Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO MEDICO E CIENTISTA, DR. DAHER ELIAS CUTAIT, OCORRIDO EM SÃO PAULO, NO ULTIMO DIA 6 DO CORRENTE.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO MEDICO E CIENTISTA, DR. DAHER ELIAS CUTAIT, OCORRIDO EM SÃO PAULO, NO ULTIMO DIA 6 DO CORRENTE.
Publicação
Publicação no DSF de 21/06/2001 - Página 13673
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DAHER ELIAS CUTAIT, MEDICO, CIENTISTA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, ATUAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, MEDICINA, PAIS.

O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trágica notícia comoveu os meios médicos e a sociedade em geral, dia 6 último: aos 87 anos, falecia em São Paulo o Dr. Daher Elias Cutait, cientista, cirurgião de renome internacional, Diretor Clínico do Hospital Sírio-Libanês de minha cidade por mais de 35 anos, cidadão e chefe de família exemplar. A doença que ele derrotara incontáveis vezes ao salvar vidas humanas, findara por vencê-lo em sua derradeira batalha. A Missa de 7.° Dia em sua intenção foi realizada dia 12, na Igreja N. S. do Brasil, na Capital paulista. Reuniu autoridades e personalidades representativas dos mais diversos segmentos sociais.

“Um Médico, uma Vida” - esse é o titulo dado pelo Dr. Cutait ao livro autobiográfico escrito para expor sua saga pessoal e da família, uma das mais respeitadas na comunidade de origem sírio-libanesa do País. Pelo menos, foi com aquele enfoque que a imprensa noticiou seu lançamento, há um ano. Mas, na verdade, como tudo o que fez em sua existência, o Dr. Cutait produziu uma obra abrangente e profunda, capaz de desnudar e tornar acessíveis aos leitores até questões polêmicas como a eutanásia e o erro médico. Na noite de autógrafos, sintetizou seus sentimentos com estas palavras: “Tive a felicidade de optar pela profissão que amo. Tive também a chance de aprender, desde garoto, que o sucesso é resultado direto do esforço”.

O livro narra a história da família desde a chegada do pai, libanês, ao Brasil. Comerciante, estabeleceu-se na cidade de Tatuí, onde criou os filhos e lutou muito para lhes proporcionar a melhor educação possível. Nada escapa ao autor. Episódios marcantes da infância e adolescência, o apoio dos pais na escolha da profissão, a alegria de entrar na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a seriedade ao encarar e aceitar os desafios - os acontecimentos descritos acabam por traçar o perfil de um ser humano sensível e determinado, capaz de superar as vicissitudes, como realmente fez. A história transcorre principalmente entre os anos 20 e 40. Chega a revelar, inclusive, o que sucede quando o jovem Cutait conhece em São Paulo aquela por quem se apaixona e quer receber como esposa, findando por granjear a simpatia e a aprovação da família da eleita, apesar das diferenças socioeconômicas.

O sucesso do Dr. Daher Cutait como médico é incontestável. Seu renome data da época em que se especializou em cirurgia do aparelho digestivo e colo-proctologia, nos Estados Unidos, entre 1941 e 1943. Uma época na qual se contava nos dedos os brasileiros autores dessa autêntica proeza. Ele foi além. Desenvolveu seu próprio método operatório, que passou a ser utilizado em vários continentes e ainda constitui referência nas discussões médicas sobre o tema. Seu nome está perpetuado nessa técnica cirúrgica de câncer do reto e do megacólon chagásico, que criou.

Nascido em São Paulo, em 28 de setembro de 1913, iniciou os estudos primário e secundário no Ginásio Oriental, concluindo-os no Ginásio Ipiranga, ambos em São Paulo. Ingressou na Faculdade de Medicina da USP em 1933 e graduou-se em 1939. Ao retornar dos Estados Unidos, iniciou sua carreira universitária na USP, que o elevou, após sucessivos cargos, à posição de Professor Adjunto de Clínica Cirúrgica. Era casado com a Srª Yvonne Cutait e teve quatro filhos - Raul, Edgard (falecido), Luiz e Plínio -, que lhe deram dez netos.

