Discurso durante a 76ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A REALIZAÇÃO DA TERCEIRA SEMANA NACIONAL ANTIDROGAS, COM O OBJETIVO DE MOBILIZAÇÃO NACIONAL CONTRA O NARCOTRAFICO.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A REALIZAÇÃO DA TERCEIRA SEMANA NACIONAL ANTIDROGAS, COM O OBJETIVO DE MOBILIZAÇÃO NACIONAL CONTRA O NARCOTRAFICO.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/2001 - Página 13797
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, SUPERIORIDADE, QUANTIDADE, ENTORPECENTE, APREENSÃO, POLICIA FEDERAL, OBJETO, INCINERAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REPRESENTAÇÃO, SIMBOLO, LUTA, GOVERNO BRASILEIRO, COMBATE, DROGA.
  • COMENTARIO, INICIATIVA, GOVERNO, REALIZAÇÃO, SEMANA, AMBITO NACIONAL, OBJETIVO, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, COMBATE, TRAFICO, DROGA.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, ORADOR, POLICIA FEDERAL, SENADO, COMBATE, TRAFICO, DROGA.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, TRAFICO, DROGA, MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, BRASIL.
  • IMPORTANCIA, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PROJETO DE LEI, RENOVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, ENTORPECENTE.

O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,...

 

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo deu início ontem à terceira Semana Nacional Antidrogas com o objetivo de obter mobilização nacional contra o narcotráfico. O programa terminará dia 26 com a queima de 160 toneladas de entorpecentes pela Polícia Federal, na cidade de Cubatão, em meu Estado, coincidindo com a data escolhida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Dia Internacional contra o Uso e o Tráfico de Drogas.

No último dia 19, o Exmo. Presidente Fernando Henrique Cardoso entregou prêmios aos estudantes vencedores do concurso relativo ao tema, lançado pela Secretaria Nacional Antidrogas no ano passado e que atingiu expressivo número de inscrições ou seja: 1.661 cartazes, 871 cartas de mais de 600 escolas de todo o país e 218 vídeos. Nessa cerimônia, foi anunciado que deverá ser feita uma pesquisa estatística domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas em 90 cidades brasileiras. Através dessa pesquisa, poderemos conhecer as dimensões realmente necessárias para o sucesso de qualquer programa preventivo em larga escala.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a denúncia da inexistência de pesquisa domiciliar desse tipo, em bases científicas, exceto nas cidades com mais de 200 mil habitantes no Estado de São Paulo, foi um dos principais aspectos da palestra que proferi dia 11 do corrente mês, em um simpósio sobre drogas promovido em São Caetano do Sul pelo Diário do Grande ABC, considerado o maior jornal regional do País. Parece que, finalmente, poderemos dispor de tais dados em futuro próximo.

Toda a minha vida pública, quer como membro da Polícia, quer como Senador da República, sempre teve relação direta ou indireta com o combate ao narcotráfico. Na Polícia Federal, particularmente, pude sentir a angústia de ser comandante numa guerra em que o outro lado dispõe de recursos financeiros incalculáveis, dos quais não precisa prestar contas a ninguém. Uma guerra em que o Estado democrático de direito se defronta com organizações criminosas internacionais, capazes até de corromper governos no mais alto nível.

Há, entre especialistas dos mais importantes sistemas governamentais de combate às drogas ilícitas em todo o mundo, como a DEA, o FBI e a Interpol, consenso de que o crime organizado transnacional movimenta, anualmente, cerca de 500 bilhões de dólares, volume de dinheiro igual ao do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. A maior parte desses dólares corresponde ao que é faturado pelo narcotráfico. Conforme se depreende das conclusões de algumas comissões parlamentares de inquérito (CPIs) federais, principalmente a dos Precatórios e a do Narcotráfico, mais de 50 bilhões de dólares dos traficantes e organizações dedicadas a outros crimes graves são “lavados” por ano no sistema financeiro brasileiro.

É bastante significativo o Sr. Ronald K. Noble, professor de Direito da Universidade de Nova York, primeiro Subsecretário do Tesouro dos Estados Unidos para Assuntos Criminais e recém-eleito Secretário-Geral da Interpol, a mais antiga e respeitada organização internacional de polícia criminal, ter juntado sua voz à dos que, como eu, procuram alertar para o imenso perigo do narcotráfico. Há dois meses, na Suécia, ele afirmou:

O mundo precisa adquirir plena consciência do perigo fundamental representado pelo tráfico de drogas. O narcotráfico internacional ameaça não apenas a vida de dezenas de milhões de jovens usuários. De fato, ele põe em risco o bem-estar e a segurança de todos os cidadãos. Observando a enorme riqueza acumulada por essas organizações criminosas e as suas grandes operações de “lavagem” de dinheiro, devemos reconhecer seu potencial para corromper e destruir nossos sistemas de instituições livres e democráticas, governos e, finalmente, se constituir em grave ameaça ao princípio da própria democracia.

