Discurso durante a 81ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

AVALIAÇÃO DO PAPEL DO LEGISLATIVO, DIANTE DA SUBMISSÃO DO PARLAMENTO BRASILEIRO AS IMPOSIÇÕES DO EXECUTIVO.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • AVALIAÇÃO DO PAPEL DO LEGISLATIVO, DIANTE DA SUBMISSÃO DO PARLAMENTO BRASILEIRO AS IMPOSIÇÕES DO EXECUTIVO.
Publicação
Publicação no DSF de 29/06/2001 - Página 14407
Assunto
Outros > LEGISLATIVO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, LEGISLATIVO, CONGRESSISTA, SUBORDINAÇÃO, EXECUTIVO, MOTIVO, NECESSIDADE, APOIO, REELEIÇÃO.
  • CRITICA, REDUÇÃO, RECURSOS, COMBATE, ERRADICAÇÃO, POBREZA, FALTA, RESPONSABILIDADE, CONGRESSISTA, NECESSIDADE, DESAPROVAÇÃO, LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTARIAS (LDO).
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, ISENÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), APLICAÇÃO FINANCEIRA, RESULTADO, PREJUIZO, TRABALHADOR.
  • CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SUBORDINAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), FALTA, DIALOGO, POPULAÇÃO, RESULTADO, PREJUIZO, POLITICA SOCIO ECONOMICA.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna para tecer um comentário sobre as intensas votações que ocorreram no Congresso Nacional durante esta semana.

Entendo que nos países onde há um processo ativo de participação política da população, onde todos têm acesso à informação correta, à educação e participam com mais eficiência do processo político, onde existem meios mais práticos de organização da população, o Poder que tem a maior força é o Parlamento. Em qualquer país do mundo, o Parlamento é a Casa que faz as leis, aprova o orçamento, as contas e os gastos do Governo. Nos países civilizados, os Parlamentos têm, na verdade, uma estrutura de poder maior do que a do Poder Judiciário e maior do que a do Poder Executivo - até porque o Judiciário cumpre as leis que passam pelo Parlamento e o Executivo, por sua vez, é um administrador, um executor, um arrecadador e aplicador dos recursos retirados da população do País. Portanto, a essência do Parlamento, que vem de muito tempo, é a de um Poder mais próximo ao povo, mais sensível ao povo, de um Poder que direciona a forma de agir do Executivo e do Judiciário.

Os sistemas parlamentares não-presidencialistas são uma demonstração clara desse fato, até porque o primeiro-ministro é eleito pelo próprio parlamento. Na concepção do progresso da civilização, os parlamentos tendem a ser o poder majoritário, mais forte, determinante, o poder que tem, na verdade, um elo de representação mais real do que o Judiciário e o Executivo. Este, em muitos casos, nem é eleito pelo povo, como nos sistemas parlamentaristas ou nos Estados Unidos, que promovem eleição indireta para eleger o presidente da república.

Para ser civilizado, para ter justiça social, para não ter o nível de desigualdade existente no Brasil, para impedir a impunidade, um país precisa ter um Poder Legislativo forte. O povo brasileiro deve dar mais atenção à eleições dos Deputados Federais, dos Senadores, dos Deputados Estaduais, dos Vereadores, deve dar uma atenção maior ao processo eleitoral.

            No Brasil, o povo não tem clareza das coisas, há enorme quantidade de pessoas analfabetas, que não tiveram oportunidade de aprender a ler e escrever; os meios de comunicação, que passam os fatos ao povo, não são do próprio povo e do Estado, mas de particulares, de empresas privadas, muito ligadas aos interesses das elites dominantes, que, por sua vez, são ligadas ao interesse dos países desenvolvidos. As informações, portanto, não chegam de maneira correta.

            Vivemos uma era política de muito atraso. O Parlamento brasileiro, lamentavelmente, não é independente, em que as pessoas ajam com sua consciência, tenham liberdade e possam se impor, porque ainda vivemos uma época em que a eleição, muitas das vezes, é feita com a utilização da máquina pública. A maioria dos Parlamentares brasileiros vive em função da utilização do exercício de poder sobre a máquina pública para, utilizando-a sob sua direção, servir à determinada corrente e conquistar voto com isso.

