Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PERPLEXIDADE DIANTE DA BAIXA ADESÃO DOS MEDICOS AO PROGRAMA DE INTERIORIZAÇÃO DA SAUDE, EMPREENDIDO PELO MINISTERIO DA SAUDE. COMENTARIOS A AUSENCIA DE UMA POLITICA DE SAUDE PUBLICA E A DISSOCIAÇÃO DAS ESCOLAS MEDICAS DA FORMAÇÃO HUMANISTICA.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • PERPLEXIDADE DIANTE DA BAIXA ADESÃO DOS MEDICOS AO PROGRAMA DE INTERIORIZAÇÃO DA SAUDE, EMPREENDIDO PELO MINISTERIO DA SAUDE. COMENTARIOS A AUSENCIA DE UMA POLITICA DE SAUDE PUBLICA E A DISSOCIAÇÃO DAS ESCOLAS MEDICAS DA FORMAÇÃO HUMANISTICA.
Aparteantes
Geraldo Cândido, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 23/06/2001 - Página 13914
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, FALTA, MEDICO, INTERIOR, BRASIL.
  • COMENTARIO, INSUCESSO, TENTATIVA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), CONTRATAÇÃO, MEDICO, INTERIOR, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE.
  • COMENTARIO, FALTA, ETICA, SOLIDARIEDADE, FORMAÇÃO, ENSINO SUPERIOR, MEDICO, BRASIL.
  • SUGESTÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), LIBERAÇÃO, ENTRADA, MEDICO, PAIS ESTRANGEIRO, BRASIL, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO, INTERIOR.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero fazer comentários e uma análise sobre a situação de escassez de profissionais de saúde no interior do Brasil.

Houve, nesta semana, um ato que se traduz em um esforço real e claro do Ministério da Saúde de tentar levar 1.200 profissionais médicos, no mínimo, para o interior do Brasil, considerando que há mais de 1.200 Municípios brasileiros sem a presença efetiva de médicos.

Lamentavelmente, a conclusão de todo esse processo de luta e de busca do Ministério da Saúde, que tentou, inclusive, parceria com algumas entidades, foi a escassez de decisão dos profissionais. Temos, por exemplo, o registro expressivo de que nenhum profissional se decidiu a ir para o interior do Estado do Maranhão. No Estado do Piauí, ocorreu o mesmo fenômeno: apenas um médico tomou a decisão de ir para o interior. No Estado do Acre, também apenas um médico aceitou o desafio de ir para a cidade de Marechal Taumaturgo, um Município do vale do Juruá. Isso deixou perplexa a comunidade médica e a comunidade política brasileira comprometidas com a solidariedade universal e tornou necessária uma reflexão sobre essa matéria.

Penso que o grande cerne desse problema é exatamente a falta de uma política de saúde verdadeira para este País. Não temos um aparelho formador normatizado; temos uma escola médica dissociada da formação humanista e não-integrada a um modelo de interiorização do programa de saúde neste País. Hoje, há a ausência, por exemplo, de algo como o Projeto Rondon, que assegurava o acesso de médicos ao interior do Brasil. Com todos os seus equívocos, ele levava ao interior médicos, odontólogos, assistentes sociais, geógrafos, historiadores e economistas em sua fase de formação, o que minimizava essa carência de profissionais.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Tião Viana?

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Ouvirei, com muita honra, o aparte de V. Exª, nobre Senador Mozarildo Cavalcanti, logo que concluir o meu raciocínio, porque sei da aflição que assalta V. Exª, bem como a todos nós, representantes dos Estados periféricos de todo o Brasil. 

Continuando, não há, hoje, nada que substitua o Projeto Rondon. Temos um sistema de saúde definido, desenhado, que é orgulho para todo o planeta: o Sistema Único de Saúde. No entanto, mais de 1.200 Municípios brasileiros estão sem médicos.