            No Brasil, já existe consciência dessa ameaça. Quem o diz não somos nós, mas sim governos de nações estrangeiras, como os Estados Unidos da América, por exemplo.

            O Departamento de Estado dos EUA é obrigado por lei a produzir anualmente um Relatório sobre o Controle de Narcóticos. Esse documento fundamenta uma manifestação que, também por obrigação legal, o Presidente norte-americano precisa submeter ao Congresso no dia 1º de novembro de cada ano para certificar quais países devem receber ou continuar recebendo assistência daquela superpotência. Metade da ajuda de vários tipos, reservada pelos EUA aos países em geral, só pode ser liberada após esse procedimento. Concedida a autorização pelo Congresso, o Relatório irá fundamentar depois, no dia 1º de março, uma certificação plena ou parcial que o Presidente norte-americano formalizará. Caso um país não receba o certificado, muita assistência estrangeira lhe será cortada, inclusive se provier de aliados dos EUA, como Inglaterra, Canadá, Austrália etc. Além disso, os Estados Unidos têm que votar contra a concessão de fundos a esse país por seis bancos internacionais de desenvolvimento. Trata-se, portanto, de um dos principais instrumentos de pressão para os EUA poderem alinhar outras nações à sua política de combate ao narcotráfico, sob a ótica de acordos e tratados celebrados principalmente através da ONU.

O último Relatório sobre o Controle de Narcóticos apresentado pelo Departamento de Estado ao Presidente norte-americano, em 2000, e seus complementos posteriores dizem taxativamente que a mira da política governamental brasileira está assestada contra o narcotráfico e a corrupção dele proveniente.

O Brasil não tolera, encoraja ou facilita a produção, o armazenamento ou distribuição de drogas ilícitas ou a “lavagem” de dinheiro do narcotráfico. Em dezembro de 2000, a comissão de inspeção do Congresso contra a corrupção indiciou 827 pessoas, inclusive diversos políticos estaduais e municipais, além de oficiais reformados.” - ressalta a documentação utilizada pelo Chefe de Estado norte-americano em março último.

            De fato, a CPI do Narcotráfico indiciou dois deputados federais, quatorze estaduais e seis desembargadores, além de prefeitos, delegados de Polícia, outros policiais civis, militares e empresários. Entre os apontados, figura o general paraguaio Lino Oviedo, acusado de tráfico internacional de drogas e de armas, além de crime de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A sorte desses indivíduos está nas mãos da Justiça.

O trabalho da CPI serviu também para mostrar a dificuldade em se diferençar pequenos, médios e grandes traficantes, como ficou claro no caso de Fernandinho Beira-Mar, hoje encarcerado na Polícia Federal, depois de capturado em território colombiano durante operações militares contra a organização guerrilheira Forças Armadas da Colômbia (Farc). Serviu também para desvendar conexões de narcotráfico com a África, o Suriname e o Paraguai. Finalmente, apontou outras íntimas correlações do tráfico de psicotrópicos, o que resultou na constituição de uma comissão parlamentar de inquérito exclusivamente sobre o roubo de cargas. Esta CPI mista, que tenho a honra de presidir, está em plena ação e apresentará suas conclusões até o final deste ano.

A imagem do Brasil como país intolerante relativamente ao tráfico de tóxicos cresce quando se toma conhecimento do expressivo número de acordos e tratados dos quais somos signatários, inclusive alguns dos quais fui relator nesta Casa. Por exemplo, em 1991, tornamo-nos parte da Convenção de Drogas das Nações Unidas, celebrada em 1988. Há acordos bilaterais entre o Brasil e os Estados Unidos, com base nessa Convenção. Da mesma forma, mantemos acordos com nossos vizinhos sul-americanos, diversos países europeus e a África do Sul. Participamos de organismos antidrogas multilaterais, como a UNDCP - órgão da ONU destinado à ação internacional - e a ”Antidrug Abuse Control Commission” (OAS/CICAD; Comissão Controladora Antidrogas de Abuso ou Comissão de Controle e Combate ao Abuso de Drogas), da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Em dezembro de 2000, assinamos a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional e seus protocolos. Possuímos um acordo bilateral e um memorando de entendimento (MOU) com os EUA, destinados à cooperação antitóxicos. Um tratado bilateral de assistência legal mútua (MLAT), subscrito em outubro de 1997 e ratificado pelo Congresso brasileiro em dezembro de 2000, nos une ainda mais aos Estados Unidos no combate ao narcotráfico, ao crime organizado e a outros tipos de delitos graves.

Em 1999, por decreto legislativo, o Congresso Nacional aprovou o texto do Acordo de Cooperação para Impedir o Uso Ilegal de Precursores e Substâncias Químicas Essenciais para o Processamento de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, celebrado entre o Governo brasileiro e o Governo da República da Colômbia, em Cartagena de Índias, dois anos antes.

