Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÃO ACERCA DA ALTA TAXA DE MORTALIDADE MATERNA NO BRASIL.

Autor
Marluce Pinto (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Maria Marluce Moreira Pinto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • REFLEXÃO ACERCA DA ALTA TAXA DE MORTALIDADE MATERNA NO BRASIL.
Aparteantes
Pedro Ubirajara, Valmir Amaral.
Publicação
Publicação no DSF de 23/06/2001 - Página 13927
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, SEMINARIO, CAMARA DOS DEPUTADOS, ORGANIZAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), TRATAMENTO, ASSUNTO, SAUDE, MORTE, MATERNIDADE.
  • ANALISE, CRITICA, GRAVIDADE, INDICE, MORTE, MULHER, RESULTADO, GRAVIDEZ, PARTO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, ATENÇÃO, MATERNIDADE, COMENTARIO, FALTA, DIFICULDADE, MELHORIA, SITUAÇÃO.

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recentemente, na Câmara dos Deputados, foi realizado o seminário intitulado Saúde ou Morte Materna?, cujo conteúdo foi a discussão de leis, políticas públicas e controle social referentes ao tema.

O evento foi organizado pela Rede Saúde, com a colaboração do CFEMEA - Centro Feminista de Estudos e Assessoria - e com apoio do Fundo de População das Nações Unidas.

Dada a relevância do tema, eu não poderia deixar de fazer este registro, para que sirva de alerta a nós mesmos e, em especial, às autoridades ligadas diretamente à questão.

No Brasil, Sr. Presidente, é absurda a taxa de mortalidade materna. Em números reais, a morte de futuras mamães em solo brasileiro é 10 a 20 vezes superior às taxas verificadas em países desenvolvidos. Em nosso País, os especialistas estimam a taxa brasileira em 110 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos! No Canadá, para citar um único exemplo, a média é de apenas quatro mortes por 100 mil. A Organização Mundial de Saúde considera que 20 por mil é o número máximo aceitável.

Até mesmo em comparação com vizinhos nossos, estamos em situação sensivelmente inferior. No Chile e no Uruguai, por exemplo, essas taxas giram em torno de, no máximo, 40 mortes para cada 100 mil nascidos vivos.

Em resumo: enquanto nos países desenvolvidos a morte por causa materna está entre as últimas que ceifam vidas, no Brasil ela está entre as 10 primeiras, igualando-se às taxas das nações mais pobres do planeta. Um verdadeiro absurdo!

Afirmei antes que a taxa de 110 mortes maternas é uma estimativa de nossos especialistas e quero deixar melhor explicada essa questão. Até neste pormenor, o da estatística - por mais absurdo que possa parecer -, a qualidade e a confiabilidade de nossos dados são um dos principais problemas quando enfocado o tema específico da saúde da mulher.

Os dados do Ministério da Saúde, os oficiais, portanto, registram 64,8% mortes maternas por 100 mil nascidos vivos no ano de 1998, ano mais recente de que há informação.

Todavia, existe o consenso de que, em números reais, há enorme subnotificação das mortes. Tanto assim é que inúmeros organismos da sociedade civil diretamente ligados à saúde da mulher exigem o aperfeiçoamento da qualidade desses dados.

Para se ter uma idéia da má qualidade de tais dados, basta dizer que a taxa oficial registrada nas Regiões Sul e Sudeste são superiores às das Regiões Norte e Nordeste, o que, naturalmente, é um disparate.

Estudo apresentado pela Rede Saúde, no evento que ocorreu na Câmara dos Deputados, intitulado Dossiê Mortalidade Materna, aponta a Região Norte com a taxa mais elevada no Brasil. E afirma: “as mulheres das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm risco maior de adoecer e morrer de complicações na gravidez, parto e puerpério do que as mulheres das regiões Sul e Sudeste”.

Um estudo realizado nos Estados do Pará, Rio Grande do Norte e Mato Grosso mostrou que, dos óbitos maternos por complicação da gravidez, parto e puerpério, 21,7% tiveram como causa a eclâmpsia, 17,4%, síndromes hemorrágicas, e quase 18%, cardiopatia complicada pela gestação.

