Discurso durante a 78ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REGISTRO DE ENCONTRO DA ONU, REALIZADO EM NOVA IORQUE, PARA DEBATER A CRISE PANDEMICA DA AIDS E AS ALTERNATIVAS PARA O CONTROLE E O TRATAMENTO DA DOENÇA.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. POLITICA EXTERNA.:
  • REGISTRO DE ENCONTRO DA ONU, REALIZADO EM NOVA IORQUE, PARA DEBATER A CRISE PANDEMICA DA AIDS E AS ALTERNATIVAS PARA O CONTROLE E O TRATAMENTO DA DOENÇA.
Publicação
Publicação no DSF de 26/06/2001 - Página 14008
Assunto
Outros > SAUDE. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, ENCONTRO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OBJETIVO, ESTUDO, ALTERNATIVA, CONTROLE, TRATAMENTO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).
  • ANALISE, IMPORTANCIA, ENCONTRO, MOTIVO, UNIÃO, ESFORÇO, PAIS ESTRANGEIRO, OBJETIVO, PREVENÇÃO, COMBATE, TRATAMENTO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).
  • REGISTRO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), COMPROMETIMENTO, SAUDE PUBLICA, PLANETA TERRA, ESTUDO, GRAVIDADE, DOENÇA, MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, AFRICA.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, BRASIL, DEFESA, VITIMA, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), ADOÇÃO, POLITICA, PREVENÇÃO, PROMOÇÃO, ACESSO, DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, MEDICAMENTOS, TRATAMENTO, DOENÇA.
  • CRITICA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), SUJEIÇÃO, POLITICA, HEGEMONIA, PAIS ESTRANGEIRO, REPUDIO, SITUAÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), OMISSÃO, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, reporto-me ao Encontro das Nações Unidas que está ocorrendo hoje, em Nova Iorque, reunindo mais de 130 países. A finalidade desse Encontro é discutir a crise global que a humanidade atravessa diante da pandemia da Aids e as alternativas para o controle e o tratamento dessa doença.

A meu ver, esse é um dos encontros mais importantes dos últimos anos, pois há uma responsabilidade expressiva da comunidade internacional em encontrar um caminho que aproxime as decisões políticas das técnicas e que tornem cúmplices a relação econômica e a ciência.

Não é possível imaginar que, até o ano de 2005, haverá 100 milhões de pessoas infectadas pelo vírus da Aids - isso, segundo todas as projeções estatísticas. Hoje, temos um diagnóstico de 36 milhões de pessoas infectadas pelo vírus da Aids, das quais 25 milhões estão localizadas no Continente Africano, especificamente nas regiões mais pobres, e já existe um registro de 22 milhões de óbitos em função dessa epidemia. Dos 22 milhões de mortes, temos 17 milhões registradas dentro do continente africano.

Uma região como a de Botsuana, um País da África, pobre, com uma condição socioeconômica marcantemente difícil para a sua população, apresenta uma estatística de 38,8% de infectados pelo vírus da Aids.

Trata-se de uma situação de intolerância absoluta para quem tem uma relação com a saúde pública deste Planeta, uma visão de ética mínima.

Tive a oportunidade de refletir um pouco sobre essa tragédia que se abate sobre a humanidade, podendo traduzi-la como um genocídio, lembrando a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Há quase 53 anos, foi criada a belíssima Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada por 160 países, e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, também da mesma época. Todas são belíssimas em seu formato e em seu conteúdo, mas demonstram uma distância profunda, durante todos estes anos, do que seja a ética, a ciência e a relação econômica.

Citarei um trecho da Declaração Universal, de 1948, e o seu artigo fundamental que dispõe sobre a vida. Diz o seguinte:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;

Considerando que o desprezo pelos direitos da pessoa resultou em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que as pessoas gozem de liberdade de palavra, de crença e de liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade, foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum;

Considerando essencial que os direitos da pessoa sejam protegidos pelo império da lei, para que a pessoa não seja compelida, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão;

(...)

Artigo 3º - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

            A Declaração Americana dos Direitos e dos Deveres do Homem não é menos forte e importante.

Ela afirma o seguinte:

Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos e, como são dotados pela natureza de razão e consciência, devem proceder fraternalmente uns para com os outros.

O cumprimento do dever de cada um é exigência do direito de todos. Direitos e deveres integram-se correlativamente em toda atividade social e política do homem. Se os direitos exaltam a liberdade individual, os deveres exprimem a dignidade dessa liberdade.

            No seu art. 1º, afirma também o seguinte: “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa”.

