Discurso durante a 80ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO JORNALISTA EVANDRO CARLOS DE ANDRADE.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO JORNALISTA EVANDRO CARLOS DE ANDRADE.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/2001 - Página 14282
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, MARCIO MOREIRA ALVES, REPORTER, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), HOMENAGEM POSTUMA, EVANDRO CARLOS DE ANDRADE, JORNALISTA.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na manhã de segunda-feira, esta Casa e o País foram surpreendidos com a morte de um dos mais dedicados e competentes profissionais dedicados à comunicação brasileira: o jornalista Evandro Carlos de Andrade, que, até então comandava o sistema de jornalismo da Rede Globo.

            Além do Senado, os veículos jornalísticos em sua unanimidade lamentaram a grande perda, destacando a personalidade de Evandro, jornalista autêntico que soube honrar a profissão que era sua paixão.

Hoje, em O Globo, o jornalista Marcio Moreira Alves, que trabalhou sob as ordens de Evandro, dedica o espaço de sua apreciada coluna ao mestre que acaba de desaparecer, destacando, com palavras amigas, algumas das características que aquele carioca deixa como escola e modelo para todos os que integram a imprensa brasileira.

Nesse artigo, Marcio Moreira Alves dá um testemunho da grande preocupação de Evandro Carlos de Andrade com a inovação jornalística. Foi quando, ao ser convidado por ele para escrever uma coluna política, Marcio ponderou que gostaria de torná-la não apenas uma fonte de informações sobre o dia-a-dia político, mas também sobre políticas públicas.

Ao aceitar o estilo proposto, Evandro, na verdade, abriu o caminho para que Marcio Moreira Alves passasse a analisar acontecimentos que, mais tarde, colecionados, um a um, resultassem no livro Sábados Azuis, uma coletânea em que o ex-Deputado e hoje articulista apreciado, pôde mostrar ao público leitor fatos de um Brasil que dá certo. Fatos positivos, reveladores de iniciativas que se espalham e são repetidas em toda a extensão do território brasileiro.

Por isso, Sr. Presidente, peço que o texto do artigo de Marcio Moreira Alves, Réquiem por Evandro, faça parte desse breve pronunciamento. É mais um preito de homenagem ao grande jornalista que faleceu há três dias.

Obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR FRANCELINO PEREIRA EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO

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            Réquiem por Evandro

Não fui amigo de Evandro Carlos de Andrade. Fui seu conhecido, seu colaborador e discreto admirador. Considerava-o um mestre e um exemplo da profissão que a ambos apaixonava: o jornalismo. Tínhamos o mesmo amor pela palavra e pela informação exata. Foi o revisor das minhas colunas, juntamente com seu amigo Luiz Garcia, indormida sentinela da pureza desta última flor do Lácio inculta e bela.

O que é bom dura pouco. As suas crescentes ocupações como líder de uma vasta equipe acabaram por roubar o tempo que dedicava a essa revisão que fazia por prazer, quase como esporte. Não tardou que o Garcia também me abandonasse, deixando-me inseguro, como um órfão abandonado na calçada. Paciência.

Conheci Evandro em 1967, quando era o diretor em Brasília de “O Estado de S.Paulo”, e, muitas vezes, escrevia sobre o acontecido na Câmara dos Deputados, onde eu representava a oposição pelo Rio de Janeiro. Naquele tempo, os repórteres e os colunistas políticos formavam um clube puramente masculino. Evandro acabou com a exclusividade dos homens, nomeando Teresa Cesário Alvim principal responsável pela cobertura do grande jornal paulista, nos dias trepidantes que antecederam o AI-5. Foi a pioneira demonstração de coragem inovadora que dele tive.

Outra demonstração da sua coragem para inovar que testemunhei foi quando me convidou para ser o colunista político do GLOBO, em Brasília. Disse-lhe que gostaria de fazer uma coluna diferente, sobre políticas públicas, em vez de tratar apenas da política dos políticos. Tentei explicar, dizendo que, quando alguém se candidata a um cargo executivo, governador ou presidente da República, passa a campanha falando de coisas que têm a ver com a vida dos eleitores: educação, saúde, transportes, política econômica, política externa e mesmo política militar. Nós, jornalistas, acompanhamos e relatamos essas propostas de campanha e, com isso, sobe o número de leitores interessados nas páginas de política. Passadas as eleições, fica tudo como dantes. Os políticos esquecem as propostas de campanha e nós também. Passam a se preocupar apenas em fazer alianças parlamentares, em se xingar de ladrões uns aos outros, em especular sobre eleições futuras, enfim, a se preocupar com assuntos que mais interessam a eles do que aos eleitores. Nós vamos atrás e relatamos o que dizem. Resultado: cai o percentual de leitores. Quero fazer diferente: quero continuar a acompanhar os temas que foram tratados nas campanhas.

Evandro era um homem de decisões rápidas e, confiante no seu próprio talento, não temia o talento dos outros. Pensou uns segundos e disse:

            - Nunca ninguém tentou fazer isso. Pessoalmente, acho que não dá certo, mas é uma proposta inovadora. Por mim, pode tentar. Se não der certo, mando você embora.

Como já lá se vão quase dez anos dessa conversa, creio que deu certo.

Uma ilustração da verdadeira mania que Evandro tinha pela informação precisa. Certa vez, escrevi que, segundo uma pesquisa do Ibope, mais de 60% dos moradores do Rio Grande do Sul conheciam e aprovavam a campanha do Betinho pela cidadania e contra a fome. Evandro duvidou e lhe passei por fax os resultados da pesquisa. Diante dos números, não havia o que discutir, mas dar o braço a torcer era outra história. Perguntou:

            - Quem foi que fez a contraprova dessa pesquisa?

            Mais amenas são as recordações do Parque Guinle, em volta do qual ambos morávamos. Algumas vezes nos encontramos no playground do parque, ele com o seu filho caçula, eu com a minha neta Sofia, que nasceram na mesma semana. Enquanto vigiávamos com um olho vago as crianças, que subiam e desciam dos escorregas e da gangorra, discutíamos sobre se convinha ou não gradear o parque, um dos raros espaços livres de grades que sobrevivem na cidade. Evandro era a favor, eu contra. Nunca chegamos a um acordo, mas a experiência me fez concordar com sua neta Helena que, no velório, ouvindo os políticos enaltecerem a sua condição de jornalista, disse: "Ele era um maravilhoso pai, um avô excepcional. Em resumo, uma grande figura humana."

Outra preocupação permanente que tinha, como jornalista, era com a neutralidade do jornal diante de candidaturas majoritárias. Argumentava que os leitores eram de todos os partidos e que não podíamos tentar impor-lhes a nossa própria opção por um ou outro partido político. Dizia:

            - Na medida que nos aproximamos das eleições, o número de cartas que nos acusa de parcialidade aumenta. O ideal seria que recebêssemos um número exatamente igual de cartas nos acusando de favorecer um dos candidatos ao das que nos acusam de favorecer o outro.

            Ficou a meta. Continuará a ser buscada, apesar da ausência de Evandro. Só lhe posso dizer hoje as palavras iniciais do ofício dos mortos:

Requiem aeternam dona eis. Dai-lhes o repouso eterno.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/2001 - Página 14282