Discurso durante a 76ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

EXAME PELA COMISSÃO DE EDUCAÇÃO DO SENADO DO SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI DA CAMARA 105, DE 1996, QUE DISPÕE SOBRE A PREVENÇÃO, TRATAMENTO E CONTROLE DO TRAFICO ILICITO DE DROGAS QUE CAUSEM DEPENDENCIA.

Autor
Ricardo Santos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo Ferreira Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • EXAME PELA COMISSÃO DE EDUCAÇÃO DO SENADO DO SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI DA CAMARA 105, DE 1996, QUE DISPÕE SOBRE A PREVENÇÃO, TRATAMENTO E CONTROLE DO TRAFICO ILICITO DE DROGAS QUE CAUSEM DEPENDENCIA.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/2001 - Página 13789
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, SUBSTITUTIVO, PROJETO DE LEI, CAMARA DOS DEPUTADOS, APRECIAÇÃO, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, SENADO, APERFEIÇOAMENTO, NORMAS, PREVENÇÃO, TRATAMENTO MEDICO, CONTROLE, REPRESSÃO, ATO ILICITO, TRAFICO, DROGA, PROVOCAÇÃO, DEPENDENCIA FISICA, DEPENDENCIA PSIQUICA.

O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fazemos uso desta tribuna para comunicar que a Comissão de Educação do Senado Federal iniciou, neste último dia 19, terça-feira, a apreciação do Projeto de Lei da Câmara que dispõe sobre a prevenção, o tratamento, a fiscalização, o controle e a repressão ao tráfico ilícito de drogas que causem dependência física ou psíquica.

O referido Projeto encontra-se na Comissão de Educação desta Casa desde dezembro de 1998, e depois de um importante e extenso trabalho desenvolvido pelos ilustres Senadores Romeu Tuma, Lúcio Alcântara e Artur da Távola, foi possível chegar-se a um relatório-síntese, de nossa autoria, que inclui também contribuições de juristas e de especialistas na área de prevenção e controle do tráfico e uso indevido de drogas.

Inicialmente, deve-se reconhecer a importante e meritória contribuição do ilustre Deputado Elias Murad, médico e homem público, sensível aos problemas e decorrentes da fabricação, do tráfico e do consumo de substâncias entorpecentes e seus efeitos deletérios para a sociedade. O Deputado Elias Murad teve o mérito de estruturar o Projeto de Lei da Câmara nº 105, a partir do Projeto de Lei nº 1.873, de 1991, protocolado naquela Casa. Já se vão, portanto, praticamente dez anos, desde a primeira proposta, a proposta original, encaminhada à Câmara dos Deputados.

Esse tempo, longo com certeza, mostra o grau de complexidade do tema. Foi necessário para harmonizar e atender, nos dispositivos da nova proposta de diploma legal, diversas correntes de pensamento voltadas à repressão, ao controle do tráfico ilícito e ao uso indevido de substâncias entorpecentes que causem dependência física ou psíquica.

Às diferentes abordagens que envolvem o tema, não pode o legislador fazer transcender qualquer uma delas, senão avaliando problema sob a ótica sociocultural e consultando, primeiramente, o próprio sentimento dos usuários, em face de sua condição lamentável de doentes sociais.

De acordo com o relatório editado pelo Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas, estima-se que, no mundo todo, perto de 300 milhões de pessoas - equivalentes a 5% da população global - usem drogas ilícitas, com o conseqüente problema de expansão da AIDS e outras moléstias através das seringas compartilhadas, usadas em drogas injetáveis.

O tráfico ilegal de substâncias ilícitas, em todos os países do globo, segundo a mesma fonte, que movimenta algo em torno de US$450 bilhões por ano, é controlado em escala internacional por grupos igualmente envolvidos com a venda ilícita de armas e outras atividades criminosas, como a lavagem de dinheiro, a corrupção, o contrabando, o terrorismo e a prostituição.

Trata-se, portanto, nos dias atuais, de um problema estrutural, envolvendo grande volume de dinheiro e agentes na cadeia de produção, intermediação financeira e distribuição, exigindo dos governos enorme esforço de mobilização de recursos e meios para a repressão à produção, ao tráfico ilícito e às organizações criminosas que o dominam, além do tratamento dos usuários e da reinserção dos recuperados, cujos gastos públicos, em escala mundial, representam cerca de US$120 bilhões por ano.