O que se vê é que há uma verdadeira desconsideração, uma indiferença absoluta dos pontos de vista ético e moral. Não podemos ficar alheios a essa realidade. Se experimentamos choque e sofrimento profundo, enquanto gerações, com o que houve no Holocausto, com a perda de seis milhões de pessoas, deveríamos ter o mesmo sentimento com o que está ocorrendo em relação à pandemia da Aids. São 22 milhões de mortos. Somente no ano de 2000, no continente africano, mais especificamente na região sul-africana, foram 2,4 milhões de mortos, vítimas desse vírus. Há pessoas que já nascem contaminadas.

Como eu disse, em Botsuana, 38,8% dos seus habitantes já estão infectados, com ameaça de perda da população do país inteiro, porque não há uma política eficiente de prevenção, de controle e de tratamento. Os países ricos, alheios a essa realidade, insensíveis, preferem atender aos interesses da indústria farmacêutica mundial, que não abrem mão dos seus bilhões de dólares e preferem ver milhões de vidas ceifadas.

O Brasil situa-se como um caso à parte dessa relação. Por uma lei do Senado Federal, de autoria do Senador José Sarney, o Brasil ousou aprovar a gratuidade e o acesso universal aos medicamentos a todas as pessoas vítimas do vírus da Aids. Garantiu com isso um aumento da expectativa de vida e da qualidade de vida das pessoas infectadas pelo vírus, reduziu drasticamente os índices de mortalidade e o número de internações hospitalares e, ao mesmo tempo, diminuiu a transmissão da Aids da mãe para o filho.

O Ministério da Saúde aproveitou a oportunidade dessa lei para adotar uma política de prevenção. Então, nós, que tínhamos uma expectativa de 1,2 milhão de contaminados pelo vírus da Aids até este ano, estamos com apenas 203 mil casos de pessoas infectadas - não que esse número seja pequeno, mas isso demonstra uma distância enorme, de quase 1 milhão de casos, da expectativa prevista de transmissão da doença do início da epidemia no Brasil nos anos 80 até a entrada deste milênio. Essa diferença extraordinária demonstra que, quando se faz saúde pública no seu sentido pleno, é possível chegar a resultados favoráveis ao cidadão, que seria o maior beneficiado.

Lamento profundamente que os organismos internacionais tenham pouca força neste momento. Sem dúvida alguma, é louvável a atitude da Organização das Nações Unidas, mas parece que ela ainda está presa, subjugada a dogmas e a pensamentos de Estados conservadores, com força religiosa capaz de impedir uma ação de liberdade de saúde pública mais efetiva em suas populações. Talvez por isso o resultado desses dogmas e desses preconceitos seja que a África, o sudeste asiático e o sul da Ásia registraram 5,8 milhões de casos no ano de 2000, com 470 mil vidas já perdidas, por uma desconsideração do sentido pleno da saúde pública, dando lugar a alguns preconceitos e dogmas.

A pergunta que se apresenta é o que fazer diante deste grave problema de saúde pública que estamos vivendo no plano global, porque a humanidade paga um preço muito alto por tudo isso. Aqueles que advogam a tese da ciência cúmplice de uma relação econômica sempre pautada pela ética têm o dever de manifestar o seu repúdio, o seu distanciamento desse tipo de prática que a humanidade está vivendo.

Segundo a Organização das Nações Unidas, alicerçada em um parecer técnico da Organização Mundial de Saúde, se gastássemos US$10 bilhões todos os anos, teríamos a pandemia da AIDS sob pleno controle. Hoje, o planeta está gastando US$1,8 bilhão. Houve a decisão de uma participação dos países ricos, em colaboração com esse Fundo das Nações Unidas para o Controle e a Prevenção da AIDS, mas o governo americano liberou apenas US$100 milhões, associado à Grã-Bretanha e à França, que também liberaram, mais ou menos, a mesma cifra cada um.

Desse modo, estamos muito longe daquilo que é, hoje, a necessidade ética do cumprimento e da responsabilidade pública de toda a humanidade com essa pandemia. Ainda estamos muito longe de ver os países aderindo a conceitos de ética no seu sentido pleno.

Apresentarei ao Senado Federal, nas próximas horas, um requerimento, solicitando um voto de censura à Organização Mundial do Comércio, que, além de regular as relações comerciais entre os povos, tem permitido a ocorrência de políticas de cartelização e de dumping das multinacionais nos países com maior dificuldade de acessar o medicamento da Aids para a sua população. A Organização Mundial do Comércio, entidade reguladora das relações comerciais, tem a responsabilidade de inserir um componente ético na relação entre os povos.

Por essa razão, num debate oportuno que a Organização das Nações Unidas travará, deveríamos contribuir decisivamente - talvez com o exemplo que tivemos oportunidade de ver sair daqui do Senado Federal de que, na América Latina e na África, o Brasil se insere de modo especial como um grande exemplo na prevenção da Aids e no combate a esse mal.

Espero que o encontro da Organização das Nações Unidas entenda que o Senado Federal pretende continuar a sua luta, repudiando uma prática de insensibilidade absoluta à Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/06/2001 - Página 14008