O Ministério da Saúde assume a ação de comando e decide que vai contratar médicos, oferecendo um salário superior a R$4.500,00, juntamente com um investimento de poupança a ser retirado depois de um ano. Assegura também um curso de especialização ao profissional de saúde durante o seu exercício na cidade que seja alvo do programa. No entanto, defronta-se com a falta de interesse por parte dos médicos de ir para esses Municípios brasileiros.

Então, existe uma situação de constrangimento grave. No meu Estado, por exemplo, houve uma reação forte por parte da comunidade carente. Trata-se, portanto, de um assunto que tem que ser discutido, a fim de que se tome uma decisão diante desse impasse criado.

Ouço, agora, com muita honra, o nobre Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) - Senador Tião Viana, fico muito feliz pelo fato de V. Exª estar abordando esse tema na manhã de hoje. Desde que assumi o meu mandato como Senador, em 1999, portanto, há dois anos e poucos meses, venho tentando encontrar uma fórmula para resolver esse problema. Como V. Exª, sou médico da Região Norte; nós conhecemos de perto essa questão. O Brasil, talvez pouca gente saiba, tem mais médicos do que o necessário, de acordo com a avaliação da Organização Mundial de Saúde, mas esses profissionais estão preferencialmente no Sul e Sudeste ou nas capitais, não vão para o interior. O médico brasileiro, como V. Exª bem disse, tem, dentro das escolas, uma formação elitista, escolhe uma especialidade e não tem nenhum estímulo para ir para o interior. Mesmo quando o Governo toma a iniciativa de montar um programa, pagando salários vantajosos, acima do normal, oferecendo, inclusive, casa própria, como no caso do meu Estado, os médicos não aceitam ir para o interior. Quando foi lançado esse programa, fiz o comentário de que duvidava do seu êxito, embora torcesse por ele. E estou apresentando - V. Exª já adiantou alguns dados - requerimento ao Ministério da Saúde para obter uma avaliação do seu andamento. Eu havia apresentado, Senador Tião Viana, dois projetos, que, infelizmente, foram julgados inconstitucionais por ferirem o direito do livre exercício da profissão, o direito de ir e vir. Um deles previa que o profissional da área de saúde, ao se formar, passaria um ano em um Município onde a relação profissional-paciente fosse igual ou inferior a um para mil. Estou, agora, apresentando um novo projeto, para o qual quero pedir o apoio de V. Exª, que inclui um ano a mais na grade curricular dos cursos da área de saúde, a ser cumprido em Municípios de todo o País onde a correlação profissional-paciente seja igual ou inferior a um para mil. Então, cumprimento V. Exª pela oportunidade da abordagem desse tema, que é muito grave e também diz respeito à desigualdade regional que vivemos. O pior é que os órgãos representativos da classe médica, além de não apresentarem soluções, ainda criam problemas. Por exemplo, no meu Estado, todos os Municípios têm médicos, mas a maioria são estrangeiros, cubanos, peruanos, colombianos, que estão, inclusive, sofrendo constrangimentos por parte do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Regional de Medicina. Portanto, associo-me a V. Exª em seu pronunciamento e peço que, juntos, caminhemos nessa idéia de incluir um ano a mais na grade curricular dos cursos da área de saúde para que se proceda a uma “pós-graduação” no Brasil real, dos Municípios carentes do interior do Brasil.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço a V. Exª, nobre Senador Mozarildo Cavalcanti, que tem contribuído decididamente no Senado Federal em favor de uma política de saúde distinta, que olhe mais para os Estados periféricos deste País, que trabalhe dentro do princípio da igualdade do acesso e da universalidade do atendimento aos serviços de saúde. V. Exª, inclusive, referiu-se a um projeto de lei de sua autoria que tentava diminuir essa dificuldade e essa desigualdade em relação a uma política de saúde no Brasil.

Lembro também a V. Exª que o próprio Senador Antonio Carlos Magalhães apresentou, em 1996, um projeto de lei criando a dedicação civil obrigatória para os profissionais médicos ao saírem da formação acadêmica. Lamentavelmente, esse projeto não teve também um resultado satisfatório.

