Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLITICA INDIGENISTA BRASILEIRA.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLITICA INDIGENISTA BRASILEIRA.
Aparteantes
José Fogaça, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 23/06/2001 - Página 13953
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CRITICA, POLITICA INDIGENISTA, INVASÃO, CULTURA, INDIO, SUBORDINAÇÃO, RESULTADO, EXTINÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO HISTORICO, DEFESA, DIREITOS, INDIO.
  • CRITICA, ISOLAMENTO, INDIO, FALTA, REQUISITOS, SUBSISTENCIA, NECESSIDADE, INTEGRAÇÃO, RESPEITO, LIBERDADE, GRUPO INDIGENA.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há um assunto que já havia feito comigo mesmo vários propósitos de abordar nesta tribuna. E o que faço hoje, neste final de sessão, embora repute um tema de suma importância para os interesses do País. Mas, na condição de representante do Estado de Rondônia, quero abordá-lo como uma questão doméstica, até paroquial.

Trato, Sr. Presidente, da política indigenista do Brasil. Em verdade, essa matéria é sempre palpitante, vem às manchetes dos jornais quando um fato agressivo aos povos indígenas acontece. Cria-se, então, em torno dele, um estrépito, a auréola de escândalo passageiro. Depois, tudo isso passa, tudo isso desaparece e a complacência da consciência nacional relega os índios a uma posição equivocada, desastrosa e genocida.

Não há dúvida de que a reflexão sobre a questão indígena merece uma revisão ampla e radical. Passaria eu por longas pinceladas dizendo que desde o momento em que Francisco Orellana descobriu o rio das Amazonas os índios que habitavam os vales passaram a ser molestados pela presença do branco. Não apenas cercados por essa presença, mas senão que, muito mais que isso, isolados em um convívio societário primitivo que gestava uma evolução gradual e contínua.

A evolução dos povos indígenas, na época do descobrimento, era, com certeza, em um estágio superior a qualquer povo indígena, mesmo os mais isolados que existem. Poderíamos observar isso nos instrumentos de trabalho e na produção artesanal, como, por exemplo, a cerâmica, que denunciam um controle tecnológico bem superior àquilo que hoje ainda subsiste.

Cessou entre os índios a possibilidade do intercâmbio. Fazia-se até em um mercado primitivo uma troca de mercadorias e de produtos que acontecia naturalmente, tendo como meio de aproximação os rios. Dominando os rios o branco - ou o civilizado, como queiram -, as relações sociais e econômicas sofreram uma interrupção brusca e irreversível. Em conseqüência, Sr. Presidente, os povos ou nações indígenas foram se isolando. E, no isolamento, o embotamento, a involução, e o caminho não do progresso, mas, ao contrário, da involução. E assim é - registros demonstram esse acontecimento - que índios, habitantes das margens do Amazonas, foram se abrigar nas terras altas, por exemplo, do Estado de Rondônia, as terras ínvias, as regiões remotas, inabitadas, páramos de vasta solidão. E, assim, não puderam levar consigo as conquistas no campo incipiente da ciência disponível. Não levaram consigo mais do que as tradições cansadas, e toda tecnologia disponível, em grande parte, foi-se perdendo ao longo dos anos.

E voltamos, então, passando logo quatro séculos, para o início de um processo de proteção aos índios, que começa, sobretudo, com o serviço instituído pela União.

Antes porém, Sr. Presidente, obrigo-me a fazer uma breve referência irreverente àquilo que foi o Diretório dos Índios, criação que começa a ser elaborada em Portugal, no século XVII, mas que se exalta no governo, ou no reinado, melhor dito, de D. José e o seu Ministro conhecido que foi o Marquês de Pombal. Aí se discute, inclusive, a humanidade do índio, a condição humana do índio.

Vejam V. Exªs que não foi fácil, inclusive, definir a titularidade de direitos e deveres dos povos primitivos. Que, em um primeiro momento, em verdade, sequer na sua essência reconhecida era a sua condição humana. Foi uma conquista, é verdade, porque não há dúvida da natureza humana dos índios neste momento de consciência intelectual e política de que a humanidade dispõe. Mas, naquele instante, o colonizador tinha sobre si um poder de vida e de morte sobre o objeto do descobrimento, inclusive os animais, as plantas e, por que não dizer, os índios, os autóctones que aqui habitavam.

É importante ressaltar que esse documento do Diretório dos Índios, instituído inicialmente para a região do Pará e do Maranhão, e assinado por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, plenipotenciário da Coroa, praticamente tornou-se lei geral para toda a área do Brasil, anulada apenas em 1705 e pela Carta Régia de 12 de maio de 1768.