O Brasil colabora, há décadas, com diversos países na extradição de não brasileiros procurados por tráfico de entorpecentes. Com os Estados Unidos, que continuam a ser o maior alvo do narcotráfico internacional, mantemos um tratado de extradição bilateral desde 1961. Mas, por determinação de nossa Constituição, além dos criminosos estrangeiros, somente podemos extraditar brasileiros naturalizados acusados da autoria de crime comum cometido antes da naturalização ou quando está provada sua participação em narcotráfico.

            Todavia, apesar de haver conquistado o reconhecimento internacional por seus esforços no combate às drogas, o Brasil continua na lista dos 24 países lançados à vala comum dos “maiores produtores de droga e/ou países de trânsito de drogas no mundo”. Ou seja, ficou em pé de igualdade com grandes produtores de drogas ilícitas como Afganistão, Laos, Tailândia, Vietnã, Colômbia, Peru e Bolívia, no relato feito pelo Presidente dos Estados Unidos ao Congresso estadunidense, em novembro último.

Também figura, ao lado dos EUA, Alemanha, Argentina, China, Índia, México e Nova Zelândia, na lista das “maiores fontes de produtos químicos precursores ou essenciais, utilizados na produção de narcóticos ilícitos”. E, igualmente, vamos vê-lo entre os 52 “países ou áreas jurisdicionais em que instituições financeiras movimentam, em transações monetárias, significativas quantias procedentes do tráfico internacional de narcóticos ou outras importantes atividades criminosas”.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, o macrocombate às drogas ilícitas implica atacá-las em três frentes: a produção, o tráfico e o consumo. É óbvio que, na contrapartida dos recursos à disposição do tráfico transnacional, os custos das batalhas nessas três frentes devam atingir a casa dos bilhões de dólares. Isso acontece, realmente, em termos internacionais. Mas, em termos nacionais, os recursos financeiros disponíveis deixam muito a desejar. São exíguos e impedem, por exemplo, o País de ter estatísticas em bases cientificamente confiáveis para poder realizar ações preventivas realmente eficazes. E a prevenção, como todos sabem, é um meio realmente válido para pressionar o tráfico num ponto vulnerável, que é a redução da demanda no mercado consumidor.

A prevenção exibe sua poderosa face quando descobrimos, por exemplo, o que aconteceu nos Estados Unidos, onde, segundo o boletim “NIDA Notes" n.° 1 de 2000, do Governo, “houve redução do consumo de ‘crack’ pelos estudantes de 8.° e 10.° graus, invertendo um aumento de consumo que vinha sendo notado nos últimos anos; houve redução no uso de anfetaminas sob a forma de cristais (‘ice’) entre os estudantes do 12.° grau, atingindo o mais baixo nível de consumo em 5 anos”. Essa redução foi obtida principalmente por meio de campanhas preventivas dirigidas a esses adolescentes. No Brasil, entretanto, as coisas caminham em outro sentido.

Por sua vez, a repressão aos traficantes continua a ressentir-se da debilidade - principalmente financeira - dos programas de proteção a vítimas e testemunhas, tanto no âmbito da União, como dos Estados. E, ainda no campo da prevenção, o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, um dos mais conceituados órgãos do gênero no mundo, deu-nos notícia, em março último, de um exemplo verdadeiramente preocupante.

Em seu Boletim n.° 40, a entidade revelou que “submeteu pedido de verba para o Projeto de Pesquisa intitulado ‘I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas nas 92 Maiores Cidades do País’ em 1997, a 3 instituições para viabilizar o financiamento: 25% solicitado à FAPESP, 25% ao CNPq e os restantes 50% ao CONFEN e posteriormente à SENAD (Secretaria Nacional Antidrogas).” E disse mais:

A FAPESP concedeu parecer positivo em 30 de Julho de 1998. A resposta do CNPq ao nosso pedido foi negativa devido a ausência de verbas, embora ressaltasse o mérito do estudo. A SENAD aprovou o projeto (14/09/1999), mas não acenou com qualquer possibilidade para financiar a parte que lhe cabia.

A pesquisa foi planejada com abrangência nacional para “colher informações em âmbito domiciliar, através de uma amostra de conglomerados estratificada probabilística e autoponderada, obtida através de dois estágios de seleção; num primeiro estágio, em cada município da amostra, foram selecionados os setores censitários e no segundo estágio, os domicílios. Em cada domicílio, foi sorteado um respondente para prestar informações a seu respeito.”

Mas, a insuficiência de verbas restringiu a pesquisa ao Estado de São Paulo, onde alcançou as 24 cidades com mais de 200 mil habitantes. Essas cidades somam 19.389.903 habitantes, correspondendo a 58,4% da população total do Estado. A faixa etária escolhida foi de 12 a 65 anos de idade. O Cebrid utilizou o questionário do SAMHSA (“Substance Abuse and Mental Health Services Administration - USA” isto é, Administração das Substâncias de Abuso e dos Serviços de Saúde Mental, dos Estados Unidos da América) traduzido e adaptado para as condições brasileiras.

