Discurso durante a 79ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

IMPORTANCIA DA VITORIA DO GOVERNO BRASILEIRO NA QUESTÃO DAS PATENTES DE MEDICAMENTOS PARA O COMBATE A AIDS.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. POLITICA EXTERNA. SENADO.:
  • IMPORTANCIA DA VITORIA DO GOVERNO BRASILEIRO NA QUESTÃO DAS PATENTES DE MEDICAMENTOS PARA O COMBATE A AIDS.
Aparteantes
Geraldo Melo, Roberto Saturnino, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2001 - Página 14107
Assunto
Outros > SAUDE. POLITICA EXTERNA. SENADO.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, VITORIA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), BRASIL, LIBERAÇÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), PATENTE DE REGISTRO, MEDICAMENTOS, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS).
  • ANALISE, ATUAÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, EXPECTATIVA, NEGOCIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), REFORÇO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • SUGESTÃO, INICIO, SESSÃO LEGISLATIVA, ORGANIZAÇÃO, PAUTA, APRECIAÇÃO, MATERIA, SENADO.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos vivendo um momento muito delicado da vida nacional. A economia demonstra um certo descontrole, o que se percebe mediante o comportamento de alguns mercados, entre eles o mercado de dólares no nosso País. Ainda semana passada, o Banco Central entrou com uma ação dura em relação à questão cambial. Mas esse não é um problema isolado. De certa forma, é a explicitação de sérias vulnerabilidades que a economia brasileira tem passado. Vulnerabilidades externas, como o fechamento das nossas contas externas - que, este ano, encontrou uma maior dificuldade, tendo em vista a diminuição do ingresso de investimentos externos no nosso País - e vulnerabilidades internas, como o caso da energia, o que, de certa forma, desorganiza ainda mais este cenário complicado da economia brasileira, que já sofria com a crise da Argentina, com a diminuição da atividade econômica nos Estados Unidos. Então, os brasileiros não têm motivos relevantes para comemorar.

Porém, venho a esta tribuna informar sobre um fato importante que ocorreu ontem e que merece registro e comemoração. Refiro-me, Sr. Presidente, à vitória que o Governo brasileiro obteve, particularmente o Ministério da Saúde, por intermédio do Ministro José Serra, na luta pelas patentes de medicamentos para o combate à Aids, uma conquista que serve ao povo brasileiro, mas que, na realidade, é uma conquista de toda a humanidade. O Senador Tião Viana pode confirmar essa vitória, pois, como médico, conhece muito mais sobre esse problema do que eu.

Fiz questão de iniciar o meu discurso, começando pelas derrotas, pelos obstáculos, pelos empecilhos que o nosso povo está vivendo nos últimos meses. Acredito que essa é uma vitória importante, resultado de uma política correta, e acaba com essa história de que o Governo não precisa ter políticas setoriais claras e definidas para poder agir. Creio que, no caso da Aids, o programa brasileiro já é reconhecido internacionalmente. E agora, ao enfrentar essa luta de patentes, que é uma questão de humanidade - pois quando olhamos, por exemplo, para os países irmãos nossos na África e presenciamos a situação dessa doença e a dificuldade do povo e dos governos, pela falta de recursos na compra de medicamentos extremamente caros -, admitimos que conseguimos uma vitória.

Essa nova posição dos Estados Unidos sinaliza, inclusive, para que possamos pensar a questão das patentes, que são importantes. Não precisamos ter uma visão dura, truculenta e ignorante em relação ao tema, porque a propriedade do conhecimento, do estudo, do avanço científico é importante, pois precisamos de dinheiro para financiar a ciência e tecnologia, mas precisamos diferenciar muito o que é um avanço na Internet, na informática, em várias outras áreas do conhecimento, do que é um avanço em relação ao conhecimento no tratamento de uma doença como essa, gravíssima, no mundo inteiro e a dificuldade que os países mais pobres têm em adquirir esses medicamentos.