Assim, haveria de destacar também a Lei da Liberdade dos Índios, firmada, é claro, em Portugal, em 6 de junho de 1755.

Sr. Presidente, solicito a transcrição nos Anais desta Casa desse documento histórico importante, que é o Diretório dos Índios, que se deveria observar nas povoações do índios do Pará e do Maranhão.

Esse documento deu uma contribuição, pelo menos em termos de concepção, à titularidade de direitos e deveres dessa parte da humanidade até então considerada um limiar entre o escravo e a pessoa livre, o animal e o ser humano.

Se fôssemos adiante, veríamos então que a questão indígena foi sempre objeto de equívocos na sua concepção. Para protegê-los, instituíram-se as reservas, e devo dizer, Sr. Presidente, que sou favorável às reservas indígenas. Mas o índio foi colocado nelas como se elas fossem uma redoma, uma gaiola, uma prisão, condenados a viver na pré-história quando a humanidade avançou e progrediu em um sentido bem diferente. Jamais quero negar ao índio o direito de preservar as suas tradições, as suas culturas, mas não permitir a sua integração é condená-lo ao desaparecimento.

Faço, aqui, uma breve referência aos índios latino-americanos, sobretudo os quéchuas, que habitavam e ainda habitam o Peru, que tiveram revezes brutais no processo de colonização, mas, não obstante, em razão da sua integração, os povos incas e outras variações, sobreviveram. Eles estão contribuindo até no processo de miscigenação daqueles povos ou preservando o seu sangue. Fazem hoje parte da sociedade daqueles países - e me refiro sobremodo ao Peru como um exemplo, sem fazer injustiça ao Paraguai, à própria Bolívia e a outras nações latino-americanas, como o México.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Concedo o aparte à Senadora Marina Silva, com muito prazer.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Estou acompanhando o raciocínio de V. Exª e sinto que V. Exª está tratando com uma certa preocupação a problemática indígena. Queria apenas registrar uma ligeira discordância do seu raciocínio.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - V. Exª discorda antes da minha conclusão, ou seja, discorda no meio do caminho, mas respeito V. Exª.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Então, V. Exª conclui e, ao final, me concede o aparte. Aí veremos se será dirimida a minha discordância.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Mas eu quero ouvir a discordância.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - V. Exª fez o registro de que eu iria discordar antes que V. Exª concluísse, de sorte que se sente que irá reparar aquilo que vou discordar - porque não conhece o grau da minha discordância ainda -, reservo-me para o final de seu discurso. Mas gostaria de fazer o aparte.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Ouço V. Exª e depois continuo o meu pronunciamento.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Então vou trilhar o meu caminho, com a anuência de V. Exª, sem que me sinta precipitada. Quero discordar da visão que V. Exª apresentou de que as reservas indígenas seriam comparáveis a gaiolas e de que nós, fazendo assim, estaríamos condenando as populações indígenas a viverem eternamente na pré-história. Em primeiro lugar, entendo que o conceito civilizatório de pré-história talvez não se aplique corretamente à realidade dos índios. Fazemos uma divisão didática quando conceituamos a história que antecede a escrita como sendo pré-história, e depois navegamos no campo da história antiga, medieval, moderna, contemporânea; ou seja, fazemos uma divisão pedagógica da história, mas isso apenas para efeito de entendimento. De sorte que o conceito de pré-história, colocado de uma forma, eu diria, preconceituosa, para os índios, não traz à luz a verdade, o conteúdo da realidade dos índios, porque eles têm um grau de desenvolvimento diferente do nosso. E o fato de serem diferentes não significa que sejam inferiores. Aliás, existe uma discussão muito forte, de antropólogos, sociólogos, humanistas, de que não é correto fazermos comparações entre culturas, porque as culturas são diferentes. Temos de pensar do ponto de vista das satisfações que são propiciadas por essas culturas. Suponhamos que a nossa cultura complexa, com uma ciência complexa, com uma tecnologia complexa, nos dê um determinado grau de satisfação. E, no nosso ponto de vista, a ciência e a tecnologia das populações tradicionais possam parecer simples, não complexas, porém, na realidade, trazerem um grau de satisfação para essas comunidades. Assim, não podemos comparar culturas, como se uma fosse superior e a outra, inferior. O desejo de ser incorporado tem de partir dos índios. É claro que não pode existir uma lei que proíba a eles o acesso à tecnologia, ao conhecimento da sociedade ocidental. Deve isso ser um direito e não uma obrigação, para que eles sejam assimilados pela nossa cultura. Quero discordar de V. Exª porque, do ponto de vista sociológico e antropológico, as comunidades indígenas têm o direito de ter os seus territórios tradicionalmente reconhecidos, demarcados e constitucionalmente legitimados por lei; têm o direito de reproduzir sua cultura nos seus aspectos mais diversificados de tecnologia, de espiritualidade, de sistema de governança - elas têm um sistema de governança. A nós cabe o respeito à diferença. Não poderíamos jamais dizer que o fato de alguns optarem por continuar reproduzindo a sua cultura os condenaria a viver na pré-história. Até porque o conceito de pré-história talvez se aplique apenas do ponto de vista de fazermos aqui uma caricatura. São realidades históricas socialmente diferentes. Eu sei que V. Exª é um advogado competente e conhece todas essas teses que acabo de mencionar, mas, já que disse que eu ia discordar antes da conclusão do seu raciocínio, eu quero aqui grifar essa discordância. Compreendo que as populações indígenas têm o direito de levar o seu processo de desenvolvimento, a evolução do seu desenvolvimento para o rumo que sua história permitir. É claro que, em alguns casos, isso não será mais possível, porque a interferência da cultura ocidental barrou esse processo.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Nobre Senadora Marina Silva, em primeiro lugar, eu jamais disse que era contra a reserva. Pelo contrário, enfatizei e grifei que sou a favor delas. Em segundo lugar, jamais comparei culturas. Mas não posso concordar com uma visão equivocada que, ao mesmo tempo em que quer preservar os índios, leve-os ao extermínio.