Eis os principais resultados:

1 - O uso na vida de qualquer droga psicotrópica, exceto álcool e tabaco, foi de 11,6%, porcentagem próxima ao Chile, superior à Colômbia e muito inferior aos EUA (34,8%). “2 - O álcool e o tabaco foram as drogas com maiores prevalências de uso na vida, com 53,2% e 39,0%, respectivamente. Quanto às estimativas de dependentes de álcool as porcentagens estiveram ao redor dos 6%, valores próximos aos observados em estudos de outros países e 9,3% estavam dependentes de tabaco.

“3 - A maconha foi, entre as drogas ilícitas, a que teve maior uso na vida (5,6%), porém com porcentagens muito inferiores ao observado, por exemplo, no Chile, EUA, Dinamarca, Espanha e Reino Unido.

“4 - A prevalência do uso na vida de cocaína (1,7%) no Estado de São Paulo está bem próxima a de alguns países da América do Sul como Chile e Colômbia, além de Holanda e Dinamarca; porém é bem inferior à prevalência dos EUA.

“5 - Não houve nenhum relato do uso de heroína, ao contrário do que a mídia tem veiculado nos últimos tempos.

“6 - A percepção da população quanto à facilidade em se conseguir certas drogas foi surpreendentemente alta. Por exemplo: 62,4% dos entrevistados acreditam ser fácil conseguir a cocaína; para o LSD a porcentagem foi de 36,2%.

“7 - A percepção em relação ao tráfico de drogas apresentou porcentagens elevadas, já que cerca de 20% diz ter visto alguém vendendo ou procurando comprar drogas. Porém quando a questão diz respeito diretamente ao entrevistado como por exemplo ao ser perguntado se já tinha sido procurado por um traficante oferecendo-lhe drogas, apenas 3,6% do total respondeu afirmativamente.

“8 - Quanto à percepção de ter visto alguém embriagado ou sob efeito de drogas, cerca de 50% da população respondeu afirmativamente a esta questão.

“9 - Quase a totalidade da população considerou um risco grave para a saúde o uso diário de qualquer das quatro drogas pesquisadas quanto a este aspecto (álcool, maconha, cocaína e "crack").”

“Pode-se concluir que pesquisas deste tipo são importantes para a implantação de programas de prevenção adequados sobre o uso de drogas em nossa população e, infelizmente, por motivos alheios à nossa vontade, não foi possível traçar o perfil do uso de drogas na população brasileira, pelo menos por enquanto” - conforme enfatizaram os pesquisadores.

            No continente americano, em termos de preocupação social e governamental, a cocaína continua a ocupar a posição de maior destaque, seguida da maconha - o psicotrópico ilícito ainda mais consumido no mundo - e da heroína, agora produzida também na Colômbia, México e Guatemala, mas em menor escala que a do alcalóide da coca.

Em conseqüência do valor da moeda - o dólar - e do tamanho do mercado consumidor norte-americano, a maior parte dessa cocaína e heroína destina-se ao contrabando para os Estados Unidos. Sendo o mais rico e maior alvo, é esse o país que pode e deve destinar, como destina, o maior volume de recursos à guerra internacional aos narcotraficantes. O NIDA (“National Institut on Drug Abuse” - Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas) pertencente ao “U.S. Department of Health and Human Services” (Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos ou Departamento de Serviços Humanos e de Saúde dos Estados Unidos, equivalente ao nosso Ministério da Saúde) calcula em cerca de 100 bilhões de dólares por ano o custo social do abuso de drogas naquele país, nele incluído o tratamento médico e hospitalar de drogados e os prejuízos causados às relações de trabalho e educação.

A participação mais ativa nessa guerra está reservada à DEA (“Drug Enforcement Administration”, isto é, Administração do Combate Policial às Drogas ou Administração da Repressão às Drogas, dos Estados Unidos), que encabeça o sistema repressivo norte-americano antidrogas. A estratégia estadunidense confere oficialmente à DEA a seguinte atribuição:

“A preeminente responsabilidade da DEA é reduzir e minimizar ao máximo o impacto imposto a nossa nação pela drogas ilícitas. Toda a cocaína e heroína, assim como parte da maconha e outras drogas perigosas, são produzidas fora dos Estados Unidos. Estas drogas ilícitas são contrabandeadas de países-fontes, usualmente através de outros países, para os Estados Unidos. Portanto, a redução da disponibilidade de drogas ilícitas nos Estados Unidos requer uma poderosa estratégia internacional antinarcóticos. Em cooperação e coordenação com outras nações, da mesma forma que com outras agências dos Estados Unidos, a DEA luta para suprimir a produção de drogas ilícitas; interromper a disponibilidade dessas drogas na cadeia de distribuição; prender e processar os envolvidos em todas as facetas do tráfico; e apreender seus lucros e bens. A contribuição primária da DEA à implementação de nossa estratégia internacional antinarcóticos consuma-se por meio dos 77 escritórios que mantém em 57 países pelo mundo.”