Publicou mais de 130 artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, além de capítulos de livros em número superior e trinta e três livros sobre sua especialidade. Participou de cerca de duzentos congressos médicos nacionais e internacionais, nos quais apresentou mais de quinhentas contribuições científicas. Foi autor também de numerosos filmes sobre técnicas operatórias e recebeu dez prêmios científicos.

Presidiu as mais importantes entidades médicas de sua área, entre as quais o Colégio Brasileiro de Cirurgiões, a Federação das Entidades Latino-Americanas de Cirurgia e a International Society of University Colon and Rectal Surgeons, entre outras. Em 1957, fundou e foi o primeiro Presidente da Associação Latino-Americana de Proctologia (Alap). Então, durante o 1.° Congresso Internacional de Proctologia, na Argentina, cinqüenta cirurgiões de língua hispânica e portuguesa, especializados em cólon e reto, decidiram criar sob sua liderança uma sociedade para se congregarem. E, por conseqüência, elegeram-no para a Presidência da nova organização. Ainda por sua influência, esses cirurgiões resolveram no dia seguinte - 4 de dezembro de 1957 -, ao elaborar a ata de fundação da entidade, que o 1.° congresso da Alap fosse realizado em São Paulo, em 1960.

Após presidir dezenas de congressos médicos no Brasil e no Exterior, recebeu o título de membro honorário de quase todas as entidades de Cirurgia e Colo-Proctologia da América Latina. Estas entidades conferiram-lhe, ainda, o título de “Pai da Colo-Proctologia Latino-Americana”, que se acrescentou aos lauréis outorgados por entidades européias, com especial menção ao Royal College of England. Três entidades médicas, duas delas internacionais, reverenciam-no regularmente em seus congressos com conferências que levam seu nome.

Títulos e honrarias foram-lhe destinados em mais de vinte ocasiões. Entre eles, figuram as medalhas Cedro do Líbano, Mérito Médico da Presidência da República, Ordem do Rio Branco, Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Ordem do Ipiranga, Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, Anchieta e o título de Cidadão Emérito de São Paulo. Todavia, uma homenagem feita no ano passado, quando já tinha conhecimento da própria enfermidade, figura entre as que o tocaram de maneira mais profunda. Foi o seu reconhecimento como Personalidade do Ano, no campo da Medicina, pelo Ateneu Rotário, com a entrega do galardão criado há 27 anos pela Fundação de Rotarianos e pelo Rotary Clube de São Paulo.

Saber, força e liderança estão evidentes na grande paixão e obra de sua vida profissional - o Hospital Sírio-Libanês de São Paulo -, hoje um dos maiores complexos hospitalares da América Latina. O Dr. Cutait herdou - soube honrá-los e multiplicá-los - os resultados dos esforços de um grupo de mulheres da comunidade, que, em 1921, fundou a Sociedade Beneficente de Senhoras Hospital Sírio-Libanês, com o intuito de angariar fundos para a construção de um hospital à altura de São Paulo e dedicado à população, sem distinção de classes sociais. Após muita luta, inclusive para recuperar o edifício desapropriado em 1940, pouco antes da data de inauguração, por ordem do interventor federal em meu Estado, que o transformara em escola preparatória de cadetes, aquela sociedade conseguiu iniciar a reforma do hospital em 1960. Cinco anos depois, estava funcionando com 35 leitos. Surge, então, o Dr. Daher Elias Cutait. Escolhido para ser Diretor Clínico, cargo que nunca mais deixou, estabeleceu padrões de eficiência válidos até hoje. Naquela ocasião, permitiram ao estabelecimento dobrar o número de leitos e a capacidade ambulatorial em poucos meses.

Em 1971, o Dr. Cutait inaugurava um novo prédio de dez andares com cem apartamentos, a primeira UTI do Brasil (dez leitos) e um completo serviço de radiologia. Permanentemente preocupado com a educação e investigação científicas, idealizou e criou, em 1978, o Centro de Estudos e Pesquisas (CEPE), que continua a realizar jornadas de atualização e cursos para a comunidade médica, semanalmente, durante todo o ano. Já em 1992, sua direção competente permitiu ao Sírio-Libanês inaugurar mais um edifício, bem maior e com estrutura adequada aos progressos da medicina e ao aumento da demanda de atendimento. Em terreno de 40 mil metros quadrados, o moderno prédio dispõe de dez andares para internações e mais dez para serviços auxiliares. Com um Centro de Diagnóstico e um Pronto Atendimento integrados, possui instalações que vão de pista de “cooper” até heliporto. Cada andar de internação compreende 24 apartamentos. Somados aos precedentes, representam disponibilidade total de quatrocentos leitos.