Poderia aqui citar alguns exemplos, mas vou ficar apenas com um: a nação Karipuna, que, segundo os primeiros registros existentes, no princípio do século, quando da abertura da estrada Madeira-Mamoré, ultrapassava a alguns milhares de indivíduos. Ninguém fez um recenseamento para saber se eram 5.300 ou 3.200, mas falemos em termos de alguns milhares, como tenho referência. O que aconteceu? Depois de tantos reveses, foi instituída inclusive uma reserva, que data do princípio do século XX.

Hoje, da espécie, restam 12 indivíduos. E o que se fez? Deixaram o índio abandonado à própria sorte. Não há mais hábitat natural. É evidente que, se houvesse o hábitat natural, se não houvesse a interferência da presença do branco, eles poderiam ter sobrevivido. Como eu estava exatamente acentuando, havia um processo progressivo de aprimoramento cultural e tecnológico.

Qualquer um que verificar vai encontrar na história artefatos e produções artísticas que demonstram que os índios detinham um estágio bem mais aprimorado. Não diria que estavam ao nosso gosto ocidental, mas ao gosto da cultura típica. E cada cultura tem referências de sutileza, de progresso e de aprimoramento.

Ora, o que se verificou é que, ao longo desse tempo, o índio, em razão de ter perdido o seu hábitat praticamente desde o princípio da ocupação dessas regiões, como se deu na Amazônia, entrou em um processo involutivo. E, hoje, o que me preocupa é que essa visão equivocada está levando ao extermínio. E ao extermínio mesmo. Poderia citar o exemplo da nação Uru-Eu-Wau-Wau, que, no momento em que foi contatada, contava com cerca de 150 indivíduos. Uma parte isolou-se e está em processo de extermínio. Outra parte organizou-se no sentido inclusive de produzir e, hoje, já triplicou o seu número em um curto espaço de tempo.

É isto que nós precisamos: fornecer as condições. Pois não adianta os Karipunas terem mais de 260 mil hectares de reserva - e eu não quero reduzir nem um pedaço - e, hoje, terem doze indivíduos morrendo à míngua, por falta de assistência médica. Vejo que a Funai está desprovida de todos e quaisquer recursos para dar o mínimo de assistência.

Não se pode mais ter uma visão que não permita ao índio encontrar um caminho da integração, no sentido de propiciar os meios de sobrevivência. É claro que eles já foram conspurcados por uma civilização, que não pode ser avaliada como melhor ou pior, mas que ofereça à pessoa humana condições de sobrevivência. E todo processo que leva à destruição é perverso, é desumano, é contrário aos interesses do índio na sua essência.

É por isso que eu vejo, hoje, um esforço brutal, por exemplo, do sertanista Sidney Possuelo, a quem o Brasil deve uma reverência suprema, pelo trabalho que faz de contatar os índios isolados. Mas assim que o contato é feito e a pacificação é consumada, deixam-nos em um processo de integração que não é correto, que é contrário à própria sobrevivência e, assim, os índios passam por um processo de destruição.

