas brasileiras restarão as atividades empregadoras de mão-de-obra em larga escala, utilizadoras de recursos naturais e de baixo valor adicionado.

Concedo o aparte, com muito prazer, ao Senador Roberto Saturnino.

O Sr. Roberto Saturnino (PSB - RJ) - Senador Mozarildo Cavalcanti, não quero tomar o tempo de V. Exª, que faz um discurso importante e muito oportuno sobre esse tema que deve estar sempre presente em nossas discussões. É um assunto que terá grande envolvimento na vida econômica e política do nosso País. Há pouco V. Exª ressaltou o fato de que esse acordo, que nasce como um acordo de livre comércio, por conseguinte quase estritamente econômico, no fundo terá conseqüências de natureza política muito profundas. Ele constituirá uma ligação tão forte de uma economia com a outra que, certamente - e o desequilíbrio entre níveis de produtividade é tão grande -, a nossa economia estará sujeita a diretrizes, a direcionamentos, enfim, a uma hegemonia de interesses por parte da economia americana, que é muito forte. A conseqüência desse acordo fatalmente será a unificação monetária; o processo de dolarização, que já se iniciou na América Latina, com a incorporação das economias dentro de uma área de comércio livre, certamente prosseguirá com grande velocidade, o que vai significar a abdicação também da moeda nacional. Tudo isso tem que ser muito pesado. Essa discussão tem que estar presente diariamente aqui no Congresso Nacional, tem que se alastrar por toda a população, que deveria se pronunciar. Tanto é que apresentei um projeto instituindo um plebiscito, coincidente com a eleição do próximo ano, para que a população se pronuncie a esse respeito, tal é a importância desse acordo e as conseqüências que dele advirão se for negociado no âmbito do Itamaraty, dos nossos diplomatas, por mais competentes que eles sejam. Tem que entrar em jogo nessa decisão o sentimento nacional da população brasileira, da sociedade brasileira. E nós temos de discutir diariamente esse tema aqui e temos de convocar a população para um pronunciamento, depois que a discussão ganhar uma intensidade compatível com a sua instrução sobre o significado desse acordo. Parabenizo V. Exª pelo seu pronunciamento de hoje.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, que, sendo autor de uma proposta de plebiscito para que a população toda discuta o assunto, tem, efetivamente, demonstrado preocupação com o tema, que, como frisei no meu pronunciamento, está acima das ideologias, está acima de segmentos da sociedade, e deve envolver toda a sociedade brasileira, porque afinal de contas diz respeito ao nosso futuro.

Os estudiosos das relações internacionais desconfiam também que a prioridade dos Estados Unidos para a América Latina é jogo de cena. Em entrevista à rede BBC, há alguns meses, quando da visita do Presidente George W. Bush ao México, o brasilianista Thomas Skidmore, Diretor do Centro para Estudos Latino- Americanos da Brown University, disse acreditar que o interesse pela América Latina não é tão significativo, pois a prioridade norte-americana continua sendo a Europa, seguida da Ásia.

Todas essas advertências e ponderações, Srªs e Srs. Senadores, devem pautar nossas autoridades nos entendimentos para inserção na Alca. É evidente que a integração de mercados pode trazer benefícios, e isso vem ocorrendo em várias partes do mundo, pela viabilização de novos investimentos, pelos ganhos de economia de escala, pela perspectiva de ampliação das exportações. Essa inserção, normalmente, resulta em perdas para alguns setores e em ganhos para outros. Não se trata, portanto, de simplesmente renegar qualquer proposta de integração.

Trata-se de examinar, no caso brasileiro, se os ganhos compensarão as perdas, se os setores prejudicados terão condições de se adequar à nova realidade, se as barreiras à importação de produtos brasileiros serão removidas ou atenuadas. Trata-se, como salientou na última edição da revista CartaCapital o Ministro Rubens Ricupero - hoje Secretário-Geral da Unctad, órgão das Nações Unidas para a promoção do comércio e do desenvolvimento entre países periféricos -, de participar das negociações sem entender que a entrada na Alca é inevitável. Além de defender a negociação em bloco e sem açodamento, o Brasil deve procurar estabelecer algumas salvaguardas, condicionando a inserção na Alca aos resultados da sua política de desenvolvimento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/06/2001 - Página 13604