            Os Parlamentares brasileiros, diferentemente, creio, dos da Europa e dos Estados Unidos, vivem muito em função da obediência ao Executivo, em função dos favores que recebem, dos cargos que nomeiam e do poder de comando que detêm sobre grande parte dos órgãos públicos do País: DNER, INCRA, superintendências de polícia, órgãos de agência de desenvolvimento, bancos e suas diretorias. Enfim, há uma troca do Poder Executivo com o Parlamento e uma submissão do Parlamento em função da dependência política da maioria dos Parlamentares para uma possível reeleição. O quadro, no Brasil, é ainda de perfeito atraso. Ao contrário dos parlamentos dos países desenvolvidos, onde há independência, poder e representação autêntica dos interesses da população, o Parlamento brasileiro é submisso, obedece às ordens e determinações, dobra-se à imposição do Poder Executivo. São incontáveis os casos que provam o que estou dizendo.

O caso mais recente é, praticamente, a expulsão de dois Senadores do Partido do Governo, Álvaro Dias e Osmar Dias, que assinaram um requerimento para criação de CPI para investigar denúncias de corrupção feitas pelo próprio Governo. O PMDB, ao denunciar o PFL, e o PFL, ao denunciar o PMDB, geraram um clima de desconfiança no Brasil, que levou o Presidente da República a um nível de descrédito jamais atingido por qualquer outro Presidente em toda nossa história. Esses Senadores estão sendo praticamente expulsos porque desejavam que a apuração fosse feita, o que deveria também ser uma obrigação do Executivo e da maioria dos Parlamentares desta Casa.

É assim que funciona o Parlamento brasileiro. Por isso apelamos para que a população compreenda a importância da força dos Parlamentares, porque, afinal de contas, tudo passa por nossas mãos.

Um Presidente pode ficar absolutamente atado, absolutamente impossibilitado de realizar coisas em favor do povo ou contra o povo na medida em que haja um parlamento diligente, um parlamento independente, um parlamento que não negocie subservientemente.

Sr. Presidente, digo essas coisas em função de dois fatos importantes que aconteceram esta semana aqui. Um foi a aprovação de uma lei que regulamenta uma emenda constitucional, que pretensiosamente deveria erradicar a pobreza no Brasil, e o outro, no dia seguinte, foi a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano de 2001.

A primeira dessas leis, a aprovação da regulamentação da emenda constitucional encabeçada pelo ex-Senador Antonio Carlos Magalhães, de combate à pobreza, é absolutamente inócua, não surtirá qualquer efeito, não vai mudar nada. Isso porque o Orçamento da União tem inúmeras rubricas destinadas a programas tais como a cesta básica, contra a seca, combate a doenças como a malária, leishmaniose, febre amarela, pequenos recursos para a construção de casas populares - insignificantes diante da necessidade -, entre inúmeros outros problemas cuja solução poderia melhorar a vida da população brasileira.

Como resultado da pressão popular, da força da mídia que combateu o salário mínimo absolutamente ridículo que existe no Brasil - R$180,00 -, no Congresso houve um posicionamento da Oposição, que sempre lutou por essas coisas e uma aliança com o ex-Senador Antonio Carlos Magalhães, que, naquele momento, assimilou aquele anseio da sociedade e promoveu um estudo de combate à pobreza.

Depois de muita discussão no Senado da República, chegou-se à conclusão de que não poderia esse recurso destinado ao combate à pobreza ultrapassar a casa dos R$4 bilhões anuais.

