Pronunciamento de Juvêncio da Fonseca em 25/06/2001
Discurso durante a 78ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
CRITICAS A PROJETOS DE LEI QUE PROIBEM OU RESTRIGEM O PORTE DE ARMAS, EM TRAMITAÇÃO NO SENADO.
- Autor
- Juvêncio da Fonseca (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
- Nome completo: Juvêncio Cesar da Fonseca
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SEGURANÇA PUBLICA.:
- CRITICAS A PROJETOS DE LEI QUE PROIBEM OU RESTRIGEM O PORTE DE ARMAS, EM TRAMITAÇÃO NO SENADO.
- Aparteantes
- Ademir Andrade, Moreira Mendes.
- Publicação
- Publicação no DSF de 26/06/2001 - Página 14046
- Assunto
- Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
- Indexação
-
- OPOSIÇÃO, PROJETO DE LEI, TRAMITAÇÃO, SENADO, DESARMAMENTO, POPULAÇÃO, DEFESA, ORADOR, DIREITOS, CIDADÃO, PORTE DE ARMA, SEGURANÇA, FAMILIA.
- ANALISE, AUMENTO, CRIME, VIOLENCIA, ORIGEM, DESIGUALDADE SOCIAL, OMISSÃO, ESTADO, SEGURANÇA PUBLICA, AUSENCIA, CORRELAÇÃO, PORTE DE ARMA.
O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como todos já observaram neste Plenário, inclusive o Senador Moreira Mendes, sou um homem de paz, conciliador. Gostaria muito de que a humanidade vivesse em fraternidade universal, que todas as nações se constituíssem em Estados solidários que amparassem seus filhos. Gostaria que não houvesse excluídos e que, principalmente, não houvesse violência na nossa sociedade.
Faço essa introdução para abordar rapidamente um assunto que me aflige e que sei estar afligindo a população brasileira, principalmente a população rural e, por que não dizer, também a população urbana. Quero me referir aos projetos de lei que estão em tramitação no Senado com relação à proibição do uso e porte de armas. Os projetos são de diversas naturezas. Alguns são extremamente radicais ao proporem tirar a arma do homem, deixando-o à mercê dos bandidos. Outros projetos propõem um meio-termo, ao permitir tê-la apenas em casa.
Alguns dizem que os crimes ocorrem em razão, principalmente, do fato de a sociedade estar armada. Não é verdade! A sociedade pode estar armada em sua casa. O homem honesto, sério e produtivo socialmente pode ter porte de arma.
O crescimento do crime ocorre especialmente em virtude da desigualdade social, da falta de distribuição de renda, e da pobreza que grassa entre as populações de nossas periferias. Naturalmente, nesses casos, a violência aparece.
A violência é fruto também da negligência do Estado, da falta do aparato policial e da falta da presença do Estado ordenando um trabalho de segurança pública decente e confiável. De um lado, existem fatores essencialmente sociais que geram a violência e que fazem parte de uma estrutura econômica perversa; de outro lado, há o Estado desaparelhado.
Para coibir a violência, desarma-se o povo, procedimento que não resolverá a questão econômica - isto é, a pobreza - tampouco a violência existente em nossa sociedade. Precisamos permitir que o povo tenha direito a se defender da violência que está nas ruas a qualquer instante - na esquina, na padaria, no carro, na periferia, no centro da cidade, na zona rural, em todos os lugares.
Hoje, o crime acontece muito mais fora das residências. Seqüestros e assaltos ocorrem, Sr. Presidente, na rua, perto de casa, vizinho à casa, vizinho à casa dos meus familiares; assaltos à mão armada acontecem nas calçadas. E ter para nossa defesa uma arma registrada, guardada dentro de casa, é um absurdo social! Mas o Estado não nos proporciona tranqüilidade.
Tenho para mim que a Lei 9.437, que criou o sistema nacional de armas, é uma lei boa, muito boa - permite o porte, o registro de arma. Permite que o cidadão possua uma arma em casa e permite que o cidadão possa portar uma arma, desde que satisfaça certos requisitos: ser socialmente produtivo, ter condições psicológicas satisfatórias, possuir adestramento no uso da arma, comprovar a necessidade do uso da arma em função do trabalho ou em razão das circunstâncias que o cercam. Portanto, trata-se de uma importante legislação.
O interessante é que esta legislação, quando veio, endureceu substancialmente as regras do porte de arma. Mesmo assim, muitos dizem que o índice de violência está relacionado diretamente ao uso das armas pelo povo. Não é verdade! Dados levantados no Brasil e no mundo comprovam que inexiste relação entre a venda e porte de armas legais e o aumento da violência. Exemplifico: em 1994, foram registradas 42.090 armas e autorizados 69.136 portes de arma no Estado de São Paulo. Nos anos seguintes, a Lei nº 9.437, que é de 1997, e a criação do Sistema Nacional do Controle de Armas tornaram bem mais difícil a aquisição de armas de fogo, o que causou uma diminuição progressiva nas vendas. Em 1998, ocorreram não 42 mil registros, mas apenas 6.714. E foram concedidos não 69 mil portes, mas apenas 2.115. Entretanto, não houve diminuição da violência. Em São Paulo, houve aumento da violência. No Brasil, houve aumento da violência. E caiu assustadoramente o número de registros e deferimentos de porte de armas.