Documento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil deixa claro que todos somos vítimas deste “mundo das drogas”:

Nosso País, nosso Estado, nosso município e, provavelmente, até nosso bairro e edifício está conectado a esse vasto sistema das drogas. Ao contrário da imagem corrente do “mundo das drogas” como um mundo à parte, freqüentado apenas por marginais e pessoas desclassificadas, são muitos os fios de conexão entre o sistema das drogas e a sociedade em geral (...) O sistema das drogas causa muito mais vítimas do que parece à primeira vista. Não apenas o tóxico-dependente, mas de algum modo, todos somos vítimas de sua ação anti-social.

Infelizmente, há uma constatação trágica na repressão à cadeia sistêmica das drogas: enquanto os poderosos chefes do narcotráfico dispõem de muitos meios para escapar da repressão policial, inclusive “lavando dinheiro” para dar aparência de negócio legal, os pequenos agentes do tráfico e os usuários de drogas, em sua maioria jovens, acabam atrás das grades, ou mortos nos becos periféricos.

Em nosso País, não é conhecido o volume exato do consumo de drogas ilícitas. Mas o custo econômico do uso indevido de todas as drogas, lícitas e ilícitas, dão uma razoável dimensão do problema. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de US$28 bilhões ao ano são gastos em função da perda de produtividade e de mortes prematuras em decorrência do uso de todas as drogas.

Informações do Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas expõe que, de 1993 a 1997, o número de internos na rede pública de saúde (SUS), em decorrência da dependência de drogas, triplicou. Os gastos, no mesmo período, evoluíram de US$900 mil para US$3 milhões. Segundo dados do Cebrid - Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas, de 1987 a 1997, cresceu sete vezes o uso freqüente de cocaína, e quatro vezes o uso de maconha entre estudantes de escolas públicas de Primeiro e Segundo Graus. Dos mais de 15 mil jovens entrevistados pela pesquisa do Cebrid, 24,7%, já haviam experimentado drogas (afora o álcool e o tabaco). No nível universitário, os índices de consumo têm-se mostrado mais elevados. Pesquisa desenvolvida pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas da Universidade de São Paulo, em 1997, mostrou que 38,1% de seus alunos já usavam ou já haviam usado drogas, por pelo menos uma vez, excetuando álcool e tabaco.

Indicador particularmente grave do esgarçamento do tecido social refere-se ao aumento da violência e da criminalidade, em grande parte por decorrência do uso de drogas. De 1989 a 1998 os homicídios, no Brasil, aumentaram de 20,2 para 25,9 por 100 mil habitantes. Mais impressionante é o fato de que esse índice sobe de 35,9 para 47,4, no mesmo período (1989 a 1998), entre os jovens de 15 a 24 anos, tornando-se a principal causa mortis nesse grupo etário.

É nesse quadro de degradação e transnacionalização da cadeia sistêmica de drogas ilícitas que se impõe a necessidade de um novo diploma legal. A filosofia maniqueísta - traçada há mais de 20 anos por intermédio da Lei nº 6.368, de 1976 - já não atende ao objetivo de oferecer tratamento social, e não criminológico, ao dependente de substâncias ilícitas. Neste mesmo sentido, novos dispositivos legais fazem-se necessários para dar tratamento específico à “lavagem” de dinheiro e aos bens apreendidos no narcotráfico. Em síntese, numa comparação sumária entre o substitutivo que estamos submetendo à apreciação da Comissão de Educação e a Lei nº 6.368, as alterações de fundo são as seguintes:

-     o substitutivo apresenta um considerável aumento de pena para a formação de quadrilha, isto é, para quem “promove, funda ou financia grupos, organizações ou associações de três ou mais pessoas que, atuando em conjunto, pratiquem, reiteradamente ou não, os crimes” relacionados ao tráfico ilícito de drogas. A apenação, que antes variava da reclusão de 3 a 10 anos, passa agora para 8 a 15 anos;

-     a nova lei, visando dar resposta à norma ultrapassada, prevê, agora, a tipificação do crime de “lavagem” de dinheiro e de ocultação de bens provenientes do tráfico, relacionando penas que variam de 2 a 8 anos de reclusão, assunto este não abarcado pela legislação anterior;

-     altera-se, também, a qualificação do agente usuário, que passa a ser tratado como um enfermo social; se fôssemos seguir a velha norma de 1976, teríamos hoje de aprisionar milhões de pessoas, quaisquer que fossem as conseqüências dessas prisões, sem distinguir o dependente do traficante. Pelo novo ordenamento jurídico, o usuário - em vez de pena restritiva de liberdade - sofre a aplicação de medidas educativas e de segurança; adicionalmente, o tratamento passa a contar com maior envolvimento da família, que se torna parte ativa no processo de recuperação do dependente, em vez da pura e simples internação obrigatória prevista na legislação anterior.

