Discurso durante a 191ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

COMENTARIOS A MATERIA PUBLICADA NO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO, INTITULADA "PRIVATIZAÇÃO-VALE PODERA SER VENDIDA EM PARTES".

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • COMENTARIOS A MATERIA PUBLICADA NO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO, INTITULADA "PRIVATIZAÇÃO-VALE PODERA SER VENDIDA EM PARTES".
Aparteantes
Ronaldo Cunha Lima.
Publicação
Publicação no DCN2 de 15/11/1995 - Página 3055
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, DECLARAÇÃO, LUIS CARLOS MENDONÇA, PRESIDENTE, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), MOTIVO, DESMEMBRAMENTO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), OBJETIVO, VENDA, PRIVATIZAÇÃO, OPINIÃO, ORADOR, DESVALORIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL.
  • REPUDIO, VENDA, EMPRESA, COMENTARIO, VOTAÇÃO, REQUERIMENTO, AUTORIA, ORADOR.

            O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o jornal O Estado de S. Paulo, de domingo, publica uma matéria que, a meu ver, deveria merecer a reflexão dos Srs. Senadores.

            A matéria, que tem como título "Privatização - Vale poderá ser vendida em partes", apresenta entrevista com o Sr. Luís Carlos Mendonça de Barros, Presidente do BNDES, onde nos deparamos com algumas informações e declarações que seriam, no nosso entendimento, cômicas, se não fossem trágicas.

            Em primeiro lugar, contrariamente a tudo aquilo que havia sido dito até o momento, inclusive por parte do próprio Presidente da Vale do Rio Doce e dos Ministros da área econômica, o Dr. Luís Carlos Mendonça de Barros investe na linha de que a Vale deveria ser privatizada em partes.

            Segundo ele, essa seria uma forma que o Governo teria para arrecadar mais dinheiro. Além disso, ele diz que:

      "a única atividade da Vale do Rio Doce um pouco mais estratégica é sua importância na área de transporte ferroviário, onde tem boa tecnologia e opera com eficiência". No resto e, sobretudo, no setor de exploração de minério de ferro, quanto mais cedo o Brasil vendê-la, melhor, argumenta.

            Diz ainda a reportagem:

      "De acordo com Mendonça de Barros, "o minério de ferro está em clara decadência no mundo, o preço da Vale do Rio Doce tende a cair ao longo do tempo, dentro de uns cinco ou seis anos". A estatal atua ainda na exploração de ouro e celulose, áreas consideradas por Mendonça de Barros sem qualquer importância estratégica".

            Independentemente da discussão sobre se a Vale deve ser ou não privatizada, já tive oportunidade de dizer nesta Casa que, até do ponto de vista do mero negócio, a venda da Companhia Vale do Rio Doce, neste momento, seria um erro.

            Essa afirmação se dá em função inclusive de uma pergunta que fiz ao Dr. Francisco Schettino, Presidente da Companhia Vale do Rio Doce, por ocasião do seu depoimento na Comissão de Assuntos Econômicos, no Senado.

            Baseando-me em relatório anual da própria Companhia, onde se diz que a Companhia Vale do Rio Doce estaria pronta para ingressar em um novo patamar de atividade através de joint venture com os chineses, em função da própria redução da amortização da dívida decorrente da implantação do minério de Carajás, o que provocaria uma valorização do seu patrimônio, foi perguntado ao Dr. Francisco Schettino o que significava, em termos concretos, essa valorização do patrimônio em função dessa nova mudança de estratégia da Companhia Vale do Rio Doce. E o Dr. Francisco Schettino, Presidente da Companhia Vale do Rio Doce disse literalmente o seguinte, que pode ser comprovado nas notas taquigráficas daquela reunião da Comissão de Assuntos Econômicos:

      "Caso sejam implantadas essas medidas que a Companhia Vale do Rio Doce já está em vias de implantar, a valorização da Companhia Vale do Rio Doce, nos próximos dois anos, seria da ordem de dois a três bilhões de dólares. Portanto, tirando-se a discussão da função estratégica da Vale do Rio Doce, retirando qualquer discussão ideológica, avalizando-se simplesmente, do mero ponto de vista do negócio, de acordo com os dados da própria Companhia Vale do Rio Doce, vendê-la nesse momento seria um péssimo negócio para o Governo."