Portanto, não há correlação entre o aumento do porte de armas e o aumento da violência. O aumento da pobreza, da insegurança, a falta de estrutura do Estado para proporcionar segurança à população - pois em alguns casos há mais confiabilidade no bandido do que no homem honesto - isso sim, faz com que a violência grasse cada vez mais no País.
O Sr. Ademir Andrade (PSB - PA) - V. Exª me concede um aparte, nobre Senador Juvêncio da Fonseca?
O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS) - Pois não, nobre Senador Ademir Andrade.
O Sr. Ademir Andrade (PSB - PA) - Senador Juvêncio da Fonseca, por mais estranho que possa parecer, gostaria de me somar às argumentações de V. Exª. Apesar de Senador do PSB, tenho a mesma compreensão de V. Exª. Quando vejo um ato como o mostrado na primeira página do jornal O Globo, tratores destruindo cem mil armas como propaganda de governo, seja ele qual for, isso me parece um erro. Na verdade, as indústrias de armamento devem estar batendo palmas para essa destruição, pois abre-se a possibilidade de mais mercado para elas. Numa sociedade, como V. Exª diz, extremamente desigual como a nossa, numa sociedade que vive uma verdadeira guerra civil, numa sociedade onde já existe uma lei extremamente dura que regulamenta o porte de armas, não é necessária nenhuma outra lei. Eu considero o que está tramitando no Congresso Nacional verdadeira demagogia; é uma demagogia essa proibição de uso de arma: numa sociedade como a nossa, com tamanha desigualdade, é absolutamente inaceitável o cidadão de bem não ter o direito de se proteger. Até na guerra política, Senador Juvêncio da Fonseca! No Estado do Pará, ao longo de 20 anos como Parlamentar, já vi mais de 60 companheiros meus serem barbaramente assassinados na briga por terra, na questão do latifúndio, por crimes de encomenda. Imagine se essas pessoas tivessem tido o direito de se defender, se soubesse o pistoleiro de aluguel da possibilidade de resposta às suas atitudes! Eu estranho esse tipo de propaganda. E creio que a lei que temos é mais do que rigorosa. Como disse V. Exª, e eu concordo mais uma vez: falta o Estado presente para tomar as armas ilegais, porque são essas que, na verdade, cometem os crimes; são essas que estão nas mãos de pessoas que não deveriam portá-las.
O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) - Senador Ademir Andrade, esta Presidência pede desculpas a V. Exª pela interrupção de seu discurso para prorrogar a sessão, a fim de que não só V. Exª como também o Senador Juvêncio da Fonseca concluam o pronunciamento.
O Sr. Ademir Andrade (PSB - PA) - Eu me somo à manifestação de V. Exª para dizer que a lei que existe sobre porte de armas já é mais do que suficiente para regulamentar a situação. Sou contra qualquer tipo de lei que tramite nesta Casa para proibir o porte de armas. Não somos um país da Europa, mas um país de desigualdades terríveis, que devem ser combatidas. Particularmente, entendo que as leis que estão sendo votadas aqui são uma forma de se dar satisfação ao clamor da opinião pública, que às vezes nem compreende a razão das coisas. Como acho absurda a propaganda que o Governo está fazendo: apreenderam 100 toneladas de drogas e as estão transportando em comboios, helicópteros, uma parafernália de carros, de agentes. E para quê? Para mostrar que estão prendendo alguma coisa? Isso não era necessário, pois bastava que as drogas fossem destruídas lá onde foram apreendidas. Por que gastar tanto dinheiro para trazer essas 100 toneladas de drogas e queimá-las na Cosipa? Essa é uma propaganda que não faz sentido algum. Que queimassem a droga onde ela foi encontrada sem gastar tanto dinheiro e designassem esses agentes, que estão perdendo três, quatro dias de viagem acompanhando carretas com fretes caríssimos, para ficar no encalço das pessoas que fazem o tráfico de drogas, não para fazer essa propaganda que só objetiva mostrar o trabalho do Governo, o que considero extremamente errado. Era essa a contribuição que eu gostaria de dar a V. Exª. Muito obrigado.
O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS) - Agradeço o aparte de V. Exª, que vem corroborar com nossa tese lúcida, inclusive, no sentido social da proposta que estamos fazendo de não mexer na Lei nº 9.437. Ela já é suficiente para ordenar a questão da posse e do porte de arma no País.
O Sr. Moreira Mendes (PFL - RO) - V. Exª me concede um aparte?
O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS) - Concedo o aparte ao Senador Moreira Mendes.