            O substitutivo ao Projeto de Lei da Câmara nº 105/96, que apresentamos à Comissão de Educação, contém aperfeiçoamentos que vêm sendo incorporados desde o projeto original do Deputado Elias Murad, com a efetiva contribuição da sociedade brasileira, por vertentes variadas.

A colaboração de diversas entidades e do próprio corpo social brasileiro deve-se ao incansável trabalho do eminente Senador Romeu Tuma, que provocou a manifestação da Magistratura, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e logrou obter sugestões da Secretaria Nacional Antidrogas, da Polícia Federal, de Conselhos de Juristas Católicos dos Estados do Sul do Brasil e de pensadores pertencentes a correntes variadas, entidades de natureza filantrópica, médica e de assistência social, enfim, de todos aqueles que têm interesse no tema e mostram-se solidários e empenhados em que o Congresso Nacional alcance o melhor texto de lei, de eficácia plena e assentado na realidade.

De grande valia, igualmente, foi o trabalho do nobre Senador Lúcio Alcântara, que apresentou substitutivo ao projeto original com o objetivo de oferecer tratamento social, e não criminológico, ao dependente de substâncias ilícitas - filosofia traçada há mais de 20 anos por intermédio da Lei n° 6.368, de 1976. Foi o Senador Lúcio Alcântara que procurou conhecer as reivindicações das entidades sociais antes referidas e, principalmente, buscou associar os interesses manifestados por diversas fontes, por mais que se apresentassem discrepantes.

Mas é mister declararmos que não podem ser assentadas, integral e pacificamente, todas as vertentes. Há segmentos que cobram do Estado resposta processual imediata. Contrariamente, há os que desejam que o mesmo Estado manifeste-se mais lentamente, mas com maior certeza. Grupos há que pedem o sobrestamento do processo judicial até que o dependente se recupere inteiramente e seja inserido no processo econômico produtivo; outros, ainda, em oposição àqueles, pretendem o arquivamento dos autos e a redução do enfoque sobre a saúde dos dependentes.

Diante desse quadro, em que muitos interesses são legitimamente debatidos, cada por suas próprias razões e circunstâncias, quando o tema esteve sob a relatoria do eminente Senador Artur da Távola, o Senado Federal, por mediação da Comissão de Educação, houve por bem realizar audiência pública para aferir a intensidade de cada um desses valores.

Cabe-nos ainda registrar, no âmbito das contribuições ao projeto de lei, o conhecimento, a dedicação e a eficiência do Consultor Legislativo desta Casa, Dr. Fernando Arruda Moura, que não poupou esforços para harmonizar e sistematizar as sugestões apresentadas ao projeto. Seu papel foi também importante na estruturação do texto, segundo a mais apurada técnica legislativa.

Srªs e Srs. Senadores, não poderíamos concluir nosso pronunciamento sem destacar o papel da escola e da família, por tudo o que representam na formação da personalidade dos jovens. A instituição escolar, voltada predominantemente para a educação de crianças e jovens, pode e deve transferir valores a seus alunos, em uma fase fundamental de formação de sua personalidade. Não podemos nunca nos esquecer que jovens oriundos de famílias desestruturadas freqüentemente adotam os valores apreendidos na escola e o exemplo de professores, como figuras substitutivas dos pais desejados.

Não raro, o dependente de drogas interrompe as perspectivas de um sonho de convivência pacífica, harmoniosa e construtiva no seio familiar. Mas é necessário também levar em conta que a família constitui-se no principal abrigo para o dependente, que teve a desventura de sucumbir aos apelos das drogas.

É dentro desse contexto que consideramos a apreciação do Projeto de Lei da Câmara nº 105/96, através do substitutivo que estamos encaminhando, que deverá ser uma contribuição relevante do Congresso Nacional à prevenção, ao tratamento, à fiscalização, ao controle e à repressão ao tráfico ilícito de drogas que causem dependência física e psíquica, neste ano em que as ações ecumênicas das igrejas cristãs são especialmente dirigidas à questão das drogas, com destaque para a Campanha da Fraternidade da CNBB, cujo lema é: “VIDA SIM, DROGAS NÃO”.

Nesse sentido, e tendo em vista a dimensão social do problema das drogas em nosso País, julgamos ser da mais alta prioridade a aprovação, em breve tempo, de um novo diploma legal que contemple as exigências da sociedade brasileira e que possa - de maneira mais eficaz - controlar e diminuir esse flagelo que vitima enorme contingente de brasileiros, em especial os jovens, e que afeta a harmonia e a convivência familiar em milhares de lares em nosso País.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/2001 - Página 13789