Por essas e outras, abraçados à sua própria vivência e trato diuturno da questão, os especialistas estimam que os dados oficiais devem ser multiplicados por dois, para se chegar a um número mais próximo de nossa realidade.

Prova disso é que, segundo o IBGE, quase 17% desses óbitos não são declarados. E o próprio Ministério da Saúde reconhece que 15% das mortes possuem causas mal definidas.

Deixando de lado os dados oficiais e extra-oficiais, ambos dolorosos e injustificáveis, o fato mais dramático nessa questão de mortes decorrentes de causas ligadas à gravidez, ao parto ou ao puerpério é que mais de 90% dessas mortes poderiam ser facilmente evitadas por meio de medidas simples, com investimentos pouco vultosos.

Elas seriam evitadas, por exemplo, se o acompanhamento pré-natal da gestante fosse devida e eficientemente realizado; se o atendimento prestado pela rede pública ou conveniada de saúde tivesse um pouquinho mais de qualidade; se essa mesma rede dispusesse de pequeno estoque de sangue e soubesse organizá-lo.

Afora essas melhorias básicas, todos sabemos do mais grave, sórdido e infeliz promotor de morte de gestantes neste País, que é o aborto clandestino. Vou comentá-lo mais adiante, uma vez que o tema é mais complexo e envolve questões jurídicas e culturais.

Antes, quero enumerar as quatro principais causas de morte materna em nosso País, na realidade, responsáveis por praticamente 90% das mortes maternas das brasileiras. São todas elas causas obstétricas diretas, chamadas, no meio médico, de síndromes hipertensivas, hemorragias, complicações do aborto e infecções puerperais. E o mais grave: todas essas causas indicam, exclusivamente, problemas na qualidade de assistência ou de falta do pré-natal.

Cumpre notar, contudo, que as causas hemorrágicas estão, também, relacionadas à falta de disponibilidade de sangue nos hospitais, assim como à exagerada realização de cesarianas nos hospitais públicos - estimuladas por remuneração maior do SUS -, que agravam o quadro do item infecções puerperais, uma vez que favorecem a sua ocorrência.

As síndromes hipertensivas - eclâmpsia - são responsáveis por quase um terço das mortes maternas no Brasil, fato diretamente vinculado à má qualidade da assistência e/ou à falta de pré-natal.

É forçoso, para ficar mais clara a questão, tipificar o perfil das brasileiras vítimas de morte materna. A realidade é triste. Com referência à idade, a maioria são meninas na faixa etária de 15 anos, seguidas por mulheres acima de 35. Mais de 70% são solteiras. Um terço vem de famílias com renda igual ou inferior a um salário mínimo per capita. Mais da metade é analfabeta ou cursou apenas os primeiros anos do primeiro grau, e mais de 90% tiveram como via de parto a cesariana, efetuada na rede pública hospitalar. Um quadro desolador.

Quanto ao aborto, farei um rápido e conciso comentário, pois, por sua extensão e complexidade, o tema seria melhor tratado em discurso próprio.

As complicações do aborto, consideradas como a terceira causa ceifadora de vidas entre as gestantes brasileiras, constitui, também, a quinta maior causa de internações na rede pública de saúde deste País.

É um crime! Talvez seja, entre os crimes mais hediondos, o pior deles, principalmente quando temos consciência de que, neste País, 99% dos abortos são praticados na clandestinidade, em clínicas de fundo de quintal, inadequadas, administradas por criminosos e, o pior, não raramente manipuladas por profissionais inescrupulosos, que, além de cobrarem verdadeiras fortunas de mulheres que muitas vezes se sacrificam para pagar, não raramente lhes tomam a vida.

O Sr. Valmir Amaral (PMDB - DF) - Senadora Marluce Pinto, V. Exª me concede um aparte?

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Senador Valmir Amaral, fique à vontade.