O Sr. Moreira Mendes (PFL - RO) - Senador Juvêncio da Fonseca, meu aparte é para registrar basicamente o que o Senador Ademir Andrade já mencionou com muita propriedade. Com essa proposta quer se tapar o sol com a peneira. Na verdade, a lei não vai resolver absolutamente o problema da violência no País. Longe disso, creio até que vai aumentar, pois vai desarmar o cidadão de bem, aquele que precisa, às vezes, ter uma arma em casa para se defender. Portanto, é pura demagogia. É uma lei hipócrita, para não ser cumprida. É mais uma como a que me referi há pouco, discutindo a questão da Medida Provisória nº 2.080. Portanto, quero dizer que sou solidário com seu pronunciamento. Certamente, vamos abrir uma ampla discussão quando esse projeto de lei vier ao plenário para ser discutido. Vamos estar aqui defendendo sua tese e a do Senador Ademir Andrade. Na verdade, a lei que temos hoje é mais do que suficiente. Quero fazer uma outra consideração: bandido não precisa de lei; bandido não vai cumprir lei nenhuma; ele vai ter a arma quando quiser e como quiser; ele tem até armas da mais alta sofisticação, da mais alta qualidade; roubam até armas do Exército. Então, vamos deixar de lado essa demagogia e essa hipocrisia e vamos dar um basta na questão, arquivando, verdadeiramente, essa proposta aí em curso.
O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS) - Senador Moreira Mendes, obrigado pelo aparte, que enriqueceu a nossa argumentação.
Na Inglaterra, a Scotland Yard está plenamente aparelhada. Não precisa de arma na mão do povo para haver confiança na segurança. Em Londres, se há um grito de socorro, a Scotland Yard está presente. Pergunto: no Brasil, um grito de socorro na favela, na caatinga, na Amazônia, no cerrado ou no Pantanal, onde está a nossa Scotland Yard? Não temos estrutura para dar, imediatamente ao pedido de socorro, segurança ao cidadão brasileiro e à sua família. É preciso que o homem também tenha condições de se armar, porque, armado, ele pode exercer o instituto da legítima defesa. O que é isso? Entende-se legítima defesa quem, usando moderamente os meios necessários, repele uma injusta agressão a um direito seu, que é a vida. Ora, como se repele uma injusta agressão? Com a arma que se tem. Se não há arma, como se repele a agressão? Então, para que esse artigo do Código Penal, se não há possibilidade e o Estado, que devia oferecer a defesa da sua integridade física e do seu patrimônio, não a oferece e ainda lhe toma a arma para garantir esse seu direito?
No mês de março do ano passado, proferi um discurso a respeito desse assunto e lembro-me de que fui aparteado por vários companheiros Senadores. Gostaria de ler apenas alguns parágrafos daquele pronunciamento. A segunda emenda pronunciamento:
A 2ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos, em vigor há mais de 200 anos, [e na qual não se mexe] diz que o direito do povo de ter e portar armas não pode ser infringido, não pode ser negado.
Só depois que, na Inglaterra, a proteção do indivíduo pelo Estado se tornou eficientíssima foi proibido o uso de armas pelo cidadão comum.
Porém, o Tenente-Coronel PM de São Paulo Jairo Paes de Lira diz que tomou conhecimento, no Congresso Policial de que participou, em Haia, em 1998, de que na Inglaterra, após o desarmamento, ‘houve brutal inflexão, para cima da curva de crimes violentos’ (revista Catolicismo, agosto de 1999, página 35).
Ensina o jurista italiano Battaglini, citado por Nelson Hungria: quem se predispõe a delinqüir deve ter em conta dois perigos: o da defesa privada e o da reação penal do Estado.
No Brasil, em que o Estado não reage eficazmente ao crime, deseja-se agora que o indivíduo também não reaja. [Inanição do Estado, inanição do indivíduo, e o crime pode ser cometido abertamente.]
A polícia tem publicado recomendações para que o assaltado não lute, porque não está, normalmente, habilitado a defender-se. Ao invés de aconselhar a submissão passiva, deveria ensinar aos homens de bem o uso das armas.
(...)
Para um fraco, agredido por um forte, o uso da arma é meio necessário.
Um Governo que jamais conseguiu impedir o contrabando de ofensivas numa das fronteiras mais extensas e desertas do mundo pretende proibir a venda fiscalizada e registrada de armas de defesa.
O desarmamento dos honestos, em um país em que os assaltantes estão soltos e armados, tende a criar um povo de medrosos e acuados.
Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, sei que não tenho muito tempo, já extrapolamos o tempo normal do Expediente, mas agradeço a benevolência de V. Exª e os apartes recebidos.
Fica aqui nossa mensagem, nossa certeza de que o Senado Federal não aprovará esse projeto de lei, fazendo com que a Lei nº 9.437 permaneça em vigência, porque ela dá muito mais garantia ao cidadão do que qualquer outra lei que possa ser colocada à disposição do povo.
Muito obrigado, Sr. Presidente.