O fato é que vivemos, atualmente, um impasse. Temos um aparelho formador que não tem, no seu conteúdo pedagógico, a formação humanista, que não impõe o princípio da solidariedade a ninguém, mas que induz o médico a uma formação meramente de mercado. O médico hoje sai de uma faculdade preparado para ser um comerciante, mas não sai preparado para salvar vidas no seu sentido pleno. É lamentável ter que testemunhar isso.

Nada é mais afirmativo dessa tese do que o resultado de uma política de interiorização do Ministério da Saúde, onde foram oferecidas 1.200 vagas, com salário superior a R$4.500,00, sendo assegurados um curso de especialização e uma poupança ao profissional, e houve uma rejeição absoluta dos profissionais médicos a Estados como o Maranhão, o Piauí e o próprio Estado do Acre. Só tenho a lamentar isso.

Vale lembrar a tentativa de V. Exª, Senador Mozarildo Cavalcanti, de um ajuste curricular. Países como a Venezuela, México e o próprio Peru têm inserido o chamado “internato rural”, onde o profissional passa pelo menos seis meses de sua atividade curricular fazendo o serviço de solidariedade às populações do interior. O Brasil viveu um pouco essa experiência, mas ela foi absorvida por essa política de mercado, que, infelizmente, domina a escola médica brasileira.

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Concedo um aparte ao nobre Senador Geraldo Cândido.

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Senador Tião Viana, parabenizo-o pelo tema que aborda nesta manhã. V. Exª tem sido um defensor intransigente dessa questão da saúde no Brasil, por ser médico, conhecedor, militante. Essa bandeira é muito importante, principalmente para a população mais carente do nosso País. Gostaria de lembrar ainda que saúde, no Brasil, é coisa séria. Ocupamos o 124º lugar no ranking mundial em termos de saúde. Há 123 países no mundo que estão à nossa frente, o que é um absurdo. Países pobres, do Terceiro Mundo, estão à nossa frente, o que mostra um descaso do Governo em relação à questão da saúde da população brasileira. É uma questão que se arrasta ao longo dos anos e não se resolve. Na cidade do Rio de Janeiro, capital do Estado, Região Sudeste - não é na região Amazônica nem no Nordeste do Brasil -, na região metropolitana, a situação de saúde da população é calamitosa. Há comunidades, como, por exemplo, a do Complexo do Morro do Alemão, de favelas, onde mais ou menos dez comunidades se encadeiam, que tem aproximadamente 80 mil moradores e não dispõe de nenhum posto de saúde. Há um projeto para instalação de um posto de saúde, já aprovado, mas a Prefeitura não consegue sequer desapropriar uma pequena área para construí-lo. Os moradores ficam morrendo à míngua, as crianças morrem de todas as doenças, porque não têm acesso a um posto de saúde. É um absurdo! No Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, ocorre a mesma coisa. São exemplos que podemos apontar do descaso das autoridades públicas no trato com a saúde da nossa população. Parabenizo V. Exª e também o Senador Mozarildo Cavalcanti, que, como médicos, são preocupados com essa questão. Não somos médicos, mas também estamos atentos, queremos denunciar e demostrar a nossa indignação com o descaso das autoridades em relação à saúde pública.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Senador Geraldo Cândido, absorvo com imensa satisfação o aparte de V. Exª, que retrata muito bem o exemplo do Rio de Janeiro, que é tido como a Cidade Maravilhosa do nosso País, como uma grande referência de bem-estar do Brasil quando se pensa em lazer, em vida cultural, em desenvolvimento socioeconômico e humano, mas encontramos essas contradições, como V. Exª muito bem colocou.