            No entanto, surpreendentemente, vemos o Dr. Luís Carlos Mendonça de Barros, Presidente do BNDES, vir com afirmações que, na verdade, contribuem para a desvalorização da empresa. Seria como se o cidadão colocasse um anúncio em um classificado de jornal para vender um carro e dissesse embaixo: "Daqui a um ano, o motor do carro vai quebrar; a situação da caixa de marcha também está ruim e poderá quebrar daqui a 6 meses".

            Daí perguntamos: a quem interessa afirmações como essa do Presidente do BNDES, que é, até o momento, o único órgão governamental que está sujeito à discussão sobre a privatização da Companhia Vale do Rio Doce?

            Outro aspecto que gostaríamos de registrar é que essa posição contraria a análise de todas as pessoas que vêm estudando a questão da privatização da Companhia, mesmo aquelas que são favoráveis à sua privatização, mas que afirmam categoricamente que essa privatização tem que se dar em bloco, sob o risco de a Companhia Vale do Rio Doce perder a sua sinergia e, principalmente, deixar de ter a sua importância estratégica para o desenvolvimento de diversos Estados do nosso País. Sem contar que diversas empresas do grupo Vale do Rio Doce só têm razão de existir na medida em que fazem parte do conjunto dos negócios do grupo. Por exemplo, a DOCENAVE só tem razão de existir em função de que os seus navios são utilizados para exportação de minério de ferro. A DOCEGEO, que é a Vale Do Rio Doce em pesquisa mineral, só tem razão de existir na medida em que a própria Companhia Vale do Rio Doce depois se incumba da exploração e da lavra desses recursos minerais.

            O Sr. Ronaldo Cunha Lima - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Concedo um aparte, com muito prazer, ao nobre Senador Ronaldo Cunha Lima.

            O Sr. Ronaldo Cunha Lima - Senador José Eduardo Dutra, manifesto a V. Exª igual preocupação em relação à privatização da Vale do Rio Doce. Entendo e proclamo que assiste razão a V. Exª até o momento em que o Governo apresente argumentos convincentes que nos levem a justificar essa decisão, porque, até agora, não nos foram apresentados quaisquer argumentos que pudessem mostrar que o negócio ofereceria qualquer vantagem para o Governo. Temos que ser cautelosos, precavidos, prudentes nesse processo de privatização, principalmente em se tratando de companhia como a Vale do Rio Doce, em que todos os dados e elementos nos levam ao convencimento de que a sua privatização é nociva aos interesses do próprio Governo. A minha solidariedade.

            O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado, Senador Ronaldo Cunha Lima. Incorporo, com muito prazer, o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento.

            Outro aspecto que eu gostaria de analisar, da citada entrevista, é quando o Dr. Luís Carlos Mendonça de Barros diz o seguinte: "O minério de ferro está em clara decadência no mundo". Isso é verdade. A própria substituição de materiais faz com que o minério de ferro hoje não tenha a mesma importância que tinha na década de 40 ou de 50. Agora, na medida em que qualquer recurso, principalmente recurso mineral, passa a ser monopolizado por uma empresa ou por um país, por menor que seja a importância desse bem mineral, em função dos novos modelos de industrialização, essa monopolização com certeza terá uma influência decisiva no mercado.

            É público e notório que, na hipótese da privatização na Companhia Vale do Rio Doce, um de seus mais sérios pretendentes seriam os australianos, que são hoje o segundo maior exportador de minério de ferro do mundo. Deve-se registrar, inclusive, que a maior empresa nessa área, na Austrália, é estatal, e que, caso venham a comprar a Companhia Vale do Rio Doce, estaria estabelecido, na prática, o monopólio do comércio internacional de minério de ferro, que, mesmo não tendo hoje a importância estratégica que tinha nas décadas de 40 ou de 50, na medida em que fosse estabelecido o monopólio, com certeza, traria uma mudança profunda no mercado dessa matéria-prima.

            Perguntamos: por que essa declaração do Dr. Mendonça de Barros, Presidente do BNDES - órgão onde está se discutindo a questão da Companhia Vale do Rio Doce -, vêm claramente no sentido da sua desvalorização?