A equipe econômica veio dar as ordens, como sempre dá, ao Congresso Nacional. Ontem, aconteceu um fato engraçado. Quando votávamos a Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano de 2001, recebi um telefonema da secretária do Ministro Martus Tavares, em plena sessão do Congresso Nacional. Atendi ao telefone, e ela disse: “É o Senador Ademir?”. Eu respondi: “É.” Ela continuou: “Aqui é da parte do Ministro Martus Tavares, e ele pede, pelo amor de Deus, que o senhor esteja na sessão para votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias.” Esqueceu-se a secretária do Sr. Ministro que eu sou um Senador de Oposição, jamais falto a uma votação importante como essa; ela deveria estar ligando para os Senadores do Governo, porque desejava que esses Senadores votassem sem nenhuma discussão, sem nenhuma modificação, a proposta encaminhada ao Congresso Nacional pelo Executivo.

A lei determinou que os recursos destinados ao combate à pobreza não podem ultrapassar a casa dos R$4 bilhões por ano. Ora, essa quantia, Sr. Presidente, significa, hoje, o que o Governo arrecada mais do que gasta com a população brasileira em um único mês.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, O Globo de hoje diz: “O superávit do governo cai para R$3,4 bilhões no mês de maio. No mês de abril, o superávit foi de R$6, 61 bilhões.” Isso significa, repito - é bom, porque as pessoas que estão nos escutando têm de compreender essas coisas -, que o Governo arrecada mais da sociedade brasileira por meio de impostos, tributos, previdência social e todas as arrecadações mais do que ele aplica em benefício da sociedade brasileira. O balanço até o mês de maio acusa o saldo do superávit primário de janeiro, fevereiro, março, abril e maio e chega a R$16,8 bilhões. Esse saldo somado aos R$3,4 alcança quase R$20 bilhões de superávit primário. A pobreza e a miséria, a vergonha deveria ser de todos nós e doer em todos nós. Deveríamos nos unir e nos organizar para impedir a continuidade da miséria e da fome, destinando-lhes recursos para menos minimizar esse estado da população brasileira. Não! O Congresso Nacional simplesmente aprova o Orçamento e aprova essa lei, como o Governo quer.

Digo que essa lei é iníqua, porque o Governo simplesmente vai pegar as rubricas normais que ele já tinha para esses programas e colocá-las agora no Programa de Combate à Pobreza. Ou seja, ele vai fazer com a emenda de combate à pobreza e com a Lei de Combate de Erradicação à Pobreza a mesma coisa que ele fez com o CPMF. Criamos o CPMF para aumentar os recursos destinados à saúde. O Governo Fernando Henrique utilizou os recursos do CPMF e destinou-os à saúde, mas, por outro lado, tirou os recursos normais que no Orçamento já se destinavam à saúde. Portanto, a lei é absolutamente inócua. Ela não serve para nada, mas foi aprovada por esta Casa, inclusive com o nosso voto.

Com relação ao Orçamento, à Lei de Diretrizes Orçamentárias votada ontem pelo Congresso Nacional, ou seja, pelos Senadores e Deputados Federais, houve, realmente, uma absoluta falta de responsabilidade, no meu entender. O Congresso Nacional não traz para si a discussão e a decisão sobre uma questão dessa importância, simplesmente obedece às determinações do Senhor Fernando Henrique Cardoso, sem discuti-las e sem analisá-las corretamente.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano de 2002 prevê um superávit primário de R$ 31, 5 bilhões (trinta e um e meio bilhões de reais). No ano de 2002, a previsão é a de que o Governo arrecadará mais do que gastará R$ 31,5 bilhões. A Lei de Diretrizes Orçamentárias não prevê nem o necessário para pagar o serviço da dívida, o que demonstra a necessidade urgente de repensar a forma de pagar a dívida pública interna e, principalmente, a dívida externa brasileira, porque os R$ 31,5 bilhões não dão para pagar um terço dos encargos dessa dívida. Portanto, tiramos R$31,5 bilhões do povo e ficamos devendo mais R$64 bilhões. A dívida cresce, extrapola 50% do Produto Interno Bruto e se torna absolutamente impagável.