O Sr. Valmir Amaral (PMDB - DF) - V. Exª está de parabéns pelo seu trabalho. Neste momento em que todo o Brasil está preocupado com a corrupção e outros acontecimentos, V. Exª vem discutir um assunto da maior seriedade: a saúde. Sei que o Estado que V. Exª representa é um dos menores do País, mas seu trabalho nesta Casa é um dos maiores. V. Exª está de parabéns por estar preocupada com um assunto da maior relevância para o povo do nosso Brasil, hoje. Admiro V. Exª e estou muito feliz por V. Exª estar tratando desse tema, por V. Exª estar abraçando essa causa neste momento difícil por que passa o nosso País. Parabéns, Senadora Marluce Pinto!

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª. Fico até mais estimulada quando vejo um homem também preocupado com esse assunto, que não é apenas para mulher. A preocupação tem que ser geral. Depois desse seminário que aconteceu na Câmara dos Deputados, em Brasília, realmente fiquei preocupada. Nós, mulheres, sabemos da utilidade de um bom tratamento quando estamos gestantes e, mais ainda, da ansiedade que temos para ver o rosto de nossos filhos. Então, embora para muitos pareça um assunto insignificante, ele é realmente de grande relevância. Temos a obrigação de dar maior assistência às mães solteiras, principalmente adolescentes. Isto é o que mais tem acontecido em nosso País: crianças de 13, 14 e 15 anos têm ficado grávidas e se submetido a abortos, perdendo até a vida. Muito obrigada, Senador.

            Não bastasse a morte do inocente, cuja mãe terá a eternidade para um tardio arrependimento, são incontáveis as mães que também pagam com a própria vida o seu gesto impensado. Faltaram-lhes, sem dúvida, orientação, esclarecimento, tratamento digno.

            No Brasil, Sr. Presidente, todos os anos, estima-se que um milhão de brasileiras que engravidam sem planejar recorram ao aborto.

            Portanto, já é passada a hora de discutirmos, de forma aberta e democrática, esse assunto que, a bem da verdade, há muitos anos tem sido encoberto pela vergonha, pela falta de informação e, principalmente, pelo que mais entristece e avilta a dignidade humana: pela hipocrisia.

            Sabemos muito bem que, em nosso País, as classes média e alta da sociedade praticam o aborto clandestinamente em clínicas privadas de luxo, com toda a segurança, enquanto as classes pobres o fazem sem qualquer assistência da rede pública, sem as mínimas condições de higiene, sem informações, perfazendo a esmagadora maioria de vítimas fatais do aborto.

            Não defendo, nem estimulo o aborto.

            Razão nenhuma justifica, em meu juízo e sã consciência, e mesmo diante de minha formação cristã e defensora da vida, fazer apologia ao aborto.

            Mas, em face de nossa realidade; diante da brutalidade praticada contra uma maioria jovem e indefesa; frente ao crime organizado que enriquece às custas da dor e do sofrimento, que ceifa vidas e permanece impune; e principalmente diante da falta de informações, da falta de educação dirigida, da falta total de orientação ao problema, também minha consciência não me permite permanecer na comodidade pelo fato de não ser atingida diretamente.

            Como disse, hipocrisia NÃO!

            Em relação a esse assunto, até hoje um assunto-tabu, falta tudo: falta planejamento familiar, falta bom senso, falta humanidade e falta VERDADE!

            A criminalização do aborto em nosso País, um crime pelo qual somente os pobres pagam, precisa, urgentemente, ser repensado entre nós.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a par da dura realidade e das ações que, sei, foram e são praticadas em prol da mulher em nosso País, é fato também que quase nada se alterou, desde 1987, na meta de redução da mortalidade materna das brasileiras.

Naquele ano, 1987, foi realizada a Conferência Internacional sobre Maternidade Segura, em Nairobi, no Quênia, quando, pela primeira vez, foi colocada, em nível internacional, a discussão sobre o problema da morte de mulheres por complicações ligadas à gestação, parto e puerpério.

Outro segundo momento, considerado pelo UNICEF um dos mais importantes no trato da questão da mulher, aconteceu em 1990 com a Conferência da Infância, quando nós, brasileiros, dentre tantos outros países presentes, fomos signatários do Plano de Ação Para a Redução, em 50%, até o ano 2.000, de nossa taxa de mortalidade materna.