Os cartéis colombianos possuem, hoje, notáveis níveis de eficiência na extração de hidrocloridrato de cocaína das folhas de coca. Levantamentos da DEA indicam que, com isso, só esses cartéis conseguiram produzir 580 toneladas métricas de cocaína (pó e pasta) no ano passado, isto é, 580 mil quilos da droga!

No mesmo período, os traficantes peruanos teriam produzido 145 toneladas e os bolivianos, 43 toneladas. Portanto, em 2000, os três países sul-americanos podem ter colocado no mercado consumidor o total de 768 toneladas de cocaína em pasta ou refinada. Isso significa faturamento de, no mínimo, 20 bilhões de dólares em apenas um ano.

Tais dados coincidem com as pesquisas realizadas pela Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD), pertencente à Organização dos Estados Americanos (OEA) e responsável por outra descoberta alarmante: o grande incremento no tráfico de drogas sintéticas - anfetaminas, metanfetaminas, benzodiazepinas e outras, como o “êxtase” e o LSD - entre 1997 e 1999, em todo o continente americano. O CICAD detectou também aumento de 32% no consumo de maconha no mesmo período. E, como se sabe, a maconha é geralmente porta de entrada para o uso de drogas pesadas.

Há um crescente fator - a questão política - a dificultar o combate ao narcotráfico internacional desde que, há mais de vinte anos, um cartel da Colômbia proclamou a cocaína como “a bomba atômica branca da América Latina contra os Estados Unidos”. Em época mais recente, organizações guerrilheiras colombianas demonstraram a atualidade desse esdrúxulo conceito, quando passaram a dar proteção aos narcotraficantes.

Na Colômbia, a “indústria” e o “comércio” clandestinos de entorpecentes aliaram-se a partidos de oposição interessados em desestabilizar o país para tomar o poder. Essa aliança - chamada “narcopolítica” - robusteceu-se nos últimos cinco anos, diante da vulnerabilidade dos fornecedores de folhas e pasta de coca peruanos e bolivianos demonstrada na década passada, quando se transformaram em alvo de intensa repressão policial-militar, com a participação dos Estados Unidos. O preço da arroba de folhas de coca, isto é, 11,5 quilos, chegou a saltar de 5 para 30 dólares em poucos meses. Assim, os cartéis decidiram transferir grande parte do cultivo para a região colombiana controlada pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), o mais antigo movimento guerrilheiro daquele país, com ações registradas já em 1961.

As Farc e seus inimigos - as Unidades de Autodefesa da Colômbia (UAC) - recebem “impostos” dos narcotraficantes para lhes garantir segurança e impunidade. Por isso, os cartéis continuam a acumular enormes lucros e o dinheiro entregue aos guerrilheiros é por eles empregado na compra de armas, munições e outros suprimentos bélicos.

As Farc alimentam poderoso “lobby” internacional. Chegaram a instalar, em 1999, uma “representação diplomática informal” em Brasília, designando um de seus comandantes, Hernan Ramirez, de 56 anos de idade, como “embaixador”. Além disso, mantêm no Brasil, há cinco anos, Olivério Medina como representante de sua Comissão Internacional.

Hoje, o narcotráfico é parte integrante da guerra civil colombiana. Por isso, a ajuda de todo tipo que os Estados Unidos prestam à Colômbia enfrenta atualmente, talvez, seu maior desafio: como dar combate ao tráfico sem exacerbar o conflito local, que pode ameaçar a estabilidade regional? Esse aspecto do problema parece estar causando muita preocupação ao governo norte-americano. Há no Caribe e América Central quem veja - e até tente fomentar - a possibilidade de a Colômbia transformar-se num “Vietnã latino-americano”, como já queria o maior cartel de drogas colombiano de 20 anos atrás.

A situação é tão alarmante que, em julho do ano passado, os EUA criaram um “pacotaço” de assistência ao projeto governamental colombiano chamado “Plano Colômbia”. No total, foram destinados à Colômbia 1 bilhão e 300 milhões de dólares. Segundo a dotação orçamentária aprovada pelo Congresso norte-americano, esse dinheiro servirá “aos esforços governamentais colombianos no combate ao narcotráfico, no incremento da imposição da lei, na proteção dos direitos humanos, na expansão do desenvolvimento econômico, na reforma do sistema judiciário e na promoção da paz.” Além dessa ajuda, os EUA continuarão a promover os demais programas antinarcóticos que já realizavam na Colômbia, com a significativa aplicação de mais 330 milhões de dólares.

O foco geográfico inicial do “Plano Colômbia” é o departamento (estado) de Putumayo, no sul colombiano, onde se localizam as maiores plantações de coca e papoula e operam em maior número os grupos insurretos mais poderosos. Ali, os norte-americanos estão proporcionando suporte direto a projetos de desenvolvimento alternativo, como a substituição pacífica do plantio de coca e papoula. Mas, os lavradores que aderem à substituição correm o risco de extermínio, como se tem visto pelas monstruosas chacinas dos últimos tempos.