E aí, talvez, a minha discordância de quem quer que seja no sentido de que se deve oferecer a esses povos a possibilidade de sobreviverem. Eles não podem ser peças vivas de museu, encerrados nas reservas. Têm que aproveitar os recursos dessas reservas para viverem dentro de padrões que o mundo e que eles querem viver.

Poderia dizer a V. Exª que, passando por essa aldeia, senti uma carência absoluta, porque eles não produzem mais à moda primitiva, querem consumir os produtos do comércio e da indústria dos civilizados, como açúcar, sal, espingarda para caçar, munição para a arma funcionar. E não obstante terem uma riqueza imensa, eles não detêm nada e não têm uma organização capaz de produzir aquilo que é essencial para sua sobrevivência. E o destino é o extermínio. É essa política equivocada que não podemos permitir, por razões as mais variadas. Não podemos permitir que, cada vez mais, cresça esse processo de anulação dos povos indígenas.

É essa questão, Sr. Presidente, que quero trazer ao debate, e um debate profundo. Mas, neste momento, quero deixar à disposição desta Casa alguns documentos que reputo importantes para a reflexão sobre a matéria.

O Sr. José Fogaça (PMDB - RS) - Senador Amir Lando, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Ouço V. Exª com prazer, Senador José Fogaça.

O Sr. José Fogaça (PMDB - RS) - Senador Amir Lando, penso que o tema que V. Exª traz é muito candente, vivo e permanentemente polêmico na vida cultural e política deste País. Na Assembléia Nacional Constituinte, da qual fui um dos integrantes, não creio que tenha havido um assunto mais polêmico, mais emocional e envolvente. Eu me envolvi profundamente nessa questão relativamente à política indígena, porque nós tínhamos que definir uma visão dessa política, da condição do indígena no País. E creio que aquilo que a Constituição previu e estabeleceu foi, dentro do quadro de realidade brasileira, um mínimo fundamentalmente aceitável e razoável. Mas V. Exª e a Senadora Marina Silva têm uma experiência de região amazônica que eu não tenho. Minha experiência é do Rio Grande do Sul, onde existe uma reserva, a Reserva Kaingang. Nas andanças que nós, políticos, somos obrigados a fazer pelo interior do Rio Grande do Sul, muitas vezes cruzamos essa reserva - porque há estradas que a atravessam - que, aliás, V. Exª deve conhecer porque nasceu em Marcelino Ramos, que não é, se não engano, muito distante.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Com vínculos em Ijuí e Campo Novo, aquela região.

O Sr. José Fogaça (PMDB - RS) - Exatamente. V. Exª tem origem também naquela região. Andando por ali, acompanhado de uma pessoa que também participava daquela campanha, daquele roteiro, pelo interior do Rio Grande do Sul, saíamos de uma área extremamente produtiva, de pequenos e médios agricultores, que cercava aquela região. Quando entramos na reserva indígena, foi um choque cultural para esse companheiro, porque o solo estava totalmente infértil e improdutivo. As casas, com padrões típicos da civilização branca - alemã e italiana -, que envolvem essa reserva, ganhavam, assim, características de palhoças. Portanto, muito mais empobrecidas, do ponto de vista da nossa concepção de riqueza.

O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Senador José Fogaça, permita-me interrompê-lo para prorrogar a sessão por poucos minutos, a fim de que V. Exª possa concluir o seu aparte, o Senador Amir Lando, o seu discurso, e para que a Senadora Marina Silva, por alguns minutos - não muitos, porque chegamos ao final da nossa sessão -, pronuncie o seu discurso.