Essa é uma vitória do Governo brasileiro e da humanidade, que podemos comemorar num momento tão difícil. Desde ontem, quando recebi a notícia, conscientizei-me de que tinha que vir à tribuna, hoje, registrar o fato, porque a vida se faz nessa dicotomia: perdemos aqui, ganhamos ali; o importante é ganhar um pouco mais do que perder e continuar avançando, avançando no conhecimento, no saber, na democracia e, principalmente, na possibilidade de acesso de todos aos mercados e aos benefícios que os avanços científicos e tecnológicos permitem ao ser humano e deveriam permitir a todo cidadão.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Concedo um aparte, com carinho, ao Senador Tião Viana.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Eminente Senador Paulo Hartung, quero partilhar do seu entusiasmo, do seu reconhecimento a essa conquista do povo brasileiro, do Ministério da Saúde, em relação a uma reação positiva do governo americano à luta que trava o povo brasileiro em favor da universalização do atendimento aos pacientes vítimas do vírus da Aids. Isso é fruto de uma luta obsessiva, eu diria, do povo brasileiro, dos movimentos sociais não organizados, que encontrou plena sensibilidade no Ministério da Saúde, na gestão do Ministro José Serra e encontrou uma percepção no tempo mais oportuno ainda do Ministro Jamil Haddad, quando, em 1993, apresentou uma portaria atendendo a um debate da Organização Mundial de Saúde, apontando a alternativa de redução de custo de medicamentos e que os genéricos pudessem passar a ser olhados pelos países periféricos como uma prioridade. Essa conquista vem ao encontro deste momento em que a Organização das Nações Unidas reúne 130 países que, de maneira elevada, com grande senso de responsabilidade, demonstra a dor, como V. Exª muito bem expressa aqui, em relação a situação da África. Pior do que ocorreu no Holocausto, em que seis milhões de pessoas morreram, são 22 milhões de cidadãos vítimas da Aids, sendo 17 milhões de africanos. Botswana, por exemplo, tem 38,8% de sua população infectada pelo vírus da Aids, o que demonstra a tragédia humana em que se transformou essa doença para as populações pobres. Aí começou esse grande debate em torno do que é o acesso exclusivo à propriedade intelectual, herdada por um esforço - é bom que se diga - das multinacionais. Uma multinacional, para desenvolver um medicamento, gasta no mínimo US$16 milhões da fase 0 à fase 5, porque é assim que consegue chegar ao ponto de colocar no mercado um determinado produto e com isso objetivar o retorno do seu investimento financeiro. Porém, penso que ela não pode abrir mão de princípios éticos e morais. Nesse caso, o Brasil ousou enfrentar, na condição de um país periférico ainda, um debate com países poderosos, do centro das decisões mundiais, e conseguiu sensibilizar a comunidade internacional, creio que de maneira feliz, o que envaidece a todos nós brasileiros e ao Senado Federal. Entendo que deve servir de exemplo essa digna ação parlamentar, que foi o Projeto de Lei do Senador José Sarney, que fez com que sensibilizássemos um Ministério, chegássemos à OMC e às instituições internacionais, a fim de defender o acesso universal ao tratamento da Aids. Parabéns pelo seu brilhante pronunciamento.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Senador Tião Viana, como eu disse a V. Exª, incorporo com muito carinho o seu aparte. V. Exª, como especialista na área - o que não é o meu caso -, de certa forma, transformou o meu discurso em um aparte.

Senador Tião Viana, há uma reflexão muito interessante embutida nisso tudo. A negociação internacional é muito difícil em um País em desenvolvimento como o nosso. Estamos assustados - e não sem razão - com o debate sobre a Alca. Essa questão faz aflorar a idéia de que devemos nos preparar para o debate internacional com boas idéias, com boas causas e bem fundamentadas. É evidente que há as caneladas dos poderosos - e também havia nesse caso -, mas o grande desafio do País, hoje, é se preparar para debater a Alca e para fortalecer o Mercosul como espaço geográfico, cultural e econômico importante, até para o fortalecimento do nosso País e dos nossos vizinhos.

Está posta a idéia de troca de complementariedade na questão energética. Devemos fortalecer novamente a idéia do Mercosul. O episódio das patentes traz essa experiência.

Da mesma forma que venho a esta tribuna, de vez em quando, criticar o Governo, quero saudar o Governo, o Ministro José Serra por essa atitude. V. Exª ressaltou com muita inteligência de que não se trata de uma questão de política de Governo. O Governo teve a sensibilidade de captar os movimentos do Congresso Nacional e da sociedade. É um fato muito positivo, que temos que comemorar. Não é uma hora boa para comemorações porque há muitas notícias ruins diariamente na vida do nosso povo, da nossa gente, mas temos o que comemorar.

O Sr. Geraldo Melo (Bloco/PSDB - RN) - Senador Paulo Hartung, V. Exª me concede um aparte?

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Concedo o aparte, com carinho, a V. Exª.