A polícia e as forças armadas colombianas estão recebendo equipamentos, treinamento e assistência técnica para aumentar a capacidade de erradicação de plantações ilícitas e de operar contra os narcotraficantes. Essa ajuda compreende ainda o treinamento e equipamento de uma Brigada Antinarcóticos, com 2.900 integrantes. O segundo batalhão dessa Brigada completou o treinamento em dezembro de 2000 e já se tornou operacional, ao lado do primeiro batalhão, que se encontra em atividade desde 1999.

Apesar de toda a movimentação policial e militar, foram detectadas novas plantações clandestinas no ano passado, em áreas sob domínio de outro movimento guerrilheiro, menor que as Farc e autodenominado de Exército de Libertação Nacional (ELN). O fato é que, no território colombiano, a virada do século registrou um aumento de 11% nas áreas de cultivo, hoje abrangentes de 136.200 hectares, apesar de todas as autênticas operações de guerra desencadeadas contra o narcotráfico e as organizações guerrilheiras que lhe dão apoio.

Enquanto isso, nas regiões andinas do Peru e Bolívia, continuam as ações apoiadas pelos EUA para erradicar ou, pelo menos, diminuir as áreas de cultivo. Dá-se ênfase à substituição da coca por café, cacau e outros produtos agrícolas, sob o nome de Desenvolvimento Alternativo. A reunião inaugural do Comitê Andino para o Desenvolvimento Alternativo aconteceu em Lima, há um ano. No final de 2000, as plantações de coca andinas permaneciam no mesmo patamar em que estavam desde 1998 e 1999, quando diminuíram drasticamente. Na época, só no Peru, a queda foi de 26%, mas a um custo respeitável: em um mês - agosto de 1999 -, os EUA desembolsaram 52 milhões de dólares como, apenas, uma parcela dos programas de ajuda.

As ações antidroga naqueles países andinos parecem estar obtendo mais êxito do que na Colômbia, pois, no ano passado, o aumento das áreas de plantio ficou em menos de 2%. As plantações continuam a ocupar entre 183.000 e 185.000 hectares dos solos peruano e boliviano. 

Mas, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, e aqui entre nós, os brasileiros, como anda essa situação infernal?

Principalmente nas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, o tráfico doméstico vem aumentando ano a ano, da mesma forma que a “lavagem” de dinheiro, tipificada como crime desde 1998. A partir de 1999, todas as entidades financeiras - e até joalherias - devem manter registro e comunicar ao governo quaisquer operações suspeitas de “lavagem”. Por conta das comunicações feitas no ano passado, diversas contas bancárias e bens foram bloqueados pela justiça.

No Rio, a ênfase do tráfico ainda está na cocaína em pó. Em São Paulo, ainda é do “crack”, a pior forma do alcalóide: pedras para fumar, obtidas mediante tratamento da pasta de coca ou do cloridrato com bicarbonato de sódio. De qualquer forma, o narcotráfico continua intimamente relacionado, como não poderia deixar de ser, com a criminalidade violenta e seu irmão gêmeo, o tráfico de armas.

Realmente, continuamos a ser país de trânsito da droga refinada ou em pasta que segue para os Estados Unidos e Europa, bem como da matéria-prima despachada dos países andinos para os laboratórios colombianos. Além disso, somos grande produtor de precursores químicos essenciais ao refino da cocaína. Entretanto, a simples existência de algumas plantações de epadu - a “coca” brasileira -, em meio à floresta amazônica, e de maconha, no Nordeste, não pode equiparar-nos aos países produtores, como Colômbia, Peru e Bolívia, no caso da cocaína, e Paraguai, no da maconha.

Ainda quanto aos produtos químicos controlados, a legislação brasileira atribui sua fiscalização ao DPF e obriga as empresas do ramo a registrar e comunicar a produção, transporte, armazenamento e comercialização de 11 tipos considerados precursores. Outros 24 produtos também poderão entrar na relação dos controlados, em breve. A legislação nacional nesse campo adquiriu maior importância prática quando, em 1999, por decreto legislativo, o Congresso Nacional brasileiro aprovou o texto do Acordo de Cooperação para Impedir o Uso Ilegal de Precursores e Substâncias Químicas Essenciais para o Processamento de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, celebrado entre o Governo brasileiro e o Governo da República da Colômbia, em Cartagena de Índias, dois anos antes.

A repressão da Polícia Federal aos traficantes desdobra-se nas ações das polícias estaduais com ela conveniadas para executar esse trabalho. Mas, ainda não há estatística do que foi apreendido pelos Estados no ano de 2000. Por sua conta, a Polícia Federal realizou 1.240 prisões de narcotraficantes e apreendeu 4 toneladas métricas de cocaína, além de 125 toneladas de maconha, bem mais do que em 1999, quando expropriara 54,96 toneladas. Um laboratório clandestino foi desmantelado.