Disse e repito: os técnicos do Ipea, um órgão do Governo que tem extrema credibilidade, informaram que o Brasil tem 54 milhões de pobres, pessoas que vivem abaixo da linha de miséria. Desses 54 milhões, 22 milhões são indigentes, pessoas que vivem com menos de R$2,00 por dia. O próprio Ipea informa que, com R$6 bilhões, não haveria mais indigentes no Brasil. Com R$33 bilhões, tiraríamos 54 milhões de brasileiros dessa categoria definida como pobreza absoluta. Quem disse isso foi o Ipea - Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, ligado ao Ministério do Planejamento. Portanto, se o Ipea diz que, com R$ 33 bilhões, acabaríamos com a pobreza num ano, como o Congresso Nacional admite, na aprovação do Orçamento, um superávit primário de R$31,5 bilhões e não socorre a pobreza com um centavo sequer? Usa talvez os mesmos R$4 bilhões que já existem hoje nos programas sociais. O Congresso Nacional foge à sua responsabilidade. Os Parlamentares fogem à sua responsabilidade e votam com o Governo sem aprofundar a discussão da matéria, porque dependem do Governo para nomeação dos seus indicados para ocupação de cargos públicos em todo o Território Nacional, para o atendimento dos créditos dos seus amigos, entre outras coisas.

Para encerrar, Sr. Presidente, quero dizer que o Governo está pensando numa minirreforma tributária. Uma das decisões previstas é a isenção da CPMF, que todos pagamos, - 0,38% sobre nossa movimentação financeira. Quem tem saldo devedor no banco paga em dobro, o que é um absurdo. O Governo já estuda que a CPMF não recaia mais sobre os aplicadores financeiros. Ou seja, aquelas pessoas que não investem os seus recursos na produção, ou seja, os ricos, que pegam sua poupança e aplicam no sistema financeiro, aplicam na Bolsa de Valores; a eles será feita a concessão de não pagarem mais a CPMF. Só o povo, só a grande massa de trabalhadores brasileiros vai continuar pagando a CPMF. As aplicações financeiras, pelo que se está pensando agora, ficarão livres da CPMF.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador Ademir Andrade, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) - Senador Ademir Andrade, V. Exª já ultrapassou o tempo regimental. Por isso, em homenagem aos outros Senadores inscritos, rogo que conclua; senão prejudicará os demais Colegas.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Senador Pedro Simon, peço desculpas a V. Exª por não ter a honra de ter o seu aparte.

Sr. Presidente, quero dizer ainda que também estão pensando em dispensar o pagamento do PIS e da Cofins nas exportações, além de não cobrarem CPMF dos produtos semi-elaborados, dos produtos primários. O Brasil não cobra mais ICMS de ninguém. Dessa forma, o Brasil é um País que exporta muitos produtos que não passaram por nenhum processo de beneficiamento e de industrialização, o que poderia gerar mais trabalho e mais renda para a população brasileira e ainda se pensa em dispensar o pagamento do PIS e da Cofins dos produtos exportados.

Há verdadeira dessintonia entre as ações do Governo Fernando Henrique e o interesse da população. Nós, que somos o Congresso Nacional, ficamos no meio desse processo. Muitos Parlamentares, em sua maioria, não se aprofundam no debate dessa questão, não dão a devida importância à discussão sobre as dívidas públicas interna e externa, não debatem com a sociedade. É este, na verdade, o grande problema do povo brasileiro. O problema do Governo é que ele exerce uma política em função da dívida, por ser submisso às determinações dos países desenvolvidos e estar sempre ausente em relação às necessidades da população. Estamos assistindo a um Presidente, cujo candidato está em último lugar em qualquer pesquisa eleitoral. Hoje, existem quatro candidatos da Oposição que, somados, têm mais de 70% das intenções de voto no nosso País. Esse é o resultado de uma política de quem não conversa, de quem não sente e de quem, na verdade, não tem experiência administrativa para tomar conta de um País como o Brasil.

Sr. Presidente, muito obrigado. Esta é a minha manifestação, em nome do meu Partido, o Partido Socialista Brasileiro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/06/2001 - Página 14407