Discurso durante a 78ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO GEOGRAFO MILTON SANTOS.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO GEOGRAFO MILTON SANTOS.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2001 - Página 14030
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MILTON SANTOS, GEOGRAFO, ELOGIO, OBRA CIENTIFICA.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Para encaminhar a votação. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é lamentável que estejamos aqui para referir-nos à perda, tanto para os familiares quanto para o País, de dois grandes nomes que já não fazem mais parte do nosso convívio. Falo do jornalista Evandro Carlos de Andrade e do geógrafo Milton Santos.

Milton Santos foi uma figura importante da intelectualidade brasileira e dedicou grande parte de sua obra à reflexão dos impactos da globalização sobre a humanidade.

Desde o dia 20 de junho, estava internado no Hospital do Servidor Público do Estado em decorrência de um câncer de próstata. Na madrugada de domingo, 24 de junho de 2001, não resistiu e morreu de insuficiência respiratória.

O intelectual Milton Santos era professor emérito da Faculdade de Geografia da Universidade de São Paulo.

Milton Santos, nascido em 3 de maio de 1926, em Brotas de Macaúba, na Chapada Diamantina, Bahia, formou-se, no ano de 1948, em Direito, pela Universidade Federal da Bahia. Seus pais eram gente pobre, professores primários, que lhe ensinaram as primeiras letras. Com cinco anos, Milton aprendeu a ler e escrever, sem ter ainda entrado na escola. Aos oito anos, já tinha noções de álgebra e dava os primeiros passos no francês. Só quando fez dez anos seus pais o matricularam no Instituto Baiano de Ensino, um internato freqüentado por filhos de famílias de classe média. Desde cedo, sua vocação de professor se manifestou: aos 15 anos, gostava de, nas horas de folga, ensinar os colegas do colégio.

Durante a fundação da Associação dos Estudantes Secundaristas da Bahia, da qual Milton Santos participou ativamente, foi convencido por seus colegas a não se candidatar ao cargo de Presidente daquela agremiação. Seus colegas argumentaram que, como ele era negro, não seria capaz de conversar com as autoridades, uma clara demonstração do preconceito que existia, e ainda existe, em relação às pessoas da raça negra.

Professor em várias universidades no tempo da ditadura militar, aceitou lecionar no exterior, passando por importantes universidades na França, Estados Unidos, Tanzânia e Venezuela, entre outros. Retornou ao Brasil em 1977.

Em 1994, recebeu o Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud por ter sido um dos expoentes do movimento de renovação crítica da Geografia e por ter apresentado diversos trabalhos sobre a metodologia dessa disciplina.

Entre suas obras, figuram os seguintes livros: Por uma outra Globalização; A Natureza do Espaço; A Urbanização Brasileira; Metamorfoses do Espaço Habitado; Novos Rumos da Geografia Brasileira; O Trabalho do Geógrafo no Terceiro Mundo; O Espaço do Cidadão; Pensando o Espaço do Homem; Por uma Economia Política da Cidade; Espaço e Método e - a sua última obra - Por uma Geografia Nova, dando aqui todo o potencial da sua produção intelectual, do seu trabalho de pesquisa, que ficará para o Brasil e para o nosso povo, principalmente para a Academia, como o seu maior legado.

Milton Santos escreveu mais de 40 livros, publicados em vários países - Brasil, França, Reino Unido, Portugal, Japão e Espanha. Conciliava seu trabalho acadêmico com a participação na Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, da qual fazia parte desde 1991, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano.

Atuou também como jornalista, acompanhando Jânio Quadros numa viagem a Cuba, em 1960, época em que já era um geógrafo conhecido. Tornou-se amigo e profundo admirador de Jânio, chegando a ser subchefe da Casa Civil e representante do Governo Federal em seu Estado. Mas se decepcionou com a renúncia do então Presidente, em agosto de 1961.

Presidiu, em 1964, a Comissão Estadual de Planejamento Econômico, órgão do governo baiano, quando foi autor de propostas polêmicas, como a de criar um imposto sobre fortunas.

Durante o regime militar, Milton Santos combinava as atividades de redator do jornal A Tarde, de Salvador, e de professor universitário, época em que defendeu posições nacionalistas e denunciou as precárias condições de vida dos trabalhadores do campo.

Acabou sendo demitido da Universidade Federal da Bahia e passou 60 dias preso no quartel de Cabula, em Salvador. Só o libertaram porque sofreu um princípio de infarto e um derrame facial.

            Foi professor da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da USP, consultor da Organização Internacional do Trabalho, da Organização dos Estados Americanos e da Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

Por essas e outras razões, Sr. Presidente, quero aqui me congratular com a família enlutada e dizer que o Congresso Nacional tem respeito pela trajetória intelectual, pela contribuição dada por este intelectual militante político, pois também era um homem de posição. Que a família esteja recebendo o conforto do Altíssimo neste difícil momento de perda por que estão atravessando.

As pessoas que têm uma obra significativa, principalmente aquelas capazes de transformar essa obra num legado histórico, não desaparecem, como geralmente ocorre com cada um de nós, que somos mortais. Existem aqueles que são capazes de se imortalizarem pela sua obra. Com certeza, esse é o caso de Milton Santos.

Segundo um jornalista acreano, na Amazônia, as árvores, quando percebem que estão perto de morrer, fazem um esforço muito grande para florescer, na tentativa de jogar as suas últimas sementes para continuarem vivas nas plantas que, com certeza, nasceriam da sua última florada.

Tenho certeza de que, com todo o seu trabalho intelectual, Milton Santos jogou a sua última florada sobre os jovens brasileiros e sobre as universidades e continuará contribuindo, por intermédio de sua obra, ao estudo da Geografia brasileira e à reflexão sobre as realidades econômica, social e política do nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2001 - Página 14030