Graças à legislação baixada em 1999, muitos bens apreendidos durante ações antidrogas passaram a ser utilizados imediatamente pelo DPF nas atividades subsequentes. Nessa situação, ficaram 10 aviões; 303 automóveis, caminhões e barcos; e 143 armas de fogo. Outros bens foram leiloados e o dinheiro obtido também está financiando o combate aos traficantes.

Entre as organizações estaduais que mais se têm destacado na luta antitóxicos está o Departamento de Investigações sobre Narcóticos (DENARC), da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Sua estrutura - modelo para órgãos semelhantes no País - compreende a prevenção e a repressão, pois possui o Grupo de Apoio e Proteção à Escola (GAPE), a Divisão de Prevenção e Educação (DIPE), a Divisão de Inteligência e Apoio Policial (DIAP) e a Divisão de Investigações sobre Entorpecentes (DISE). Aliás, São Paulo sempre deu exemplo no combate ao narcotráfico desde a década de 50. Nessa época, na qual começou a escalada das drogas pesadas no Brasil, foi instalada a primeira repartição do gênero em solo brasileiro, o antigo Setor de Entorpecentes do Departamento de Investigações (DI), embrião de toda a estrutura especializada da Polícia Civil paulista que se seguiu.

O Brasil deve enfrentar - e está procurando enfrentar - a grave situação criada pelo narcotráfico em mais de 3.000 quilômetros de nossas fronteiras com países produtores, principalmente a Colômbia. No ano passado, a Polícia Federal concentrou esforços na região oeste da Amazônia. Deu continuidade às ações desenvolvidas desde 1997 por meio de duas grandes operações, uma das quais sigilosa, englobando esforços conjuntos com o Peru e a Colômbia. Houve ainda a Operação XXI, que uniu ações brasileiras e peruanas bilateralmente.

São evidentes as dificuldades para monitorar a imensidão amazônica, o que facilita o transporte de narcóticos por ar e pelo amplo sistema fluvial. A maior parte da cocaína e heroína vindas da Colômbia e do Peru segue para os Estados Unidos e outros países, principalmente via Macapá e Belém, importantes entroncamentos das rotas fluviais, marítimas e aéreas do narcotráfico.

Ao implementar a Operação Cobra (de “Colômbia-Brasil”) no norte da região amazônica, em setembro último, com duração prevista de três anos, desestimulamos ações das narcoguerrilhas em mais de 2.500 quilômetros de fronteira pouco povoada e invasões de nosso território por esses grupos armados. Essa operação começou em um momento de definição das atribuições da Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) e do Ministério da Justiça, principalmente com relação ao Departamento de Polícia Federal (DPF). Ficou definida a responsabilidade direta da Polícia Federal na repressão e a da SENAD na redução da demanda por meio de ações preventivas e de recuperação de drogados.

A Operação Cobra envolve recursos do DPF com apoio de expressivos contingentes e equipamentos das Forças Armadas. Vale-se também dos meios eletrônicos, especialmente radar, proporcionados pelo Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), embora ainda não construído integralmente. Assim, além das ações terrestres, há permanente monitoramento do espaço aéreo para detectar vôos ilegais.

Também os ministérios de Relações Exteriores e da Justiça, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, órgão governamental que cuida da repressão à “lavagem” de dinheiro) participaram do planejamento da operação e continuam a ela ligados. Agentes da DEA foram convidados a acompanhar os policiais e militares brasileiros como observadores.

Tendo exposto o panorama que acabo de descrever, vamos nos preocupar agora com o processo legislativo em curso no Congresso Nacional para dotar o País de uma nova lei sobre entorpecentes em substituição à de n.° 6.368, em vigor desde 21 de outubro de 1976. Com algumas modificações feitas ao longo do tempo, esse diploma legal normatiza a prevenção e o tratamento, os crimes e as penas, os procedimentos judiciais, a instrução criminal e a cooperação internacional.

Vinte anos depois da vigência dessa lei, o ilustre Deputado Federal Elias Murad, médico e renomado especialista na área, apresentou projeto identificado como PLC n.° 105/96. Aprovado na Câmara dos Deputados, essa proposição tramita no Senado desde 1997, quando o preclaro senador Lúcio Alcântara apresentou outro projeto com o mesmo propósito. Este é o PLS n.° 105/96 e passou a tramitar em conjunto com o anterior.

Em maio de 1998, tive a honra de relatar o assunto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Opinei pela aprovação da nova Lei Antidrogas, na forma de um substitutivo que apresentei dia 27 daquele mês.

O substitutivo foi acolhido pelos membros da CCJ e enviado ao Plenário para discussão em turno único. Estava nesse etapa da tramitação quando, a requerimento do senador Eduardo Suplicy, em dezembro de 1998, foi remetido à Comissão de Educação, onde se encontra.