Na própria Baixa Fluminense, temos apenas 10 leitos do poder público para atendimento na Unidade de Terapia Intensiva. Isso é de uma gravidade absurda. Rio Branco, no Acre, tem 18 leitos de UTI, somando o acesso à neonatologia, e tem apenas 250 mil habitantes. A Baixada Fluminense tem milhões de cidadãos que moram ali e que encontram essa dificuldade. É uma contradição absurda!

O Amazonas tem 95% dos seus médicos concentrados em Manaus. Municípios do Amazonas que estão a 15 dias de distância, de barco, da capital, não têm médicos; 33% dos Municípios daquele Estado não têm médicos. Isso reflete uma política de saúde de interiorização de médicos equivocada. Reafirmo que encontro um esforço no Ministério da Saúde no sentido de diminuir essa problemática, mas ainda sem solução.

No meu Estado, temos uma distribuição de médicos minimamente aceitável, mas ainda há uma escassez da oferta de especialidades nas áreas básicas.

O resultado é que não conseguimos êxito na maneira com que foi conduzido esse esforço do Ministério da Saúde. Tínhamos necessidade de pelo menos 40 médicos a mais para o Estado do Acre para atendimento aos Municípios do interior. Não conseguimos resultado; apenas um decidiu que aceitaria o convite de ir para o Estado do Acre. Estamos vivendo esse impasse agora.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faço um apelo ao Ministério da Saúde no sentido de que possa transferir essa capacidade de convite e de arregimentação aos Estados que são vítimas da falta de decisão de médico. Talvez seja mais fácil o convencimento, a sensibilização. Se há uma certeza do profissional de que as condições de trabalho não são constrangedoras nessa localidade, se houver um convencimento de que ali há uma política de saúde que tem começo, meio e fim, tanto no sentido do aparelho formador quanto na busca de qualidade de assistência, talvez seja possível mostrar que hoje é melhor viver num Estado da Amazônia brasileira do que numa grande cidade deste País. Não é possível imaginar que essa desigualdade continue a agredir o povo brasileiro.

Sr. Presidente, deixo a lembrança de que é inadmissível que se continue a permitir que o aparelho formador, que o conteúdo pedagógico das escolas médicas trate com descaso a formação humanista.

Faço agora um comparativo da afirmação que exponho aqui. Médicos do Programa da Saúde da Família de Cuba que puderam prestar, num programa de cooperação, seu trabalho no Estado do Acre, desvelaram-se e dedicaram muito da sua capacidade profissional à luta pela qualidade da assistência à saúde nas microrregiões do meu Estado, o que resultou em um índice quase zero de mortalidade infantil. Esses médicos buscaram o mínimo de dignidade profissional e o reconhecimento da importância do humanismo e da cooperação envolvendo os países.

Não podemos aceitar que o médico brasileiro esteja insensível a isso. Basta que haja um redirecionamento e a busca da desconcentração das escolas médicas neste País com vistas às regiões periféricas, para que tenhamos os primeiros passos de mudança na visão de interiorização da atividade profissional.

            Se aceitamos a troca de soja por chip, de frango por petróleo, não podemos aceitar que continue a proibição da troca de profissionais no sentido da solidariedade humana. Não é possível imaginar que o Brasil continue a proibir a entrada de médicos, com formação qualificada, séria, e que querem e aceitam ir para um Município isolado, porque entendem que a sua formação é compatível e identificam-se com esse gesto de solidariedade.

Faço, portanto, um apelo para que o Ministério da Saúde reveja esse grande investimento que está tentando fazer, estabeleça uma parceria efetiva com os Estados, alcançando, assim, a descentralização de suas decisões, e sensibilize o Conselho Federal de Medicina e as entidades de classe de que o corporativismo e a defesa de uma categoria encontram um limite na ética. Se não há decisão por parte dos profissionais médicos brasileiros no sentido de aceitarem a ida para o interior do Brasil, que se abra o mercado de acesso a profissionais de qualquer país que, pautados na boa formação, possam aceitar esse desafio humanista e de solidariedade entre os povos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/06/2001 - Página 13914