Posteriormente, nos anos de 1994 e 1995, outras duas conferências foram realizadas e em ambas o assunto reenfocado: no Cairo, na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento e em Beijing, na China, durante a Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher. Infelizmente, até hoje, para as brasileiras, essa meta não foi alcançada. Ao contrário, permanece estacionada quase no mesmo patamar dos idos 1987.

Queria, Sr. Presidente, na manhã de hoje, concluir minhas palavras de forma diferente. Queria, ao invés de estar lamentando, aplaudindo conquistas e enaltecendo ações. Mas, infelizmente, não posso. Não tenho como fugir da realidade. Contudo, concluo meu pronunciamento fazendo votos para que a saúde da mulher, em especial a saúde da mulher gestante brasileira, mereça, por parte de nossas autoridades sanitárias e de nossas instituições hospitalares, maior atenção e maior respeito. Nosso índice de mortalidade materna é vergonhoso e precisa cair, de forma radical, nos próximos anos.

O Seminário sobre Mortalidade Materna acontecido na Câmara dos Deputados, cumpre dizer, veio a ser realizado em ocasião muito oportuna e, quiçá, enseje melhores dias para a mulher brasileira.

Parabenizo, portanto, a iniciativa da Rede Saúde, uma organização da sociedade civil, que tanto tem feito em prol da saúde, em todos os sentidos, em nosso Brasil.

Da mesma forma parabenizo a colaboração, o trabalho e a dedicação das mulheres que compõem o Centro Feminista de Estudos e Assessoria, o CFEMEA.

Ao Presidente Fernando Henrique Cardoso e ao Ministro José Serra faço apelo no sentido de que, o primeiro libere recursos à causa que é justa e, ao segundo, que determine as ações que realmente cuidem da saúde das futuras mães brasileiras.

O Sr. Pedro Ubirajara (PMDB - MS) - Senadora Marluce, permite-me um aparte antes que termine ou mesmo terminando o seu discurso?

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Com prazer, Senador.

O Sr. Pedro Ubirajara (PMDB - MS) - Sr. Presidente, Srª Senadora, cheguei há pouco a esta Casa, mas sinto o dever de médico, o dever oculto no coração, ao ouvir o seu pronunciamento, não só de parabenizá-la, mas de solicitar que o discurso seja extensivo à toda Pátria brasileira, por trazer ao nosso conhecimento, além da contribuição de V. Exª como Senadora de um Estado como Roraima, aquilo que é dito por uma mulher. É bem de acordo com a verdade. Infelizmente, nos colégios, são ensinados o uso da camisinha, o medo das doenças sexualmente transmissíveis, mas não se ensinam nos colégios de ensinos fundamental e médio do nosso País as conseqüências de todos os atos que uma operação desordenada na educação do jovem pode causar a ele e ao País. Peço a V. Exª que continue e que tenha em mim um irmão para ajudá-la a tornar este País mais humano. Fiz esse compromisso a partir do nascimento de uma criança, parto que realizei, há 34 anos, em uma cidade chamada Maracaju. Foi a minha primeira cesariana em um quadro horroroso de gravidez por superfetação. Hoje ainda, às vezes, me sinto acovardado de entrar em um centro cirúrgico com as condições que este País oferece ao médico, uma das grandes dificuldades para a interiorização da medicina. Gostarei de estar ao seu lado, enquanto Deus me permitir, para ajudar nesse mister. Muito obrigado. Que Deus a abençoe, Srª Senadora.

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR) - Agradeço-lhe o aparte, em que colabora muito mais V. Exª por ser médico e cirurgião. Tenho certeza de que V. Exª até hoje se depara com casos críticos que exigem cesariana. Penso que, quando para os médicos deveria ser uma alegria estar proporcionando a vinda de mais um ser humano para o nosso País, existe sim a preocupação de usar determinados hospitais para realizar essa cirurgia. Muito obrigada pela interferência. Tenho certeza de que nesta Casa V. Exª irá realizar um brilhante trabalho não só por ser um médico, e por isso sensível às causas dos carentes, mas também pelos cargos que ocupou. Muito obrigada, Senador.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/06/2001 - Página 13927