O Sr. José Fogaça (PMDB - RS) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Serei o mais breve possível. Eu estava narrando a V. Exª que tive, por parte dessa pessoa que me acompanhava, uma reação negativa. Ele disse: “Mas como? Isso é tão ruim assim? Por que os índios são tão pobres”? Tentei mostrar a ele que não deveríamos fazer comparações culturais, preestabelecer conceitos de pobreza e riqueza e nem sequer afirmar que a vida de uns é melhor que a de outros. Há condicionamentos e culturas que precisam ser respeitadas; há concepções de felicidade, de bem-estar e de liberdade que devem ser preservadas, mantidas e respeitadas na sua intocabilidade. Procurei, então, defender o fato de que a reserva kaigang precisa ser mantida, e a demarcação de terras tem que ser respeitada. No entanto, Senador Amir Lando, também entendo que se trata de uma questão de defesa, algo chamado instrumentos de defesa da cultura indígena, que não sei se aquilo que propiciamos na Constituinte seja capaz de dar por si mesmo. Ou seja, a simples demarcação de terras e o princípio do reservacionista, por si só, são suficientes para essa idéia fundamental da preservação do respeito à liberdade, da preservação e manutenção da cultura indígena? Aí é que está! A pergunta que se deve fazer é a seguinte: a política que está em andamento no País permite o crescimento, o aperfeiçoamento, a preservação cultural, a capacidade de defender o seu meio de vida e de ampliar os seus métodos de sobrevivência no âmbito das condições que lhe são garantidas? Ou quais são os resultados e as conseqüências dessa política indigenista? Ela tem levado e aumentado a corrupção e a degradação, pelo homem branco, de algumas unidades tribais? Ela tem enfraquecido a sua capacidade e a sua unidade tribal e cultural? Tem enfraquecido ou fortalecido? Essa é a pergunta que se tem que fazer. Tem permitido uma linha de continuidade historicamente válida para as nações indígenas? Tem permitido que haja uma continuidade e expansão das famílias e das tribos ou tem provocado uma redução criminosa dessas populações? Essa é a pergunta que se tem que fazer como um todo sobre a política indigenista vigente no País. E, muitas vezes, essas respostas são dúbias e não são tão simples como pensamos, a ponto de poderem ser dadas com um simples discurso preservacionista. Prover o índio com os instrumentos de defesa da sua cultura talvez não seja apenas isolá-lo. Há algo mais a fazer. Eu, que sou do Rio Grande do Sul, não tenho essa resposta e não sou um especialista na questão indigenista, embora tão preocupado desde que esse tema aflorou com tanta força na Assembléia Nacional Constituinte. Mas quero dizer a V. Exª que, de certa forma, a preocupação de V. Exª não é descabida. Ou seja, o ideal é não contatar os índios; é permitir-lhes a vida pura, sã e a sua continuidade absolutamente intocável no seu direito universal. Porém, quando esse contato já existe - e aí falo dos Kaigang, no Rio Grande do Sul, que adoecem e morrem -, quais são os seus instrumentos de defesa? Não tenho essa resposta, Senador! Quais são os instrumentos de defesa que podemos lhes dar sem, ao mesmo tempo, ajudar a destruí-los? Porque, muitas vezes, o contato humano, o contato entre essas duas concepções culturais e disrítmicas - com ritmos diferentes, embora ambas humanas - é possível levar à degredação, à contaminação, à doença, enfim, à destruição. Ao mesmo tempo, o contato humano pode ser uma forma de defesa. É uma resposta difícil de se dar, e creio que o que V. Exª está fazendo é uma profunda, ampla e criteriosa reflexão que merece o nosso reconhecimento.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Nobre Senador José Fogaça, o aparte de V. Exª enriquece sobremodo esta minha intervenção, o levantar dessa questão. Não tenho respostas, mas é exatamente o que me preocupa.

Quando V. Exª traz à cena o affair kaigang, está exatamente refletindo esse limite. Não há mais como sobreviver à cultura, porque eles estão inseridos em outro hábitat, que não é mais o deles. E é isso o que procurei desde o início, que o hábitat natural - o nosso ideal, quando se pensa em índio - estivesse preservado plenamente e que tivesse uma oportunidade de progredir e de alcançar o auge da sua cultura dentro das possibilidades de desenvolvimento natural, mas isso acabou. Eu disse exatamente isso. Desde que o branco dominou os rios, os índios foram obrigados a se isolar, e, no período da migração, - sempre mais para o interior -, foram deixando atrás de si as conquistas realizadas até aquele momento.

A tendência é um processo evolutivo permanente. Aí, o genocídio; aí, a autodestruição; aí, a preocupação, mais do que nunca, de buscarmos uma forma de se possibilitar a sobrevivência, porque não se pode dizer que encerrá-los nas reservas e aqui ficarmos com a consciência tranqüila, com a consciência de alguém que vai ao cemitério para o sono eterno, seja uma solução. O que se faz aqui é essa comparação. Encerrá-los nas reservas é muito pouco, deixá-los morrer à míngua, quando dispõem de recursos imensos para a sua sobrevivência e desenvolvimento.

Dei como exemplo também esse ramo, exatamente o dos Uru-Eu-Wau-Wau, que hoje já triplicaram a população e que estão vivendo dentro de uma opção pessoal. Ninguém impôs nada, ninguém pode impor nada. Temos que respeitar a liberdade do índio.

Temos que verificar que, do jeito que as coisas estão encaminhadas, querendo ou não, nos nossos sonhos, nas nossas fantasias, estamos levando ao extermínio os povos indígenas.

Essa é a minha triste conclusão e encerra o meu discurso de hoje, para reiniciá-lo com um longo debate em outra oportunidade.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR AMIR LANDO EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/06/2001 - Página 13953