O Sr. Geraldo Melo (Bloco/PSDB - RN) - Senador Paulo Hartung, desejo congratular-me com V. Exª pelo pronunciamento que faz. Considero seu pronunciamento modelar, partindo de uma voz da Oposição. Na realidade, V. Exª não sente dificuldade em assomar à tribuna do Senado Federal para fazer um pronunciamento que não deixa de ser um reconhecimento a uma postura inatacável do Governo Federal, do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e uma demonstração clara de que somos, hoje, um País que se move no cenário internacional sem complexos de inferioridade. Na realidade, tivemos de vencer a obstinada reação de um país que, hoje, sem dúvida, é a Nação reitora do mundo, sob todos os aspectos e em todos os planos. Isso não nos intimidou. À ação obstinada do Ministro José Serra, a sua competência, a sua qualificação, a sua capacidade de discutir, de negociar, de articular juntou-se - justiça seja feita - ao trabalho silencioso e eficiente do Itamaraty, que se integrou nessa luta, que apoiou as discussões em todos os planos, no plano político e no plano técnico, para que a Humanidade, não apenas o povo brasileiro, possa recolher a grande notícia com a qual amanhecemos hoje no Brasil. Agradeço a V. Exª pela oportunidade de me manifestar. Faço do discurso de V. Exª um instrumento para chegar também a minha voz de aplauso e de congratulação ao Ministro José Serra, aos diplomatas brasileiros e ao Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso pela maneira corajosa e competente com que agimos, por intermédio deles, nesse episódio. Muito obrigado.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Senador Geraldo Melo, também acolho o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento. V. Exª traz um elemento novo, do qual estava me esquecendo. É importante registrar no contexto deste discurso que, muitas vezes, nós pedimos e reivindicamos uma certa modernização da nossa diplomacia, até porque as relações comerciais, principalmente no mundo, evoluíram muito rápido. A impressão que ficou é que a nossa diplomacia, em determinado momento, ficou um pouco despreparada para algumas tarefas. Creio que esse também é um caso a ressaltar, ou seja, o empenho, a competência, a ousadia e a ação da diplomacia brasileira. V. Exª, em bom tempo, corrigiu essa omissão do meu pronunciamento.

            O Sr. Roberto Saturnino (PSB - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Concedo um aparte ao Senador Saturnino Braga, com muita satisfação.

O Sr. Roberto Saturnino (PSB - RJ) - Esse aparte, Senador, também é para cumprimentar V. Exª pelo pronunciamento que, mais uma vez, revela o seu espírito público, acima de ligações partidárias. É importante reconhecer, sim, essa vitória, que foi da Nação brasileira, do povo brasileiro, especialmente, tão necessitado dela, mas foi também uma vitória do Governo, vamos reconhecer, do Ministro José Serra, que tanto lutou por isso, e do Itamaraty, que manifesta a sua alta competência, a sua capacidade de negociação, que, a meu juízo, anda um tanto tolhida pelas autoridades econômicas na negociação do campo econômico. Creio que o Itamaraty, se estivesse um pouco mais desenvolto e livre para negociar, conseguiria posições melhores para o Brasil na negociação econômica também. Mas, nesse caso, revelou-se, na sua inteireza, a competência tradicional, histórica, reconhecida do Itamaraty, e obtivemos uma vitória, que é da razão e da Justiça. Não valeu aí nenhuma pressão de natureza econômica ou de poder, foi uma vitória da razão e da Justiça, e temos que cumprimentar o Governo. E parabenizo a V. Exª pelo pronunciamento.

O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES) - Senador Roberto Saturnino, obrigado pelo aparte.

Ao terminar o meu pronunciamento, Sr. Presidente, gostaria de reapresentar um tema que abordei hoje cedo na Comissão de Assuntos Econômicos, quando lá apreciamos e tivemos o primeiro ensaio de discussão sobre a Alca. O Senador Lúcio Alcântara apresentou uma moção, fixando condicionantes à nossa participação ou não na Área de Livre Comércio das Américas. Naquela comissão, como Relator inclusive da proposta de S. Exª, enfoquei uma idéia que quero agora, em plenário, apresentar à Casa e ao Presidente Jader Barbalho.

Creio que estamos chegando ao final de um período legislativo. Entraremos em recesso a partir da próxima semana e, rapidamente, estaremos de volta.

O primeiro semestre foi de muito tumulto e de muita dificuldade nesta Casa. Não digo que perdemos tempo, porque isso não existe na vida política de um povo. Avança-se muitas vezes por caminhos muito distintos, mas perdemos a articulação de uma agenda para esta Casa.

Hoje eu o disse na CAE e vou repetir na presença do Presidente Jader Barbalho: poderíamos envidar esforços para, no início do próximo período legislativo, elaborar uma agenda para esta Casa. Não apenas uma agenda de votação desse ou daquele projeto. É importante, por exemplo, viabilizar a Lei das S.As e outros projetos relevantes que estão tramitando nesta Casa. Mas creio também que deveríamos ter uma agenda de debates sobre temas que interessam ao nosso País.

Concluindo, Sr. Presidente, entendo que a Alca é um desses temas importantes e que pode mobilizar inteligências, a Academia, agregando valor intelectual a esse processo de discussão.

Fica aqui esta modestíssima colaboração ou contribuição: a tentativa de estabelecermos, no próximo período, uma agenda de votação de projetos e de debates de temas importantes que interessem não apenas às Srªs e aos Srs. Senadores, mas que interesse profundamente à sociedade brasileira.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2001 - Página 14107