            Sem fazer nenhum juízo de valor ou acusações, gostaríamos de lembrar que as hipóteses que estão colocadas para a compra da Companhia Vale do Rio Doce são, de um lado, os australianos, de outro, os japoneses e a terceira alternativa seria um consórcio de bancos brasileiros. O Dr. Mendonça de Barros, não coincidentemente, é um dos donos do Matrix, banco que, em 1994, segundo a própria imprensa, foi o que teve a maior lucratividade e que, coincidentemente, é também conhecido no mercado financeiro como o "Banco Tucano". Sabemos muito bem que essas relações entre o público e o privado no Brasil não são muito esclarecidas. Não sabemos até que ponto existe realmente uma total desvinculação do Dr. Luís Carlos Mendonça de Barros do seu ninho original, que é o Matrix.

            Entretanto, gostaríamos de ressaltar que no próximo dia 30 estará em votação nesta Casa requerimento de minha autoria, solicitando que o projeto que exige a autorização legislativa do Congresso Nacional para a privatização da Vale do Rio Doce volte ao plenário desta Casa.

            Os Srs. Senadores devem se lembrar que esse projeto esteve em pauta no mês de agosto ou no mês de setembro e que por iniciativa da Liderança do Governo - esse projeto teve também a aprovação da Comissão de Assuntos Econômicos, volto a registrar, com voto favorável de grande parte da bancada governista - foi, na época, encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, segundo compromisso do Senador Elcio Alvares, Líder do Governo, para que, em um prazo de vinte dias, fosse emitido parecer sobre a matéria. De lá para cá, decorridos cerca de dois meses, até o momento, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania ainda não emitiu parecer sobre esse projeto.

            Em função disso, apresentamos requerimento para que ele volte ao plenário. Esse requerimento será votado no dia 30 de novembro e contamos com o apoiamento dos Srs. Senadores a fim de que o projeto venha para o plenário e seu mérito seja discutido. Se o Governo quiser derrotar o projeto e se os Senadores da base governista quiserem que ele seja arquivado que votem contra o mesmo, quando ele vier para o plenário. Não dá mais para continuar se utilizando de manobras protelatórias para que os Senadores, principalmente aqueles que tenham bases nos Estados onde a Vale do Rio Doce atua, possam continuar dizendo que são a favor da Companhia Vale do Rio Doce, que são contra a sua privatização, mas na hora do voto não votam de acordo com o que afirmam.

            O que temos feito questão de registrar é que, independentemente do fato de que a Vale deve ou não ser privatizada, a questão é saber quem vai dar a palavra final. Esse projeto possibilita que seja retirado o poder da tecnocracia do BNDES, sede do Dr. Mendonça de Barros, sede da Drª Elena Landau, a prioridade e principalmente a prerrogativa de serem os únicos a terem a palavra final nessa questão. Entendemos que essa é a única forma de os legítimos representantes dos Estados, no caso do Senado, e das populações dos Estados, no caso da Câmara dos Deputados, se manifestarem sobre essa questão tão importante, que é a privatização da Companhia Vale do Rio Doce.

            Queremos registrar, inclusive, que a Lei nº 8.031, quando foi votada no Congresso Nacional, mesmo por um Congresso acuado, acovardado em final de mandato e com medo das bravatas do então Presidente Fernando Collor de Mello, ao votar aquela lei, colocou um artigo que dizia que o Congresso poderia avocar para si a decisão final sobre empresas estatais que o Congresso considerasse como de caráter estratégico. O ex-Presidente Fernando Collor de Mello vetou esse artigo e o Congresso não derrubou o veto.

            O que estamos propondo com esse projeto é exatamente, no que diz respeito à Companhia Vale do Rio Doce, voltarmos à redação original da Lei nº 8.031, e que o Congresso Nacional dê a palavra final sobre essa questão, impedindo que os tecnocratas do BNDES, bem ou mal intencionados, continuem emitindo as suas opiniões, que, na verdade, só contribuem para a desvalorização do patrimônio público e para que o Brasil continue adotando a sua política econômica sob a lógica do contador, de simplesmente equilibrar as contas, vender o patrimônio sem levar em consideração o mínimo de política de estratégia industrial. Como já foi dito por diversos analistas da área econômica, a venda hoje da Companhia Vale do Rio Doce, mantidas as atuais taxas de juros, significa três meses de pagamento de juros da dívida interna. Ou seja, daí a três meses continuamos com a mesma dívida e sem a Companhia Vale do Rio Doce.

            Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, queremos alertar que no próximo dia 30 estará em votação o requerimento de nossa autoria, solicitando que o projeto volte ao plenário da Casa, para que possamos debater o seu mérito, o que até agora não pudemos fazer, em função das manobras protelatórias da Liderança do Governo.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 15/11/1995 - Página 3055