Como relator dos projetos na CCJ, lembrei que ambas as propostas fundamentam-se em artigos da Constituição Federal que, entre outras coisas, autorizam a edição de lei ordinária dispondo sobre a privação ou restrição da liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos. Mas, embora destinados à mesma finalidade e sejam convergentes, diferem em tópicos de relevo, como, por exemplo, relativamente à quantificação das drogas para distinção entre o simples uso e o tráfico.

Além disso, acolhi colaborações oferecidas por diversas entidades interessadas na matéria, entre as quais representativos segmentos da Magistratura e do Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil, Polícia Federal, União dos Juristas Católicos, Grupo de Blumenau, Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Polícia Civil do Estado de São Paulo, Conselho de Segurança Pública do Codesul (Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul) e Academia de Polícia Civil do Distrito Federal.

Com o acolhimento de sugestões, surgiram novos vetores nem sempre convergentes com as diretrizes iniciais traçadas nos projetos. Algumas diferenças entre as duas proposições acentuaram-se. Por exemplo, quanto à amplitude do conceito sobre o que são drogas ilícitas ou quanto à inclusão da orientação escolar nos três graus de ensino entre as medidas de prevenção.

No art. 7º, surgiu a primeira divergência de relevo. O PLC nº 105/96 baseia-se no art. 231 da Constituição Federal para ressalvar o que ele dispõe com relação às terras indígenas, tendo em vista a cultura de plantas que sirvam à composição de drogas ilícitas. O PLS nº 154/97 só aceita o plantio se houver autorização formal do Ministério da Saúde. Em outras palavras, o autor do PLS nº 154/97 não inferiu qualquer apoio constitucional ao cultivo, por indígenas, de plantas que sirvam à fabricação de drogas ou que, com a característica de ilegalidade, possam ser diretamente consumidas.

O § 1º do art. 11 do PLS nº 154/97 sofreu inversão de ordem para que a família do usuário seja convocada a auxiliar no seu tratamento, porquanto no PLC nº 105/96 a família é credora e, simultaneamente, devedora de assistência.

No art. 12 do PLS nº 154/97 (tráfico), o mínimo da pena é elevado de 3 para 6 anos de reclusão. As penas previstas no art. 14 (fundar, financiar grupo etc.) foram reduzidas, com o que seu autor melhor observou a dosimetria e pôde compatibilizar a conduta ali prevista com as de mesma natureza, tratadas na universalidade do texto.

O inciso III do art. 18 (medidas educativas) difere do dispositivo do PLC nº 105/96, apenas porque prevê internação em estabelecimento psiquiátrico. O inciso IV do art. 18 autoriza a suspensão por um ano, e não por apenas seis meses, da licença para dirigir veículo, e o inciso V propõe a cassação (em lugar de suspensão) do porte de arma, em qualquer dos casos, em razão do consumo de drogas.

O § 2º do art. 18 do PLS nº 154/97 fixou em 50 gramas a quantidade capaz de identificar o usuário, mas não correlaciona suficientemente essa prática com o disposto no art. 17, relativamente ao uso.

O art. 24 do PLS nº 154/97 incluiu, acertadamente, a Lei de Execução Penal entre as normas subsidiárias da nova lei antidrogas. Em contrapartida, o acolhimento do segredo de justiça por ambos os projetos (arts. 25 do PLS nº 154/97 e 26 do PLC nº 105/96) não parece medida correta. De fato, conquanto se deva manter a proibição de divulgação dos valores, para evitar a equívoca transmissão de imagem positiva, de que o tráfico ilícito constitui mercado rico e atrativo, malgrado os riscos, a conduta do usuário de drogas não merece sigilo processual, visto que essa conduta se caracteriza como anti-social.

O § 1º do art. 26 do PLS nº 154/97 deixou de fazer referência expressa à autuação, como condição ao recolhimento da fiança, que ficou apenas implícita, e, no art. 29, melhor seria a referência direta aos autos do inquérito.

Dever-se-ia acolher também o disposto no art. 39 do PLS nº 154/97, incluindo-se, porém, como razão para o seqüestro ou a indisponibilidade de bens, os crimes tipificados nos arts. 12, 13, 14 e 15.

Assim sendo, conclui que os projetos são complementares. Acatei-os na forma de um substitutivo, que poderá transformar-se na nova Lei Antidrogas quando voltar da Comissão de Educação para o Plenário.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, dizer que o narcotráfico é um flagelo mundial e uma monstruosidade tornou-se lugar comum. Entretanto, dificilmente se encontram palavras mais adequadas para qualificar os emissários da morte e da degradação social que o integram.

Encerro meu pronunciamento, lembrando as palavras do ilustre Secretário Geral da Interpol: o narcotráfico põe em perigo todos os cidadãos e constitui uma grave ameaça à sobrevivência da democracia.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/2001 - Página 13797