Todos reconhecem que isso se tornou possível graças à liderança do Dr. Daher Elias Cutait. Foi essa liderança também que levou o Sírio-Libanês, ainda em 1992, a inaugurar a Unidade de Pediatria e a implantar, no ano seguinte, o programa de Residência Médica em áreas como a Radiologia, mediante prévia aprovação do Ministério da Educação e Cultura.

Em 1995, chegou a vez do Centro de Transplantes de rins, fígado, medula, córnea e coração, inaugurado pelo Dr. Cutait com cinco apartamentos dotados de filtragem absoluta de ar e 19 leitos para transplantados. No ano seguinte, surgiu o novo e sofisticado Centro Cirúrgico, com onze salas de operação distribuídas por 1.800 metros quadrados, e mais uma UTI, com doze leitos em 700 metros quadrados.

Em 1997, vê-se novamente a marca pessoal do Dr. Cutait, na criação do Centro Cirúrgico Ambulatorial para cirurgias de pequeno e médio porte. Nessa época, com seu filho - Dr. Raul Cutait, igualmente insigne médico, Diretor do Sírio-Libanês e ex-Secretário da Saúde do Município de São Paulo -, comemora um dos maiores sucessos à frente do hospital, isto é, a assinatura dos acordos de cooperação científica com a Harvard Medical International, de Boston, e o Memorial Sloan Kettering Cancer Center, de Nova York.

No ano seguinte, o Sírio-Libanês inaugurou o moderno Centro de Oncologia em que um filho meu, o médico neurooncologista Dr. Rogério Tuma, tem a honra de trabalhar. O Centro surgiu para dar tratamento multidisciplinar aos pacientes. Envolve programas de Nutrição, Prevenção e Segunda Opinião. Os casos graves são avaliados e, se for necessário, discutidos com o corpo médico do Memorial Sloan Kettering Cancer Center.

Finalmente, em 1999, ainda sob a liderança do Dr. Cutait, o Sírio-Libanês concretizou outro projeto ambicioso, ou seja, a organização do serviço de Telemedicina, que serve ao Programa de Educação Continuada e de Segunda Opinião. No mesmo ano, o Banco de Sangue passou a ocupar novas instalações, com equipamentos de ponta que lhe permitem um sistema de coleta até então inédito no Brasil.

            Como cirurgião e professor, o Dr. Cutait criou importante escola cirúrgica, com incontáveis discípulos em todo o Brasil e no Exterior. Seus padrões de comportamento ético e moral, o espírito humanitário, a dedicação aos pacientes e à boa prática da medicina fizeram dele o que muitos colegas chamavam de uma “lenda viva”. Ele glorificou a medicina brasileira.

Mas, apesar de tudo, meu querido amigo se foi. O Daher Elias Cutait que aprendi a amar, admirar e respeitar por seus pensamentos e ações, não mais está entre nós. Poucos passamentos me comoveram tanto. Poucos também me deram tanta certeza de estar compartilhando minha dor com milhares de pessoas, gratas àquele proeminente amigo pelos motivos mais diversos, todos, porém, relacionados à maravilhosa figura de um Médico que transformou a própria vida em perfeito modelo da dedicação e solidariedade inseparáveis dessa profissão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, renovo meus sentimentos de pesar à família enlutada, especialmente à viúva, Srª Yvonne Cutait, a seus filhos - Drs. Raul, Luiz e Plínio -, às noras e aos netos, certo de que estou refletindo a tristeza reinante no Senado da República, onde vários de meus nobres Pares recuperaram a saúde por recorrer ao cabedal científico e técnico desse grande líder. Faço esta manifestação, portanto, para que o registro da obra do Dr. Daher Elias Cutait permaneça para sempre nos Anais desta Casa e, queira Deus, possa inspirar e servir de exemplo às gerações futuras.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/06/2001 - Página 13673